DOI 10.36638/1981-061X.2024.29.1.709  
Marx e o movimento do Direito nos textos  
econômicos tardios (1857-1879)  
Marx and the movement of law in late economic texts  
(1857-1879)  
Lucas Almeida Silva*  
Resumo: Este artigo investiga o Direito nos  
textos econômicos tardios de Marx, de 1857 em  
diante. O objeto derivado, portanto, apenas  
poderia ser a via clássica de objetivação do  
capitalismo. Desta investigação pudemos  
concluir que há em Marx duas etapas do  
movimento do Direito feudal inglês. No primeiro  
momento, temos a revogação dos restos do  
Direito feudal, que obstava a acumulação  
nascente, e a instituição de um Direito  
viabilizador do capitalismo, que atualiza seus  
pressupostos objetivos. No segundo momento,  
com o amadurecimento do modo de produção  
capitalista, o funcionamento de suas leis  
imanentes leva a um Direito propriamente  
capitalista.  
Abstract: This paper investigates Law in Marx’s  
late economic texts, from 1857 onwards. Our  
object could only thus be the objectification of  
capitalism in its classical path. From this  
investigation we conclude that there are in Marx  
two stages in English feudal Law. At first, we  
have the abolition of the remnants of feudal law,  
which hindered the nascent accumulation, and  
the institution of a law that could enable  
capitalism, one that actualizes its objective  
presuppositions. Later, with the maturing of the  
capitalist mode of production, the operation of  
its immanent laws leads to a properly capitalist  
law.  
Keywords: Karl Marx; Law; Capitalism.  
Palavras-chave: Karl Marx; Direito; Capitalismo.  
O objetivo deste artigo não é fazer uma teoria geral do Direito marxista nem  
refletir se ela é possível. Trata-se antes de apresentar em que termos o processo do  
Direito se desdobra nos textos econômicos de Marx - nem mais, nem menos.  
Não se cuidará, portanto, de relacionar a extensa historiografia sobre a gênese  
do modo de produção capitalista ou de investigar a precisão da apreensão de Marx  
da realidade mesma, mas apenas de elucidar o movimento da objetivação do modo de  
produção capitalista como Marx o expõe em seus textos econômicos de maturidade.  
Para tanto, o modo de exposição aqui se configura em duas seções: a primeira,  
em que exponho os efeitos da materialidade sobre o Direito, e a segunda, em que  
exponho o movimento do Direito sobre a materialidade. Não é supérfluo lembrar que  
*
Mestre em Direito e Inovação pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF). E-mail:  
Verinotio  
ISSN 1981 - 061X v. 29 n. 1 jan.-jun., 2024  
nova fase  
 
Marx e o movimento do Direito nos textos econômicos tardios (1857-1879)  
a divisão é meramente expositiva.  
Da materialidade ao Direito  
Começo pelos efeitos que a materialidade, a produção da vida material, exerce  
sobre o elemento jurídico. Aqui nos dedicamos à tarefa de expor as relações de mútua  
dependência, reciprocidade não mecânica e pressuposição objetiva, ainda que num  
desenvolvimento desigual, no caso concreto inglês.  
No caso específico de nosso objeto, o pressuposto objetivo mais elementar era  
a criação de uma força de trabalho adequada à acumulação nascente. Daí o impulso  
para a revogação de todas as disposições em contrário, acompanhada da mais crua  
violência da assim chamada acumulação primitiva.  
No período da assim chamada acumulação primitiva, o processo material tinha  
um caráter primordialmente de separação entre trabalhador e condições de produção,  
cujo resultado se provou a criação da força de trabalho livre adequada à produção  
capitalista. Essa força de trabalho é livre em dois sentidos:  
Para transformar dinheiro em capital, o possuidor de dinheiro tem,  
portanto, de encontrar no mercado de mercadorias o trabalhador livre,  
e livre em dois sentidos: de ser uma pessoa livre, que dispõe de sua  
força de trabalho como sua mercadoria, e de, por outro lado, ser  
alguém que não tem outra mercadoria para vender, livre e solto,  
carecendo absolutamente de todas as coisas necessárias à realização  
de sua força de trabalho (MARX, 2013, p. 244).  
Consequentemente, o sentido geral tem o seguinte movimento:  
O processo que cria a relação capitalista não pode ser senão o  
processo de separação entre o trabalhador e a propriedade das  
condições de realização de seu trabalho, processo que, por um lado,  
transforma em capital os meios sociais de subsistência e de produção  
e, por outro, converte os produtores diretos em trabalhadores  
assalariados. A assim chamada acumulação primitiva não é, por  
conseguinte, mais do que o processo histórico de separação entre  
produtor e meio de produção. Ela aparece como “primitiva” porque  
constitui a pré-história do capital e do modo de produção que lhe  
corresponde (MARX, 2013, p. 786).  
O que nos importa, porém, é que, no caso do Direito, esse processo guarda a  
dissolução de todas as determinações bem talhadas à produção feudal. Na objetivação  
do modo de produção capitalista, cujo local clássico foi a Inglaterra, o Direito feudal  
local obstaculizava a acumulação nascente. Assim, a atualização dos pressupostos  
objetivos do modo de produção moderno requeria a neutralização do Direito local.  
Apesar de longa, leia-se a seguinte passagem:  
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O que nos interessa aqui, antes de tudo: o comportamento do  
trabalho em relação ao capital, ou às condições objetivas do trabalho  
como capital, pressupõe um processo histórico que dissolve as  
diferentes formas em que o trabalhador é proprietário, ou em que o  
proprietário trabalha. Sobretudo, por conseguinte: 1) dissolução do  
comportamento em relação à terra território como condição  
natural de produção, com a qual ele se relaciona como sua própria  
existência inorgânica; como o laboratório de suas forças e domínio de  
sua vontade. Todas as formas em que essa propriedade ocorre  
supõem uma comunidade cujos membros, a despeito das diferenças  
formais que possa haver entre eles, são proprietários como membros  
da comunidade. Por isso, a forma original dessa propriedade é, ela  
mesma, propriedade comum imediata (forma oriental, modificada na  
forma eslava; desenvolvida até o contrário, mas permanecendo ainda  
a base secreta, embora contraditória, na propriedade antiga e na  
germânica). 2) Dissolução das relações em que ele figura como  
proprietário do instrumento. Assim como a forma da propriedade de  
terra acima presume uma comunidade real, essa propriedade do  
trabalhador sobre os instrumentos presume uma forma particular do  
desenvolvimento do trabalho manufatureiro como trabalho artesanal;  
associado a isso, o sistema de guildas e de corporações etc. [...] 3)  
Incluído em ambos está o fato de que ele tem em seu poder, antes da  
produção, os meios de consumo necessários para viver como produtor  
ou seja, durante sua produção, antes da conclusão desta. Como  
proprietário de terra, ele aparece diretamente munido com o fundo de  
consumo necessário. Como mestre artesão, ele os herdou, adquiriu,  
poupou, e, como oficial artesão, ele ainda é aprendiz, condição em  
que ainda nem figura como trabalhador autônomo propriamente dito,  
mas de forma patriarcal comparte a mesa com o mestre. Como oficial  
(de fato), há certo caráter comunitário no fundo de consumo em poder  
do mestre. Embora tal fundo não seja propriedade do oficial, pelas  
leis da guilda, suas tradições etc., ele é ao menos seu copossuidor etc.  
(Assunto a ser aprofundado.) 4) Por outro lado, dissolução na mesma  
medida das relações em que os próprios trabalhadores, as próprias  
capacidades de trabalho vivas, ainda fazem parte diretamente das  
condições objetivas de produção e são apropriados enquanto tais —  
ou seja, são escravos ou servos. Para o capital, o trabalhador não é  
uma condição de produção, mas só o trabalho. Se ele puder realizá-  
lo por meio de máquinas ou até por meio da água, do ar, tanto melhor.  
E o capital não se apropria do trabalhador, mas do seu trabalho —  
não diretamente, mas pela mediação da troca (MARX, 2011, pp. 408–  
409).  
Ou seja, eis aí os pressupostos históricos para que o trabalhador venha a se  
tornar livre, no sentido moderno. Temos essa longa enumeração dos pressupostos  
objetivos do modo de produção moderno, que se devem atualizar por meio da  
dissolução do modo de produção feudal, que o antecedeu. É uma exposição sintética  
dos condicionamentos que a materialidade impõe ao Direito, que, acossado pela  
mudança material, deve afrouxar tudo quanto embarace a acumulação nascente, como  
as “leis da guilda, suas tradições etc.” Sua dissolução, na medida em que são a  
regulação jurídica de relações em que “as próprias capacidades de trabalho vivas”  
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ainda pertencem diretamente às “condições objetivas de produção e são apropriados  
enquanto tais”, é a face jurídica da ruína da feudalidade e de suas disposições legais.  
A revogação das normas referentes às guildas, fique claro, segue de perto a queda  
das próprias guildas. De modo mais geral, vale o mesmo para o desmonte de todas  
as disposições fundadas sobre relações de dependência direta e dissolução das  
relações mesmas, sejam de “escravos ou servos”. Cabe lembrar que, adicionamos ao  
acima, instituir um Direito adequado ao modo de produção que vinha apontando era  
igualmente uma necessidade.  
Obliquamente, demonstra-se a reciprocidade não mecânica do Direito e da  
materialidade. Se, num momento, a criação de uma força de trabalho assalariada  
demanda a “dissolução das relações em que ele [o trabalhador] figura como  
proprietário do instrumento”, no próximo, a preservação dessa mesma força de  
trabalho requer a intervenção do Direito, por meio da legislação fabril. O mesmo  
impulso move a revogação da legislação feudal sobre a inamovibilidade do  
trabalhador: o desenvolvimento capitalista “(…) pressupõe a abolição de todas as leis  
que impedem os trabalhadores de transferir-se de uma esfera da produção a outra ou  
de uma sede local da produção para outra qualquer” (MARX, 2014, p. 231). Da mesma  
forma, o desenvolvimento da assim chamada acumulação primitiva pode revestir certos  
pretextos jurídicos, que evidentemente não podem ser explicados a partir de si  
próprios:  
Se estudássemos a história das terras comunais inglesas, como estas  
foram sucessivamente convertidas em propriedade privada e  
incorporadas ao cultivo pelas Enclosure Bills […]. O fator decisivo,  
nesse caso, foi muito mais a ocasião que faz o ladrão: os pretextos  
jurídicos de apropriação, mais ou menos plausíveis, que se ofereciam  
aos grandes proprietários de terra (MARX, 2017, p. 830).  
Sobre o movimento de usurpação da propriedade comunal, veja-se também:  
A propriedade comunal absolutamente distinta da propriedade  
estatal anteriormente considerada era uma antiga instituição  
germânica, que subsistiu sob o manto do feudalismo. Vimos como a  
violenta usurpação dessa propriedade comunal, em geral  
acompanhada da transformação das terras de lavoura em pastagens,  
tem início no final do século XV e prossegue durante o século XVI.  
Nessa época, porém, o processo se efetua por meio de atos  
individuais de violência, contra os quais a legislação lutou, em vão,  
durante 150 anos. O progresso alcançado no século XVIII está em que  
a própria lei se torna, agora, o veículo do roubo das terras do povo,  
embora os grandes arrendatários também empreguem paralelamente  
seus pequenos e independentes métodos privados. A forma  
parlamentar do roubo é a das “Bills for Inclosures of Commons” (leis  
para o cercamento da terra comunal), decretos de expropriação do  
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povo, isto é, decretos mediante os quais os proprietários fundiários  
presenteiam a si mesmos, como propriedade privada, com as terras  
do povo (MARX, 2013, p. 796).  
Marx resume o movimento real, aqui exposto em duas partes. Antes, o Direito  
lutava contra os “atos individuais de violência”. Depois, torna-se ele próprio um veículo  
de violência, como é possível depreender.  
Provamos com isso um ponto importante do movimento. A objetivação do  
modo de produção capitalista na via clássica passava pela dissolução das condições  
da feudalidade e do Direito que lhe correspondia. Na citação aqui reproduzida, esse  
processo material, “em geral acompanhad[o] da transformação das terras de lavoura  
em pastagens”, se deu em virtude de “atos individuais de violência, contra os quais a  
legislação lutou”. A legislação, portanto, era um impedimento à acumulação nascente.  
Esse contexto dá lugar a um momento em que se forma um Direito mais harmônico à  
acumulação em processo, de modo que “a própria lei se torna, agora, o veículo do  
roubo das terras do povo”.  
As duas faces do processo da dita acumulação “primitiva” — a substituição de  
um Direito feudal por outro abertamente violento, que se torna força material, ao agir  
na objetivação do capitalismo inglês são demonstradas na mesma citação, nas  
condições do processo inglês. A queda do Direito feudal está muito próxima a um  
Direito da acumulação nascente, que leva adiante o processo.  
O vetor resultante do processo é, frise-se, a criação social de uma força de  
trabalho adequada à valorização do valor, que passava à época pelo fim de todas as  
relações diretas de dominação. Que tenha tomado a forma dos meios mais brutais é  
um fato incontestável. A consequência jurídica dessa mudança material é que a  
produção da força de trabalho, formalmente livre, leva ao fim dos privilégios feudais e  
assenta as bases da rearticulação do Direito romano sobre a base da produção  
moderna:  
[Q]ue o trabalhador confronta o capitalista, que possui dinheiro, como  
o proprietário de sua própria pessoa, e, portanto, de sua própria força  
de trabalho, e como o vendedor do uso temporário desta. Assim,  
ambos se encontram como possuidores de mercadorias, como  
vendedor e comprador, enfim como pessoas formalmente livres, entre  
as quais nenhuma outra relação existe além daquela de vendedor e  
comprador, nenhuma outra relação de dominação ou subordinação  
política ou socialmente fixada (MARX, 1994, p. 95, tradução livre).  
É preciso adicionar que Marx reconhece explicitamente que tais tendências,  
como seria de se esperar, alteram o movimento do Direito, uma vez que sua base real  
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é alterada. Prova disso, aliada à evidência de que a liberdade pessoal encarnada na  
venda da força de trabalho é um pressuposto objetivo do modo de produção  
capitalista, pode-se ler a seguir:  
Embora os direitos civis” dos trabalhadores não afetem a “sua posição  
econômica”, sua posição econômica no entanto afeta seus direitos  
civis.  
O
trabalho assalariado em escala nacional  
e,  
consequentemente, também o modo de produção capitalista é  
possível somente onde os trabalhadores são pessoalmente livres. Ele  
se baseia na liberdade pessoal dos trabalhadores (MARX, 1991, p.  
354, tradução livre).  
Não é demais lembrar que, embora a dimensão jurídica ocupe o primeiro plano,  
o processo invisível e subjacente é a já aludida violência direta na separação entre  
trabalhadores e condições de produção. Nesse sentido, veja-se:  
A dissolução de todos os produtos e atividades em valores de troca  
pressupõe a dissolução de todas as relações fixas (históricas) de  
dependência pessoal na produção, bem como a dependência  
multilateral dos produtores entre si. A produção de todo indivíduo  
singular é dependente da produção de todos os outros; bem como a  
transformação de seu produto em meios de vida para si próprio torna-  
se dependente do consumo de todos os outros. Os preços são  
antigos; a troca também; mas a crescente determinação dos primeiros  
pelos custos de produção, assim como a predominância da última  
sobre todas as relações de produção, só se desenvolvem  
completamente, e continuam a desenvolver-se cada vez mais  
completamente, na sociedade burguesa, a sociedade da livre  
concorrência […] (MARX, 2011, p. 104).  
A dissolução das “relações fixas (históricas) de dependência pessoal na  
produção” deve ser compreendida no contexto mais geral da dissolução de todo o  
Direito feudal, como a já citada legislação de guildas, mas também a legislação de  
aprendizagem, vista abaixo. Acrescente-se outra passagem relevante:  
Na relação monetária, no sistema de trocas desenvolvido (e essa  
aparência seduz a democracia), são de fato rompidos, dilacerados, os  
laços de dependência pessoal, as diferenças de sangue, as diferenças  
de cultura etc. (todos os laços pessoais aparecem ao menos como  
relações pessoais); e os indivíduos parecem independentes (essa  
independência que, aliás, não passa de mera ilusão e, mais justamente,  
significa apatia no sentido de indiferença), livres para colidirem uns  
contra os outros e, nessa liberdade, trocar (MARX, 2011, p. 111).  
Ultrapassa este trabalho explorar como a aparência do “sistema de trocas  
desenvolvido […] seduz a democracia”. No momento, basta provar o sentido geral  
desse processo. Para tanto, mobiliza-se outra passagem, talvez a mais assertiva:  
Na história efetiva, o trabalho assalariado resulta da dissolução da  
escravidão e da servidão ou do declínio da propriedade comunal,  
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como se deu entre povos orientais e eslavos e, em sua forma  
adequada que faz época, forma que abarca toda a existência social do  
trabalho, procede da destruição da economia das corporações, do  
sistema estamental, do trabalho natural e da renda em espécie, da  
indústria operando como atividade rural acessória, da pequena  
economia rural ainda de caráter feudal etc. Em todas essas transições  
históricas efetivas o trabalho assalariado aparece como dissolução,  
como destruição de relações em que o trabalho era fixado em todos  
os aspectos, em seu rendimento, seu conteúdo, sua localização, sua  
extensão etc. Portanto, como negação da fixidez do trabalho e de sua  
remuneração (MARX, 2011, p. 34).  
O elemento comum a todas as passagens reunidas é que, para direcionar, para  
levar adiante os conflitos sociais, foi preciso lançar mão de um poder que  
impulsionasse o processo de transformação do modo de produção feudal em  
capitalista e abreviasse a transição de um para o outro. Tal poder, como visto, abreviou  
as dores do parto da transição, em virtude do que, do ponto de vista do Direito, temos  
bem demonstrado que o momento inaugurador da assim chamada acumulação  
primitiva, além das óbvias mudanças materiais, resultou na ruína de todo o Direito, em  
sentido amplo, feudal. Assim, as guildas, o “sistema estamental” etc. e suas expressões  
jurídicas. A passagem seguinte é decisiva:  
Prescindindo de motivos mais elevados, os interesses mais  
particulares das atuais classes dominantes obrigam-nas à remoção de  
todos os obstáculos legalmente controláveis que travem o  
desenvolvimento da classe trabalhadora. É por isso que, neste volume,  
reservei um espaço tão amplo à história, ao conteúdo e aos resultados  
da legislação inglesa relativa às fábricas. Uma nação deve e pode  
aprender com as outras. Ainda que uma sociedade tenha descoberto  
a lei natural de seu desenvolvimento e a finalidade última desta  
obra é desvelar a lei econômica do movimento da sociedade moderna  
, ela não pode saltar suas fases naturais de desenvolvimento, nem  
suprimi-las por decreto. Mas pode, sim, abreviar e mitigar as dores do  
parto (MARX, 2013, p. 79).  
A reciprocidade complexa entre o momento jurídico e o econômico, sendo este  
o momento preponderante, são determinações presentes no trecho citado. O  
desenvolvimento do Direito é possibilitado pela produção material dos homens,  
desenvolvimento, porém, que pode assumir formas que travem ou que impulsionem  
sua produção social. É o que se lê quando Marx sustenta que “os interesses mais  
particulares das atuais classes dominantes obrigam-nas à remoção de todos os  
obstáculos legalmente controláveis que travem o desenvolvimento da classe  
trabalhadora” (MARX, 2013, p. 79).  
Como temos demonstrado, um exemplo claro é a legislação medieval de  
guildas, um entrave à produção moderna:  
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Nas guildas medievais, o mestre não podia se tornar capitalista,  
devido às regulações da guilda, que restringia o número de  
trabalhadores passíveis de serem empregados em determinado  
momento a um máximo bem baixo (MARX, 1988, p. 270, tradução  
livre).  
É uma legislação que trava um possível desenvolvimento capitalista, e, portanto,  
tinha de ser tornada inoperante de algum modo para que o capital se pudesse  
desenvolver.  
A determinação material do Direito nesse caso aponta que o desenvolvimento  
do capitalismo nascente afasta todas as limitações à livre operação de suas leis  
imanentes: “E de fato as leis sobre o aprendizado seriam repelidas logo após o  
surgimento da maquinaria” (MARX; ENGELS, 1991, p. 499, tradução livre); “[…] O  
trabalho fabril deixa ao trabalhador apenas o conhecimento de certos movimentos  
manuais; com isso, portanto, dá-se cabo às leis de aprendizado” (MARX; ENGELS,  
1994, p. 34, tradução livre).  
Veja-se aqui que a categoria econômica madura prescinde das mediações  
anteriores. A criação de uma força de trabalho adequada agora não passa mais pelo  
aprendizado, e, portanto, a mudança material o sistema fabril em processo de  
maturação torna possível descartar a legislação que a antecedeu. O fascinante é  
que o próprio Direito foi uma mediação para a generalização do sistema fabril, que,  
por sua vez, foi primordial para tornar supérflua a mediação jurídica na determinação  
de categorias econômicas. Assim, as leis do aprendizado são descartadas assim que a  
criação de uma força de trabalho adequada podia ser deixada às leis imanentes do  
modo de produção moderno.  
O capitalismo maduro, portanto, não carece de muletas, por assim dizer, e  
naturalmente tem outra relação com a mediação jurídica em relação ao capital em seu  
estado larval:  
Enquanto o capital é fraco, ele próprio procura ainda apoiar-se nas  
muletas dos modos de produção do passado ou que estão  
desaparecendo com o seu surgimento. Tão logo ele se sente forte,  
joga as muletas fora e se movimenta de acordo com as suas próprias  
leis (MARX, 2011, p. 546).  
Pode ser de interesse lembrar que a acumulação primitiva não é um guia geral,  
passível de ser meramente aplicado. É uma nota importante, considerada a  
possibilidade da aplicação, fundada numa analogia apressada, dos escritos marxianos.  
Os mesmos pressupostos gerais da acumulação capitalista se têm de atualizar, está  
claro. A via de sua objetivação, porém, pode variar enormemente. Sendo O capital uma  
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obra que se debruça sobre as tendências mais gerais do capital, no que é  
complementada pela maior parte dos textos econômicos, não seria razoável esperar  
uma análise imanente das vias não clássicas de objetivação do modo de produção  
capitalista. Apesar de ser um ponto que aparece, aqui e ali, nesta exposição, não carece  
de maiores considerações para além da passagem a seguir:  
A expropriação da terra que antes pertencia ao produtor rural, ao  
camponês, constitui a base de todo o processo [da acumulação  
primitiva]. Sua história assume tonalidades distintas nos diversos  
países e percorre as várias fases em sucessão diversa e em diferentes  
épocas históricas. Apenas na Inglaterra, e por isso tomamos esse país  
como exemplo, tal expropriação se apresenta em sua forma clássica  
(MARX, 2013, pp. 787788).  
Até o momento expusemos as provas do primeiro momento da objetivação do  
modo de produção capitalista, em que o bom desenrolar do processo carecia da  
abolição de todos os obstáculos materiais e legais, sendo este nosso objeto  
privilegiado. Processo correlato mostrou-se a instituição de um Direito correspondente  
à acumulação primitiva, cuja função era a compulsão ao trabalho.  
Nesse ponto, devemos ressaltar que Marx não sugere que todo o movimento  
superestrutural segue o movimento da base. O movimento superestrutural não tem  
lógica própria, e, portanto, se reporta sempre a um momento anterior que possibilita  
sua existência, sendo este o momento preponderante. O Direito possui especificidade,  
porém não lógica inteiramente sua. A relação de pressuposição objetiva traz em seu  
bojo a questão do desenvolvimento desigual. Antes de abrirmos a questão do que  
seria o desenvolvimento desigual, uma última citação marxiana que prova a  
pressuposição objetiva da materialidade em relação a complexos superiores:  
Os burgueses não consideram que a atual distribuição é “justa”? E  
não é ela a única distribuição “justa” tendo como base o atual modo  
de produção? As relações econômicas são reguladas por conceitos  
jurídicos ou, ao contrário, são as relações jurídicas que derivam das  
relações econômicas? (MARX, 2012, p. 27).  
No mesmo sentido:  
Não faz sentido falar aqui de justiça natural […]. A justiça das  
transações que se realizam entre os agentes da produção repousam  
no fato de que essas transações derivam das relações de produção  
como uma consequência natural. As formas jurídicas, nas quais essas  
transações econômicas aparecem como atos de vontade dos  
envolvidos, como exteriorizações de sua vontade comum e como  
contratos cuja execução pode ser imposta às partes contratantes pelo  
Estado, não podem determinar, como meras formas que são, esse  
conteúdo. Elas podem apenas expressá-lo. Quando corresponde ao  
modo de produção, quando lhe é adequado, esse conteúdo é justo;  
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quando o contradiz, é injusto. A escravidão, sobre a base do modo de  
produção capitalista, é injusta, assim como a fraude em relação à  
qualidade da mercadoria (MARX, 2017, pp. 386387).  
As relações materiais em determinado estágio, é bom notar, também dependem  
das relações jurídicas, ainda que não sejam estas que engendrem aquelas. Chamemos  
a atenção a este fato: nessa reciprocidade, o Direito pode ser importante mediação ou  
para impedir que a materialidade se desenvolva ou para levar a materialidade a outro  
patamar. Esse patamar superior, na sua constituição e talvez na sua manutenção, como  
no caso da legislação fabril, que não pode ser inteiramente descartada, precisa do  
desenvolvimento jurídico. Ao mesmo tempo, o desenvolvimento jurídico não é o  
momento preponderante.  
As relações jurídicas necessitam de determinados desenvolvimentos materiais  
que possibilitem sua existência, porém sempre de forma contingente, dentro de um  
espectro, mais ou menos largo, de desenvolvimentos historicamente viáveis. Para que  
fique claro, é preciso expor outro ponto importante de nossa investigação, a saber, o  
fato de que essa relação de pressuposição objetiva, bem entendida, convive com o  
desenvolvimento desigual.  
Esse ponto é importante para demonstrar outra matéria, a saber, que a  
burguesia, em sua fase ascendente, rearticulou o Direito romano. Mais fecundo que se  
dedicar a provar que o Direito romano não é um Direito propriamente dito, tese  
sustentada no Teoria Geral do Direito e Marxismo de Pachukanis e que encontra fortes  
ecos no Brasil, é compreender o movimento objetivo do Direito e a modificação de  
seu centro gravitacional de uma sociedade fundada no escravagismo antigo a outra  
fundada na produção moderna.  
O ponto chave do desenvolvimento desigual se encontra nos Grundrisse. Como  
afirma Marx, é “[a] relação desigual do desenvolvimento da produção material” (MARX,  
2011, p. 62) com outros desenvolvimentos.  
Mas o ponto verdadeiramente difícil de discutir aqui é o de como as  
relações de produção, como relações jurídicas, têm um  
desenvolvimento desigual [ungleiche Entwicklung]. Em consequência  
disso, p. ex., a relação do Direito privado romano (nem tanto o caso  
no Direito penal e no Direito público) com a produção moderna  
(MARX, 2011, p. 62).  
Há várias formas de entificação do Direito possíveis e abertas pela mesma base,  
ou seja, que assentam sobre as mesmas condições de possibilidade. Como Marx afirma,  
o Direito privado romano, em específico, foi rearticulado na produção moderna, o que  
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não ocorreu com os Direitos penal e público (lembrando que o próprio Direito penal,  
de certa forma, desempenha um papel na época das workhouses). Esse ponto  
demonstra a importante função desempenhada pelo Direito, que foi mediação na fase  
ascendente da burguesia contra a feudalidade.  
Para nossos propósitos mais específicos, devemos falar aqui do  
desenvolvimento desigual que os vários complexos têm sobre sua base material, sobre  
suas condições objetivas de possibilidade.  
O desenvolvimento desigual se refere também ao fato de que uma mudança  
material “transforma mais ou menos lenta ou rapidamente toda a colossal  
superestrutura” (MARX, 2008, p. 50). A base material e a superestrutura, portanto,  
podem apresentar, dentro de certos limites, rumos diferenciados, ainda que em  
reciprocidade. A questão é difícil, porém, no âmbito específico do Direito, podemos  
destacar que, além do fato de a produção moderna rearticular o Direito privado  
romano, e nem tanto os Direitos penal e público, o Direito privado em Roma é em  
grande medida oposto aos seus fundamentos. Assim, o desenvolvimento do Direito  
privado romano, que só pode existir posta certa produção anterior, pode coincidir com  
a dissolução da comunidade romana, ou seja, pode ser desarmônica diante de seus  
pressupostos objetivos:  
Por essa razão, é igualmente claro que esse Direito, embora  
corresponda a uma situação social na qual a troca não estava de modo  
algum desenvolvida, pôde, entretanto, na medida em que estava  
desenvolvido em determinado círculo, desenvolver as determinações  
da pessoa jurídica, precisamente as do indivíduo da troca, e antecipar,  
assim, o Direito da sociedade industrial (em suas determinações  
fundamentais); mas, sobretudo, teve de se impor como o Direito da  
sociedade burguesa nascente perante a Idade Média. Mas seu próprio  
desenvolvimento coincide completamente com a dissolução da  
comunidade romana (MARX, 2011, pp. 188189).  
Com o desenvolvimento desigual, demonstra-se que a tarefa marxiana não é  
apenas compreender que as formas ideológicas têm determinações materiais, ou seja,  
que têm pressupostos objetivos nas relações materiais. É evidente que o Direito  
pressupõe toda uma série de relações. O que ocorre, porém, é a necessidade de uma  
crítica imanente, que demonstre as condições de surgimento da forma ideológica, sua  
gênese e sua função concreta.  
Engels, deve-se notar, tinha em mente o desenvolvimento desigual. Numa carta  
a Karl Kautsky, datada de 26 de junho de 1884, afirma:  
O Direito romano é a consumação do Direito da produção simples de  
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mercadorias, isto é, pré-capitalista, embora encarne muito do sistema  
legal do período capitalista. Era exatamente o que nossos burgueses  
precisavam ao tempo de sua ascensão e não encontravam no Direito  
tradicional local (ENGELS, 1979, p. 167, tradução livre).  
O bom curso da acumulação capitalista carecia de um Direito mais apropriado.  
O Direito tradicional das localidades não se coadunava com a acumulação capitalista,  
com o que o Direito romano, que integrava uma sociabilidade pré-capitalista, agora é  
rearticulado. A fonte acima, porém, é Engels. Marx, por sua vez, escreve  
inequivocamente:  
A forma econômica específica em que o mais-trabalho não pago é  
extraído dos produtores diretos determina a relação de dominação e  
servidão, tal como esta advém diretamente da própria produção e, por  
sua vez, retroage sobre ela de modo determinante. Nisso se funda,  
porém, toda a estrutura da entidade comunitária econômica, nascida  
das próprias relações de produção; simultaneamente com isso, sua  
estrutura política peculiar. Em todos os casos, é na relação direta entre  
os proprietários das condições de produção e os produtores diretos  
relação cuja forma eventual sempre corresponde naturalmente a  
determinada fase do desenvolvimento dos métodos de trabalho e,  
assim, a sua força produtiva social que encontramos o segredo  
mais profundo, a base oculta de todo o arcabouço social e,  
consequentemente, também da forma política das relações de  
soberania e de dependência, isto é, da forma específica do Estado  
existente em cada caso. Isso não impossibilita que a mesma base  
econômica a mesma no que diz respeito às condições principais —  
graças a inúmeras circunstâncias empíricas de diversos tipos,  
condições naturais, raciais, influências históricas externas etc.,  
manifeste-se em infinitas variações e matizes, que só se podem  
compreender por meio uma análise dessas circunstâncias empíricas  
(MARX, 2017, p. 852).  
Ora, o desenvolvimento do Direito, repita-se, tem especificidade, ou seja,  
características próprias, não sendo mero epifenômeno da base econômica, mas não  
lógica inteiramente própria. O Direito é heterogêneo em relação à economia.  
Quanto à tradição em específico e sua relação com o Direito, Marx a elabora  
nos seguintes termos:  
[…] [E]stá claro que nas situações naturais e não desenvolvidas em  
que se fundamenta essa relação social de produção e o modo de  
produção a ela correspondente, a tradição tem de desempenhar um  
papel predominante [übermächtige Rolle]. Ademais, é nítido que aqui,  
como sempre, à parte dominante da sociedade interessa consagrar o  
que já existe, conferindo-lhe o caráter de lei, e fixar como legais as  
barreiras estabelecidas pelo uso e pela tradição (MARX, 2017, p.  
853).  
Se “nas situações naturais e não desenvolvidas […] a tradição tem de  
desempenhar um papel predominante”, a contrario sensu temos que, nas situações  
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desenvolvidas, como a sociedade moderna, a tradição não pode desempenhar papel  
predominante, vindo a se separar gradualmente do Direito, em seu desenvolvimento  
superestrutural, tornando-se “Direito racional”.  
Não houve em qualquer outro modo de produção grau assemelhado de  
diferenciação entre política e Direito como no capitalismo. O desenvolvimento histórico  
geral aponta no sentido da diferenciação tendencial entre os elementos da  
superestrutura. Com a complexificação das sociedades, fica cada vez mais necessário  
dividir especificamente entre “Direito racional” e tradição, por exemplo. A tradição dá  
conta de conflitos sociais em sociedades relativamente simples, mas não naquelas  
altamente complexas, como a moderna.  
A linha de demonstração apenas passa aí na trajetória de provar a rearticulação  
do Direito romano sobre a base da produção moderna. O sentido do processo tornou  
necessário rearticular um Direito pré-capitalista, como tal heterogêneo à materialidade,  
no próprio processo material de dissolução da feudalidade e constituição da moderna  
sociedade civil-burguesa. Em relação à não correspondência, ou heterogeneidade, do  
Direito em relação a seus pressupostos objetivos, veja-se Marx:  
[…] o Direito romano, mais ou menos modificado, foi adotado pela  
sociedade moderna porque a representação jurídica que o sujeito da  
livre concorrência faz de si corresponde à da pessoa romana (não que  
eu tenha qualquer intenção de cá adentrar na vital questão de que a  
representação jurídica de certas relações de propriedade, por mais  
que delas surgindo, não são nem podem ser com elas de todo  
congruentes) (MARX, 1974, p. 614, tradução livre).  
O importante nesse quesito é demonstrar que o desenvolvimento do Direito  
não é mecânico e deve sempre se reportar a tais condições de possibilidade, por sua  
vez agindo sobre elas com efeitos variados. No caso da obra econômica marxiana, que  
se debruça precipuamente sobre a via clássica, o movimento geral foi exposto. Essa  
parte, em específico, pode iluminar toda a série de condicionamentos que a atualização  
das condições de possibilidade do capitalismo exerce sobre o Direito. É evidente que  
não é um condicionamento de mão única. Os efeitos não mecânicos que o Direito pode  
ter sobre a materialidade, a seu turno, ficam para o próximo item.  
Do Direito à materialidade  
Neste item elaboramos os efeitos que o Direito, em sentido amplo, pode ter  
sobre a materialidade. Em sua maior parte, Marx trata dos efeitos da legislação  
parlamentar sobre a materialidade, ainda que o Direito não se resuma à lei.  
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Como seu objeto primário nos textos analisados é desvelar o desenvolvimento  
das leis econômicas, o que se podia observar nos países industrialmente mais  
avançados, França e Inglaterra, não surpreende que sejam objeto de análises mais  
demoradas. Não é à toa que a legislação parlamentar inglesa é tão longamente citada  
por meio dos Blue Books [Livros Azuis].  
Como afirma Marx sobre a legislação fundiária:  
As leis podem perpetuar um instrumento de produção, a terra, por  
exemplo, em certas famílias. Essas leis só ganham significado  
econômico quando a grande propriedade fundiária está em harmonia  
com a produção social, como na Inglaterra, por exemplo. Na França, a  
pequena agricultura era praticada apesar da grande propriedade  
fundiária, daí porque esta última foi destruída pela Revolução. Mas e  
a perpetuação do parcelamento, por exemplo, pelas leis? A despeito  
dessas leis, a propriedade se concentra novamente. A influência das  
leis na manutenção das relações de distribuição e, daí, seu efeito sobre  
a produção devem ser particularmente determinados (MARX, 2011, p.  
52).  
Temos aí o desenvolvimento desigual do Direito em relação à materialidade, o  
fato de que propriedade não é mero conceito jurídico e que a materialidade assenta  
as condições de possibilidade sobre que pode se erigir um Direito harmônico ou  
desarmônico em face da materialidade, ao “perpetuar um instrumento de produção  
[…] em certas famílias”. Lembre-se cá que Marx já falara noutra ocasião que “o Direito  
não é mais que o reconhecimento oficial do fato” (MARX, 1985, p. 86).  
Neste item resumimos os achados marxianos mais significativos. Todos têm em  
comum o fato de mostrarem que o Direito, longe de poder ser compreendido  
meramente em virtude de uma teoria geral, deve sempre se reportar a suas condições  
concretas de possibilidade e de articulação no presente, ou seja, deve sempre se  
apresentar no contexto particular de sua produção, desenvolvimento, rearticulação ou  
abolição. Compreender o movimento concreto do Direito é o desafio marxiano, visto  
pela lente estreita do objeto jurídico.  
Ponto importante se lê no Règlement organique, com o que Marx compara uma  
legislação semi-feudal à legislação inglesa, a mais desenvolvida à época:  
A comparação da avidez por mais-trabalho nos Principados do  
Danúbio com a mesma avidez nas fábricas inglesas tem um interesse  
especial, visto que o mais-trabalho na corveia apresenta uma forma  
independente, palpável (MARX, 2013, p. 310).  
A avidez por mais-trabalho, porém, ainda que presente tanto nos Principados  
do Danúbio quanto nas fábricas inglesas, possui uma dinâmica significativamente  
diferente nas últimas:  
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Se o Règlement organique dos Principados do Danúbio foi uma  
expressão positiva da avidez por mais-trabalho, legalizada a cada  
parágrafo, as Factory Acts inglesas são uma expressão negativa dessa  
mesma avidez. Essas leis refreiam o impulso do capital por uma sucção  
ilimitada da força de trabalho, mediante uma limitação compulsória da  
jornada de trabalho pelo Estado e, mais precisamente, por um Estado  
dominado pelo capitalista e pelo landlord [proprietário de terras].  
Abstraindo de um movimento dos trabalhadores que se torna a cada  
dia mais ameaçador, a limitação da jornada de trabalho nas fábricas  
foi ditada pela mesma necessidade que forçou a aplicação de guano  
nos campos ingleses. A mesma rapacidade cega que, num caso,  
exauriu o solo, no outro matou na raiz a força vital da nação.  
Epidemias periódicas são, aqui, tão eloquentes quanto a diminuição  
da altura dos soldados na Alemanha e na França (MARX, 2013, p.  
313).  
A avidez por mais-trabalho, como se nota no item citado, pode ocorrer tanto  
numa organização feudal da sociedade, mediante a prestação direta de serviços por  
dependência pessoal, como no capitalismo inglês, o mais avançado de sua época, sob  
a forma do mais-valor. Aduz Marx:  
Meu objetivo aqui é simplesmente ilustrar o paralelo com o apetite  
ganancioso dos boiardos, aduzindo certas citações dos mais recentes  
relatórios de fábrica; e, de forma semelhante, apresentar um ou dois  
exemplos em relação aos ramos da indústria em que as leis fabris  
ainda não foram introduzidas (rendados) ou acabaram de ser  
introduzidas (tipografias). Tudo de que precisamos aqui são algumas  
ilustrações para uma tendência que não opera mais fortemente na  
Valáquia do que na Inglaterra (MARX, 1988, p. 216, tradução livre).  
É evidente que a constituição de um código da corveia nos Principados do  
Danúbio passa por uma relação de pressuposição objetiva, de modo que a constituição  
das relações que o Direito vem a reconhecer toma a seguinte forma:  
O trabalho dos camponeses livres sobre sua terra comunal se  
converteu na corveia para os ladrões da terra comunal. Com isso,  
desenvolveram-se, ao mesmo tempo, relações de servidão, ainda que  
apenas de fato, não de Direito, até que a Rússia, a libertadora do  
mundo, legalizou essas relações sob o pretexto de abolir a servidão.  
O código da corveia, proclamado em 1831 pelo general russo  
Kisselev, foi, naturalmente, ditado pelos próprios boiardos. Assim, a  
Rússia conquistou, com um só golpe, os magnatas dos Principados do  
Danúbio e o aplauso dos liberais cretinos de toda a Europa (MARX,  
2013, p. 311).  
Ressalte-se o uso do Direito como pretexto jurídico da abolição da escravidão,  
solidificando, na realidade, relações de corveia.  
A citação abaixo não deixa dúvidas de que o papel que o Direito desempenha  
no caso concreto é central no projeto científico de Marx:  
Onde a produção capitalista se instalou plenamente entre nós [isto é,  
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na Alemanha] por exemplo, nas fábricas propriamente ditas , as  
condições são muito piores que na Inglaterra, pois aqui não há o  
contrapeso das leis fabris. Em todas as outras esferas, atormenta-nos,  
do mesmo modo como nos demais países ocidentais do continente  
europeu, não só o desenvolvimento da produção capitalista, mas  
também a falta desse desenvolvimento. Além das misérias modernas,  
aflige-nos toda uma série de misérias herdadas, decorrentes da  
permanência vegetativa de modos de produção arcaicos e antiquados,  
com o seu séquito de relações sociais e políticas anacrônicas.  
Padecemos não apenas por causa dos vivos, mas também por causa  
dos mortos. Le mort saisit le vif! [O morto se apodera do vivo!]  
Comparada com a inglesa, a estatística social da Alemanha e dos  
demais países do ocidente do continente europeu ocidental é  
miserável. Não obstante, ela levanta suficientemente o véu para deixar  
entrever, atrás dele, uma cabeça de Medusa. Ficaríamos horrorizados  
ante nossa própria situação se nossos governos e parlamentos, como  
na Inglaterra, formassem periodicamente comissões para investigar as  
condições econômicas; se a essas comissões fossem conferidas a  
mesma plenitude de poderes para investigar a verdade de que gozam  
na Inglaterra; se, para essa missão, fosse possível encontrar homens  
tão competentes, imparciais e inflexíveis como os inspetores de fábrica  
na Inglaterra, seus relatores médicos sobre public health [saúde  
pública], seus comissários de inquérito sobre a exploração de  
mulheres e crianças, sobre as condições habitacionais e nutricionais  
etc. Perseu necessitava de um elmo de névoa para perseguir os  
monstros. Nós puxamos o elmo de névoa sobre nossos olhos e  
ouvidos para poder negar a existência dos monstros (MARX, 2013, p.  
79).  
Marx chama a atenção aos diferentes graus de desenvolvimento do objeto —  
no caso específico, a produção capitalista. É claro que o capitalismo pode estar mais  
ou menos desenvolvido, mais ou menos preso a restos de modos de produção  
anteriores. Porém mesmo esses restos de modos de produção anteriores mostram que  
as formas concretas de entificação do capitalismo são heterogêneas. A história inglesa,  
como bem consta em O capital, demonstrou que o desenvolvimento capitalista  
gradualmente se desvencilhou de seus embaraços feudais. O Direito foi,  
contraditoriamente, instrumento para a viabilização do modo de produção capitalista  
e, posteriormente, instrumento de “contrapeso” ou freio racional, por meio das leis  
fabris, à dinâmica interna da acumulação.  
No caso prussiano, a existência de traços pré-capitalistas e a miséria alemã  
deságuam na via prussiana. As consequências materiais são enormes. Na Inglaterra  
puderam surgir Direitos civis amplos, além dos Direitos do trabalho postos pela  
legislação fabril.  
Um ponto que demonstra ainda mais evidentemente a função concreta do  
Direito, sendo este um papel inerente a seu funcionamento como ideologia, temos na  
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jornada normal de trabalho. A atuação jurídica é complexa, passando da violência  
ostensiva, num primeiro momento, à compulsão econômica, quando a produção social  
de uma classe trabalhadora adequada à acumulação capitalista está num estágio  
adiantado. Como aduz nosso autor:  
Para “se proteger” contra a serpente de suas aflições, os  
trabalhadores têm de se unir e, como classe, forçar a aprovação de  
uma lei, uma barreira social intransponível que os impeça a si mesmos  
de, por meio de um contrato voluntário com o capital, vender a si e a  
suas famílias à morte e à escravidão (MARX, 2013, p. 3734).  
Ao mesmo tempo, pode Marx sustentar que “a legislação sobre o trabalho  
assalariado, desde sua origem cunhada para a exploração do trabalhador”, seja  
“sempre hostil a ele” (MARX, 2013, p. 809).  
Como visto, a jornada normal de trabalho, um compromisso imposto pela  
revolta crescente da classe trabalhadora em cada país, é produto das próprias  
contradições imanentes ao capitalismo. Assim, com o tempo, e com a normalização  
das condições de concorrência, ela teve de se generalizar:  
O modo de produção material modificado, ao qual correspondem as  
relações sociais modificadas entre os produtores, engendra, de início,  
abusos desmedidos e provocam, como reação, o controle social que  
limita, regula e uniformiza a jornada de trabalho e suas pausas. Por  
isso, durante a primeira metade do século XIX, esse controle aparece  
como mera legislação de exceção […]. A legislação foi, por isso,  
obrigada a livrar-se progressivamente de seu caráter excepcional, ou,  
onde ela é aplicada segundo a casuística romana, como na Inglaterra,  
a declarar arbitrariamente como fábrica (factory) toda e qualquer casa  
onde algum trabalho é executado (MARX, 2013, pp. 369370).  
A importância da análise da legislação fabril é provada com todas as letras:  
Somente com a lei fabril de 1833 que incluía as indústrias de  
algodão, lã, linho e seda foi instituída na indústria moderna uma  
jornada normal de trabalho. Nada caracteriza melhor o espírito do  
capital do que a história da legislação fabril inglesa de 1833 a 1864!  
(MARX, 2013, p. 350).  
Como sempre, é bom notar que Direito e política estão em reciprocidade  
complexa, e que o Direito, tanto quanto a política, é um campo provisório, isto é, não  
resolutivo. Dito de outro modo, o Direito assenta sobre certas condições de  
possibilidade, não podendo ultrapassar os limites circunscritos por determinada  
sociabilidade. Em última análise, portanto, o Direito pode ser relevante campo de  
batalha para gerir a produção material da vida, gestão essa que não consegue dar  
cabo da irresolubilidade inata da organização societária cindida em classes. Em suma,  
o Direito é sintoma de uma sociabilidade que precisa gerenciar conflitos com meios  
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inócuos para superá-los.  
De qualquer forma, somos levados a crer que o amplo desenvolvimento do  
Direito sobre a produção capitalista medeia uma série de relações imprescindíveis à  
reprodução social do valor. Ao mesmo tempo em que responde a influências de outras  
esferas do ser social, como tratamos no capítulo anterior, acaba por atuar de formas  
heterogêneas sobre a realidade concreta. Logo, o Direito pode contribuir para o  
desenvolvimento das determinações do dinheiro, por exemplo, ou pode contribuir para  
a manutenção de uma classe trabalhadora adequada à valorização do valor, tudo de  
forma heterogênea em relação à economia e de forma contingente.  
Ao falar da mudança da jornada normal de trabalho como atuação dos  
trabalhadores, por meio do Estado, sobre o estado atual de coisas da vida material  
como um importante passo rumo ao reino da liberdade, devemos relembrar que não  
cabe ao pesquisador, como falamos mais de uma vez neste trabalho, repetir conclusões  
acerca de possibilidades que existem no processo histórico mesmo por meio de seus  
sistemas doutorais. Afirma nosso autor:  
Pelo que diz respeito à limitação da jornada de trabalho, tanto na  
Inglaterra quanto em todos os outros países, ela nunca foi  
regulamentada a não ser por intervenção legislativa. E sem a  
constante pressão exterior dos operários, essa intervenção nunca se  
efetivaria. Em todo o caso, esse resultado não seria alcançado por  
acordos particulares entre os operários e os capitalistas. É a  
necessidade de uma ação política geral que demonstra claramente  
que, na luta puramente econômica, o capital é a parte mais forte  
(MARX, 2010a, p. 137).  
Note-se que o próprio desenvolvimento da lei fabril avança desigualmente, em  
reciprocidade com outros momentos, em cada local, o que demonstra o projeto  
científico instaurado por Marx. Como escreve ele:  
A França se arrasta, claudicante, atrás da Inglaterra. Foi necessária a  
Revolução de Fevereiro para trazer à luz a Lei das 12 Horas, muito  
mais defeituosa que a original inglesa. Apesar disso, o método  
revolucionário francês também mostra suas vantagens peculiares. De  
um só golpe, ele estabelece para todos os ateliês e fábricas, sem  
distinção, os mesmos limites da jornada de trabalho, ao passo que a  
legislação inglesa cede à pressão das circunstâncias, ora nesse ponto,  
ora noutro, e está no melhor caminho para se perder em meio a novos  
imbróglios jurídicos. Por outro lado, a lei francesa proclama como um  
princípio aquilo que a Inglaterra conquistou apenas em nome das  
crianças, dos menores e das mulheres, e que só recentemente foi  
reivindicado como um Direito universal (MARX, 2013, pp. 371372).  
Não poderia ser mais claro o fato de que o Direito está concretamente ligado  
às circunstâncias de cada país, como a concorrência mundial, o estágio da luta de  
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classes, a organização jurídica, se casuística e de common law ou de inspiração  
romano-germânica (civil law) etc. Não obstante, dado que a materialidade, no processo  
de objetivação do capitalismo, impunha circunstâncias mais ou menos similares na  
Europa ocidental, o desenvolvimento da legislação fabril no continente europeu pôde  
seguir o caminho inglês:  
Os governos do continente (França, Prússia, Áustria etc.) foram  
compelidos, proporcionalmente ao desenvolvimento da produção  
capitalista, e, portanto, do sistema fabril, a seguir o exemplo inglês,  
limitando o dia de trabalho d’une manière ou d’autre autre [de um  
jeito ou de outro]. Eles, em sua maior parte, com certas modificações,  
inevitavelmente copiaram a legislação da fábrica inglesa (MARX, 1988,  
p. 220, tradução livre).  
Portanto, as legislações dos governos europeus continentais puderam exercer  
efeitos semelhantes porque passavam por circunstâncias mais ou menos semelhantes,  
o que, em verdade, pôs as bases que ativaram a mediação jurídica em primeiro lugar.  
Assim, nesse ponto específico o continente europeu seguiu univocamente na  
instituição da jornada normal de trabalho, ainda que, e este é o ponto a reter, isso não  
signifique que todos os aspectos jurídicos seguiram dessa forma, muito menos de  
outros momentos, como o político. Em relação à Prússia, em particular, já nos referimos  
à existência de um corpo teórico acerca da via prussiana, com o que podemos evitar  
maiores menções ao assunto.  
Como as atuações do Estado e do Direito são complexas, é possível extrair  
determinações contraditórias do movimento concreto. Ao mesmo tempo em que o  
Direito pode ser uma reação de proteção dos trabalhadores, ainda que “sempre hostil  
a ele[s]”, pode também ser um freio racional contra os excessos da grande indústria:  
As investigações profundamente conscienciosas da Child. Empl.  
Comm. [Children’s Employment Commission] demonstram, de fato,  
que em algumas indústrias a regulamentação da jornada de trabalho  
não fez mais do que distribuir uniformemente, ao longo de todo o  
ano, a massa de trabalho já empregada; que tal regulação foi o  
primeiro freio racional aplicado aos volúveis caprichos da moda,  
homicidas, carentes de sentido e por sua própria natureza  
incompatíveis com o sistema da grande indústria; que o  
desenvolvimento da navegação transoceânica e dos meios de  
comunicação em geral suprassumiu a base propriamente técnica do  
trabalho sazonal; que todas as demais circunstâncias pretensamente  
incontroláveis são varridas pela construção de novos edifícios, pelo  
incremento de maquinaria, pelo aumento do número de trabalhadores  
simultaneamente empregados e pelo efeito retroativo que isso gera  
sobre o sistema do comércio atacadista. Entretanto, o capital, como  
ele mesmo reiteradamente declara pela boca de seus representantes,  
consente em tal revolucionamento “sob a pressão de uma lei geral  
do Parlamento” que regule coercitivamente a jornada de trabalho  
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(MARX, 2013, pp. 550551).  
O aspecto do Direito como freio racional, segundo nos parece, não recebe a  
devida atenção na literatura marxista1. Ao mesmo tempo em que demonstra  
claramente os efeitos que o Direito tem sobre a materialidade, não deixa de ser um  
momento da produção social de uma classe trabalhadora adequada à acumulação  
capitalista e da eliminação de excessos da grande indústria. Os grilhões da regulação  
legal sem dúvida foram reação necessária ao prolongamento desmedido da jornada  
de trabalho e à “voracidade de lobisomem” do capital. A partir de então, a extração  
de mais-trabalho deve deslocar sua tônica do prolongamento em termos absolutos da  
jornada de trabalho para a redução do tempo de trabalho necessário por meio do  
desenvolvimento técnico. Numa frase, é o deslocamento do papel preponderante da  
extração de mais-valor absoluto para a extração de mais-valor relativo.  
Em termos breves, há duas formas, em Marx, de produção de mais-valor. A  
primeira é o mais-valor absoluto, obtido pelo prolongamento da jornada de trabalho,  
de modo que aumenta o tempo dedicado à produção de excedente, pela intensificação  
do trabalho ou pela supressão de tempo ocioso ou pouco produtivo. A segunda é o  
mais-valor relativo, derivado da redução do tempo de trabalho necessário por meio  
do avanço técnico, de forma que o mais-trabalho passa a ocupar proporcionalmente,  
no mesmo tempo de trabalho dado, proporção maior, mediante o aumento da força  
produtiva. A consequência é a elevação da composição orgânica do capital, ou,  
expresso por outras palavras, o aumento da parcela morta ou técnica do trabalho sobre  
a parcela viva, ou capital constante sobre capital variável.  
Retomando a citação, cabe mostrar que o desenvolvimento exposto não se deu  
por uma súbita iluminação espiritual dos capitalistas, mas por uma “lei geral do  
Parlamento”, feita pela pressão da revolta crescente da classe trabalhadora. Devido a  
seu caráter de generalidade e abstração, o Direito pode se tornar o campo privilegiado  
de conflitos sociais, ainda que esta mediação se revele incapaz de extirpar os conflitos  
sociais, passando apenas a gerenciá-los.  
Ao mesmo tempo, é evidente que isto não exclui outra determinação marxiana,  
segundo a qual:  
A legislação fabril, essa primeira reação consciente e planejada da  
sociedade à configuração natural-espontânea de seu processo de  
1 A bem da verdade, há poucas exceções, até onde foi possível ao autor apreender a literatura sobre o  
tema. Não surpreende que sejam de outros estudiosos do tema do mesmo círculo, a saber, Elcemir Paço  
Cunha, José Roberto Almeida Sales Júnior e Vitor Bartoletti Sartori.  
Verinotio  
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Lucas Almeida Silva  
produção, é, como vimos, um produto tão necessário da grande  
indústria quanto o algodão, as self-actors e o telégrafo elétrico  
(ibidem, p. 551).  
O Direito desempenha seus inúmeros papéis, dentro do espectro do possível,  
simultânea e contraditoriamente, tanto de um freio racional ao impulso do capital  
quanto de elemento essencial à reprodução desse mesmo capital, ao criar e manter  
uma força de trabalho adequada a seu movimento regular. O próprio Marx sempre se  
reporta à realidade e ao desenvolvimento particular e não mecânico de cada país:  
Esses estatutos do trabalho [cuja função prática é alongar  
compulsoriamente a jornada de trabalho], que também se encontram  
ao mesmo tempo na França, nos Países Baixos etc., só foram  
formalmente abolidos em 1813, muito tempo depois que as  
mudanças nas relações de produção os haviam tornado obsoletos  
(ibidem, p. 343).  
No capitalismo, existe a tendência para o alongamento desmesurado do mais-  
valor absoluto, isto é, o alongamento absoluto da jornada de trabalho, diminuição dos  
intervalos e períodos de descanso e/ou refeições etc. Essa tendência se expressa de  
formas variadas:  
Mas a avidez do capitalista por mais-trabalho se manifesta como  
ímpeto por um prolongamento ilimitado da jornada de trabalho, ao  
passo que a do boiardo mais simplesmente como caça direta por dias  
de corveia (ibidem, p. 311).  
É tal tendência que leva à resistência, ou seja, à luta pela diminuição  
compulsória da jornada de trabalho. O Direito, considerando-se que essa diminuição  
compulsória tem de tomar a forma da limitação legal e geral da jornada normal de  
trabalho, é uma das mediações pivotais para a acumulação capitalista. Por isso a  
comparação entre as regulações legais da fase de transição do feudalismo ao  
capitalismo, que tomam a forma de alargamento da jornada de trabalho e da legislação  
sanguinária contra os trabalhadores, com as regulações do capitalismo desenvolvido,  
com sua limitação da jornada de trabalho. Segue-se que é apenas de determinado  
momento do desenvolvimento do capital que este cessa de necessitar de ajuda  
externa, noutras palavras, não lança mão de outras mediações que não suas leis  
imanentes.  
Por outro lado, tutelar legalmente uma jornada normal de trabalho generaliza  
as condições de extração de mais-valor relativo e normaliza a concorrência. Quanto a  
isto, como afirma Marx, “a igual exploração da força de trabalho é o primeiro Direito  
humano do capital” (MARX, 2013, p. 364). O trecho a seguir é explícito quanto à  
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Marx e o movimento do Direito nos textos econômicos tardios (1857-1879)  
incitação da busca por mais-valor relativo:  
Ao mesmo tempo, operou-se uma modificação no caráter do mais-  
valor relativo. Em geral, o método de produção do mais-valor relativo  
consiste em fazer com que o trabalhador, por meio do aumento da  
força produtiva do trabalho, seja capaz de produzir mais com o  
mesmo dispêndio de trabalho no mesmo tempo. O mesmo tempo de  
trabalho agrega ao produto total o mesmo valor de antes, embora  
esse valor de troca inalterado se incorpore agora em mais valores de  
uso, provocando, assim, uma queda no valor da mercadoria individual.  
Diferente, porém, é o que ocorre quando a redução forçada da jornada  
de trabalho, juntamente com o enorme impulso que ela imprime no  
desenvolvimento da força produtiva e à redução de gastos com as  
condições de produção, impõe, no mesmo período de tempo, um  
dispêndio aumentado de trabalho, uma tensão maior da força de  
trabalho, um preenchimento mais denso dos poros do tempo de  
trabalho, isto é, impõe ao trabalhador uma condensação do trabalho  
num grau que só pode ser atingido com uma jornada de trabalho mais  
curta (ibidem, p. 482).  
Sobre a revolta crescente na via clássica, é possível adicionar: “[a]ssim que a  
classe trabalhadora, inicialmente aturdida pelo ruído da produção, recobrou em  
alguma medida seus sentidos, teve início sua resistência, começando pela terra natal  
da grande indústria, a Inglaterra” (MARX, 2013, p. 350).  
Já aludimos que essa resistência generaliza as condições de extração do mais-  
valor relativo e leva o modo de produção nascente a um novo patamar. Nesse mesmo  
sentido:  
[O]s Factory Reports ingleses unanimemente demonstram duas coisas:  
1) que desde a introdução da Lei das 10 Horas (mais tarde modificada  
para 10h12) os pequenos e gradativos melhoramentos na maquinaria  
se deram numa escala maior e mais contínua do que em qualquer  
período anterior, e 2) que a velocidade e o número do maquinário que  
o trabalhador individual tem de supervisionar aumentou deveras a  
intensidade do trabalho, as demandas sobre os nervos e músculos do  
trabalhador.  
Ademais, os mesmos Reports não deixam dúvidas sobre os seguintes  
dois fatos: 1) que sem a legislação trabalhista, a limitação da jornada  
de trabalho absoluta, a grande revolução no funcionamento da  
indústria não haveria ocorrido, posto que implementada pelo limite  
externo fixado pela legislação à exploração do trabalhador; 2) que o  
experimento não seria possível, isto é, não seria possível tão  
bruscamente com um resultado tão favorável, sem o alto nível de  
desenvolvimento tecnológico já alcançado e os meios de assistência  
dados pelo nível da produção capitalista adquiridos em geral (MARX,  
1982, pp. 19071908, tradução livre).  
O Direito, ao instituir uma jornada normal de trabalho, acaba por, em virtude  
da concorrência, normalizar a extração de mais-valor relativo. Outro efeito da regulação  
jurídica é o aumento dos custos de produção pois aumenta o valor da força de  
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trabalho com seus direitos trabalhistas. Assim, os pequenos produtores são  
destituídos pelo aumento dos custos de produção. A consequência é a concentração  
de capitais, uma vez que os pequenos produtores, como as oficinas menores, passam  
a ter uma margem de lucro agudamente reduzida:  
Se a lei fabril, por meio de todas as suas medidas coercitivas, acelera  
indiretamente a transformação das oficinas menores em fábricas,  
interferindo, assim, indiretamente no Direito de propriedade dos  
capitalistas menores e garantindo o monopólio aos grandes, a  
imposição legal do volume de ar necessário para cada trabalhador na  
oficina expropriaria diretamente, de um só golpe, milhares de  
pequenos capitalistas! Ela atingiria a raiz do modo de produção  
capitalista, isto é, a autovalorização do capital, seja grande ou  
pequeno, por meio da “livre” compra e consumo da força de trabalho  
(MARX, 2013, pp. 552553).  
Esse efeito material do Direito pode levar a enormes mudanças, como o declínio  
das condições materiais de vida, a concentração de capitais, o rebaixamento dos  
salários etc. No caso específico da Inglaterra, a instituição de uma jornada normal de  
trabalho e a subsequente busca por mais-valor relativo, o que implica trabalho mais  
intenso, em vez de extenso, como na busca por mais-valor absoluto, conviveu com um  
aumento do valor socialmente produzido e mesmo com o aumento de salários:  
Esta é a razão pela qual, com a introdução da Lei das dez horas, não  
houve apenas um crescimento na produtividade dos ramos da  
indústria inglesa em que foi introduzida, mas também um aumento,  
em vez de uma queda, na quantidade de valor que produziram, e  
mesmo em salários (MARX, 1991, p. 383).  
No mesmo sentido, e mais explicitamente:  
Os Factory Reports mostram que, nos ramos da indústria que foram  
cobertos (até abril de 1860) pela lei fabril e em que, portanto, a  
semana de trabalho foi reduzida por lei a 60 horas, os salários não  
caíram (comparando 1859 com 1839), mas antes aumentaram,  
enquanto eles caíram positivamente durante este período em fábricas  
onde “o trabalho de crianças, jovens e mulheres” ainda era “sem  
restrições” […].  
O fenômeno de que a Lei das dez horas não tenha reduzido os lucros  
dos fabricantes ingleses, apesar do encurtamento do dia útil, é  
explicado por dois motivos:  
1) A hora de trabalho inglesa está acima da continental, relacionando-  
se a ela como trabalho mais complexo em relação a trabalho simples.  
(Daí a relação do fabricante inglês com o estrangeiro é a mesma que  
a relação de um fabricante que introduziu novo maquinário com seu  
competidor) […].  
2) O que se perde através da redução do tempo de trabalho absoluto  
é obtido na condensação do tempo de trabalho, de modo que, de fato,  
1 hora de trabalho é agora igual a 65 ou mais horas de trabalho  
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Marx e o movimento do Direito nos textos econômicos tardios (1857-1879)  
(MARX, 1988, pp. 337338, tradução livre).  
Os efeitos materiais da lei das dez horas (e meia) aparecem elencados ainda a  
seguir:  
Todos conhecem a Lei das dez horas, ou antes, a Lei das dez horas e  
meia, em vigor desde 1848. Foi uma das maiores mudanças  
econômicas que testemunhamos. Foi uma alta súbita e compulsiva de  
salários, não apenas a alguns negócios locais, mas aos principais  
ramos da indústria, pelos quais a Inglaterra domina os mercados do  
mundo […]. Bem, qual foi o resultado [desta lei]? Um aumento dos  
salários em dinheiro dos operários das indústrias, apesar da  
diminuição da jornada de trabalho, um grande aumento no número de  
operários ocupados nas indústrias, uma queda constante nos preços  
dos seus produtos, um maravilhoso desenvolvimento nas forças  
produtivas do seu trabalho, uma extraordinária expansão progressiva  
dos mercados para suas mercadorias (MARX, 2010a, pp. 8182).  
Consideradas as citações imediatamente acima, é preciso concluir que os efeitos  
materiais da legislação fabril, a qual instituiu a jornada normal de trabalho de dez  
horas (e meia), necessitaram da produção material mais desenvolvida da Inglaterra, de  
modo que o trabalho social inglês era mais complexo que seu correspondente  
continental. Deve-se igualmente concluir que a busca generalizada pelo mais-valor  
relativo era uma possibilidade historicamente aberta pelo desenvolvimento anterior,  
que, por sua vez, leva o modo de produção capitalista a um novo patamar de  
acumulação, dado o rápido avanço das forças produtivas. Essa possibilidade histórica,  
porém, não necessariamente se encontra aberta em outras vias de objetivação do  
capitalismo, e, portanto, legislações similares em conteúdo podem ter efeitos materiais  
significativamente distintos.  
É curioso notar que essa legislação que regula a jornada normal de trabalho e  
aumenta os salários é um momento posterior àquelas que os rebaixam forçosamente:  
[…] a partir de Henrique VII (quando começa simultaneamente a  
limpeza da terra das bocas supérfluas mediante a transformação da  
lavoura em pastagens, o que perdura por mais de 150 anos, pelo  
menos as reclamações e a interferência legislativa; portanto, crescia o  
número das mãos colocadas à disposição da indústria), o salário na  
indústria não era mais fixado, mas só na agricultura […]. Com o  
trabalho livre, ainda não está plenamente posto o trabalho  
assalariado. Os trabalhadores ainda encontram apoio nas relações  
feudais; sua oferta ainda é muito pequena; por isso, o capital ainda é  
incapaz de, como capital, reduzir o salário ao mínimo. Daí as  
determinações estatutárias do salário. Enquanto o salário ainda é  
regulado por meio de estatutos, não se pode dizer nem que o capital  
como capital subsumiu a produção a si mesmo, nem que o trabalho  
assalariado recebeu o seu modo de existência adequado […].  
Em 1514, o salário é outra vez regulamentado, quase da mesma forma  
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como da vez anterior. O horário de trabalho é também outra vez  
fixado. Quem não quisesse trabalhar quando requisitado era preso.  
Portanto, ainda trabalho forçado dos trabalhadores livres por um  
salário determinado. Eles primeiro têm de ser forçados a trabalhar nas  
condições postas pelo capital. O sem-propriedade está mais inclinado  
a tornar-se vagabundo, ladrão e mendigo do que trabalhador. Isso só  
fica evidente no modo de produção desenvolvido do capital. No  
estágio preliminar do capital, coerção do Estado para converter os  
sem-propriedade em trabalhadores em condições favoráveis ao  
capital, que aqui ainda não são impostas aos trabalhadores por meio  
da concorrência dos trabalhadores entre si (MARX, 2011, pp. 615-  
616).  
Acerca do primeiro Statute of Labourer [Estatuto dos Trabalhadores], de 1349,  
Marx afirma que “[s]alários razoáveis foram, assim, fixados compulsoriamente por lei,  
assim como os limites da jornada de trabalho” (MARX, 2013, p. 344).  
Aludimos acima que a legislação foi instrumental para a transição da produção  
manufatureira à fabril. O trecho abaixo é explícito quanto a isso:  
Essa revolução industrial, que transcorre de modo natural-  
espontâneo, é artificialmente acelerada pela expansão das leis fabris  
a todos os ramos da indústria em que trabalhem mulheres,  
adolescentes e crianças. A regulamentação compulsória da jornada de  
trabalho em relação a sua duração, pausas, início e término, o sistema  
de revezamento para crianças, a exclusão de toda criança abaixo de  
certa idade etc. exigem, por um lado, o incremento da maquinaria e a  
substituição de músculos pelo vapor como força motriz. Por outro,  
para ganhar em espaço o que se perde em tempo, tem-se a ampliação  
dos meios de produção utilizados em comum: os fornos, os edifícios  
etc., portanto, em suma, uma maior concentração dos meios de  
produção e, por conseguinte, uma maior aglomeração de  
trabalhadores […].  
Mas se, desse modo, a lei fabril acelera artificialmente a maturação  
dos elementos materiais necessários à transformação da produção  
manufatureira em fabril, ela ao mesmo tempo acelera, em virtude da  
necessidade de um dispêndio aumentado de capital, a ruína dos  
pequenos mestres e a concentração do capital (MARX, 2013, pp.  
545548).  
É o Direito sendo importante mediação para levar a materialidade a um patamar  
superior, como já havia conseguido antes, ao possibilitar a acumulação capitalista com  
o Direito terrorista, e como, a contrario sensu, a impedia, ou pelo menos obstava, com  
sua legislação feudal.  
Soma-se a isso o desenvolvimento de Marx, por exemplo, de que a Liga Contra  
a Lei dos Cereais inglesa girava em torno da necessidade de uma aliança entre  
capitalistas industriais e a classe trabalhadora contra a aristocracia, que encontrou na  
legislação aduaneira seu campo de batalha. Marx o cita no contexto da decadência  
científica da burguesia em economia vulgar:  
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Marx e o movimento do Direito nos textos econômicos tardios (1857-1879)  
De qualquer forma, mesmo os importunos opúsculos lançados aos  
quatro ventos pela Anti-Corn Law League [Liga Contra a Lei dos  
Cereais], tendo à frente os fabricantes Cobden e Bright, ainda  
possuíam um interesse, se não científico, ao menos histórico, por sua  
polêmica contra a aristocracia fundiária (MARX, 2013, p. 86).  
Sobre o movimento contra a legislação dos cereais, escreve:  
Eram os mesmos melífluos livre-cambistas [que se opunham à Lei das  
10 Horas], exalando amor à humanidade, que por 10 anos inteiros,  
durante a anti-corn law agitation [movimento contra a lei dos cereais],  
haviam assegurado aos trabalhadores, calculando até o último tostão,  
que com a livre importação de cereais e com os meios da indústria  
inglesa apenas 10 horas de trabalho seriam suficientes para  
enriquecer os capitalistas (MARX, 2013, p. 363).  
Há prova mais cabal de que o Direito tem enormes efeitos sobre a materialidade  
e sobre o momento da acumulação capitalista? E que é importante lançar mão de  
análises de realidade para apreender o complexo movimento da realidade, seja na  
criação, rearticulação ou revogação de um Direito? No caso específico sob análise, a  
lei dos cereais elevava o valor da força de trabalho, além da luta contra a aristocracia  
fundiária.  
No contexto da luta em torno da Lei dos Cereais, havia determinado estágio da  
produção da vida material dos homens que tornava desejável a supressão de  
determinado Direito, eminentemente aduaneiro e tributário, que emperrava uma  
acumulação superior do capital. Os setores interessados na derrubada deste Direito  
lograram revogá-lo, e este êxito mudou a vida material.  
Em suma, temos demonstrado neste trabalho como o Direito, em reciprocidade  
complexa com outros momentos, pode assumir, o que jamais deve ser atribuído a uma  
determinação conceitual e puramente formal, formas mais violentas, e depois pode  
deixar a violência latente. A legislação sanguinária pela compulsão do trabalho, que  
leva a uma nova etapa de acumulação econômica, não é senão a expressão jurídica  
deste movimento. Assim que a própria compulsão econômica consegue funcionar  
espontaneamente, sem a ajuda de necessidades externas, a legislação correspondente  
se torna supérflua e pode ser revogada.  
Em seu conjunto, esses itens devem demonstrar a determinação material do  
Direito nos textos econômicos marxianos. Como vimos, a separação do movimento  
nestes capítulos não deve impedir a compreensão abrangente de todos estes  
momentos em reciprocidade. A seguir retomamos todo o desenvolvido e concluímos  
a exposição.  
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Conclusão  
Exposta a argumentação fundamental de nosso trabalho, devemos retomar as  
teses centrais da investigação. Muito do que exploramos neste trabalho corresponde  
ao desenvolvimento marxiano referente à via clássica de objetivação do capitalismo, a  
expressão mais completa ao tempo de Marx, o movimento mais desenvolvido  
transposto para a intelecção por meio de abstrações.  
Em suma, toda a exposição anterior culmina no que podemos sumarizar  
simplificadamente a seguir. A tendência geral do movimento do Direito na via clássica  
aponta para dois grandes momentos, cada um com duas divisões ou traços principais.  
No primeiro momento de objetivação do modo de produção capitalista, o  
Direito feudal inglês emperrava a acumulação capitalista nascente. Tal Direito devia  
ser repelido para que a objetivação pudesse se desenrolar, compreendendo, portanto,  
o sentido geral da assim chamada acumulação primitiva, cujo ponto central é a  
separação dos trabalhadores das condições objetivas do trabalho e sua subsequente  
ruína em força de trabalho assalariada. Esse processo tomou a forma da expulsão da  
população campesina, do cercamento das áreas tradicionalmente comuns etc.  
Esse primeiro momento, assim, guarda dois traços principais em relação ao  
Direito. De um lado, são repelidas as legislações referentes à aprendizagem,  
suprimem-se as guildas, enfim, revoga-se toda a legislação feudal, que agora é um  
empecilho à produção material. Por outro lado, coloca-se um novo Direito sanguinário  
para viabilizar o modo de produção nascente, um movimento em virtude do qual cria-  
se uma classe trabalhadora adequada à produção moderna, submetida ao  
assalariamento e livre como pássaros.  
Os dois traços desse momento são, enfim, o fim do Direito feudal e a instituição  
de um Direito da assim chamada acumulação primitiva, se nos for permitida a  
expressão. Demonstramos que a burguesia ascendente lança mão de um Direito mais  
apropriado ao mundo que cria em sua imagem e semelhança, e, portanto, rearticula-  
se o Direito romano sobre a base da produção moderna.  
No segundo momento, com o amadurecimento do modo de produção  
capitalista, um novo Direito deve surgir para a compulsão ao trabalho e a máxima  
extração do mais-trabalho e simultaneamente para a autoproteção da classe  
trabalhadora. Esse, porém, é um momento da produção social de uma força de trabalho  
adequada à acumulação, de tal modo que a legislação capitalista, como desenvolvido,  
é simultaneamente hostil ao trabalhador e freio racional à rapacidade cega do capital.  
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Marx e o movimento do Direito nos textos econômicos tardios (1857-1879)  
Esse novo Direito prescinde da violência explícita, uma vez que o trabalhador pode  
ser deixado às leis imanentes da produção.  
Com o desenvolvimento das leis internas do modo de produção capitalista, toda  
a legislação anterior caduca e pode ser revogada ou ignorada. Os salários passam a  
ser regulados pelo valor da força de trabalho em questão, e não mais por uma  
mediação jurídica. A categoria econômica desenvolvida, que é um resultado histórico,  
agora renuncia à mediação jurídica que viabilizou seu desenvolvimento em estágios  
imaturos.  
Ao mesmo tempo, esse novo Direito social, incorporado na legislação fabril,  
generaliza as condições de extração de mais-valor relativo, desembocando num  
patamar superior de acumulação, porque se funda primordialmente no aumento de  
produtividade, tendendo a busca por mais-valor a se centrar no relativo, não apenas  
no absoluto, ainda que o impulso primordial do capital seja extrair mais-valor na forma  
em que puder. O trabalho inglês torna-se mais produtivo e sua hora de trabalho produz  
mais valor do que sua correspondente continental, de modo que este capitalismo  
maduro inglês teve as condições de passar de sua adolescência violenta a uma  
maturidade comparativamente serena, em que o aumento da produtividade toma o  
lugar da rapacidade pelo mais-valor absoluto, que, no limite, transformaria o sangue  
de crianças em capital.  
Esse segundo momento, enfim, guarda dois traços principais: a criação do  
moderno Direito social, ou Direito trabalhista, e o início de um novo patamar da  
acumulação capitalista, agora fundada na igualdade de concorrência e na extração  
facilitada de mais-valor relativo. Juntos, esses dois momentos são a determinação  
material do Direito na via clássica.  
Aludimos às legalidades mais gerais do movimento concreto. O Direito  
pressupõe relações materiais que lhe assentam condições de possibilidade, sobre elas  
agindo de forma não mecânica. Essa reciprocidade complexa leva a toda sorte de  
contradições, com que os homens concretos devem lidar.  
Aí jaz talvez o pequeno valor que este artigo pode ter: contribuir para o acervo  
da crítica ao Direito no Brasil. Se a realidade é sempre mutante, a reprodução ideal do  
movimento real está sempre a persegui-la, de tal forma que Marx não pode esgotar  
todo o movimento histórico. O Direito, em suma, também não pode se resumir a um  
conceito marxiano nem incumbe a Marx fazer qualquer conceito de semelhante  
natureza.  
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Como citar:  
SILVA, Lucas Almeida. Marx e o movimento do Direito nos textos econômicos tardios  
(1857-1879). Verinotio, Rio das Ostras, v. 29, n. 1, pp. 238-266; jan.-jun., 2024  
Verinotio  
266 |  
ISSN 1981 - 061X v. 29, n. 1, pp. 238-266 jan.-jun., 2024  
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