Nayara Rodrigues Medrado
Já nos períodos “desfavoráveis para o comércio”, “de recuo comercial, em que
a produção excede largamente o consumo e apenas com esforço a metade dos
trabalhadores pode ser empregada, com metade dos salários”, as casas de trabalho
administrariam esses trabalhadores excedentes, no sentido de transformá-los, “pela
punição nestes piedosos estabelecimentos, em máquina sem vontade, sem resistência,
sem exigências, sem necessidades” (MARX, 2020, p. 363). Em momentos de recessão,
portanto, marcados pela centralização de capitais e pela agudização do desemprego
e da pauperização, com muitos trabalhadores sendo lançados às fileiras do exército
industrial de reserva, as workhouses concorreriam para neutralizar formas de
insubmissão, organizadas ou não, aos capitalistas.
É nítida, pois, a continuidade entre os textos de 1844 e de 1848, embora o
primeiro seja recorrentemente tido como de um jovem Marx e o segundo de um Marx
maduro, segundo a tradição que defende um corte epistemológico na obra do autor.
De qualquer modo, aqui, já com mais algum acúmulo em termos de crítica à economia
política, Marx, que já havia conectado a repressão criminalizante das workhouses com
o desenvolvimento da indústria, consegue perceber com maior nitidez essas conexões.
Aderir a essa “medida negativa”, mais do que uma vingança burguesa contra o pauper
ou uma forma de dissuadi-lo a buscar abrigo no Estado, funda-se, também, em razões
“muito práticas, inteiramente calculáveis”: atender às demandas das indústrias
nascentes por força de trabalho, seja a partir da formação de um exército industrial de
reserva para os períodos favoráveis, seja pela transformação desse pauper, agora
candidato a trabalhador fabril, em “máquina sem vontade, sem resistência, sem
exigências, sem necessidades”. Perceba-se, no entanto, que essa dimensão de
vingança permanece – afinal, em um regime de exploração da força de trabalho, ser
inexplorável apenas pode ser representar o maior dos crimes:
Para tornar perfeitamente claro a grandeza de seu crime, um crime
que consiste em, no lugar de ser material produtivo e lucrativo para a
burguesia, como no curso normal da vida, ter se transformado antes
em custo para seu usufrutuário nato, do mesmo modo que os tonéis
oscilações menores de períodos de vitalidade média, produção a todo vapor, crise e estagnação,
repousa sobre a formação constante, sobre a maior ou menor absorção e sobre a reconstituição do
exército industrial de reserva ou superpopulação. Por sua vez, as oscilações do ciclo industrial conduzem
ao recrutamento da superpopulação e, com isso, convertem-se num dos mais enérgicos agentes de sua
reprodução” (MARX, 2017, p. 708). Por superpopulação relativa, Marx está designando “uma população
trabalhadora adicional relativamente excedente, isto é, excessiva para as necessidades médias de
valorização do capital e, portanto, supérflua” produzida constantemente pela acumulação capitalista,
“na proporção de sua energia e volume” (MARX, 2017, p. 705). O termo “exército industrial de reserva”
parece designar o mesmo, especificamente no contexto da Grande Indústria.
Verinotio
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ISSN 1981 - 061X v. 29, n. 1, pp. 305-335 – jan.-jun., 2024
nova fase