Vinícius Casalino
encontraríamos uma estrutura categorial homóloga.
Esta estrutura pode ser remetida, com os cuidados metodológicos
necessários13, à obra de juventude, reformulada, entretanto, à luz das enormes
conquistas teóricas obtidas no campo da economia política, alcançadas pelo filósofo
alemão a partir de 1847, quando seu pensamento adquire ares definitivamente
Assim, em O capital, os indivíduos burgueses, egoísta natos; aqueles que vivem
da produção e comercialização de bens e serviços visando ao lucro, cujo modo de
sociabilidade é o direito e não o privilégio feudal, ressurgem na primeira seção do
Livro I, no primeiro nível de abstração categorial utilizado por Marx, como possuidores
de mercadorias, isto é, indivíduos que, a partir do trabalho próprio, criam valores de
uso que devem ser levados ao mercado para realizarem seus valores de troca, isto é,
para serem trocados. No famoso parágrafo inicial do capítulo 02, Marx observa:
As mercadorias não podem ir por si mesmas ao mercado e trocar-se
umas pelas outras. Temos, portanto, de nos voltar para seus
guardiões, os possuidores de mercadorias. Elas são coisas e, por isso,
não podem impor resistência ao homem. Se não se mostram solícitas,
ele pode recorrer à violência; em outras palavras, pode tomá-las à
força. Para relacionar essas coisas umas com as outras como
mercadorias, seus guardiões têm que estabelecer relações uns com os
outros como pessoas cuja vontade reside nessas coisas e agir de
modo tal que um só pode se apropriar da mercadoria alheia e alienar
a sua própria mercadoria em concordância com a vontade do outro,
portanto, por meio de um ato de vontade comum a ambos. Eles têm,
portanto, de se reconhecer mutuamente como proprietários privados.
Essa relação jurídica, cuja forma é o contrato, seja ela legalmente
desenvolvida ou não, é uma relação volitiva, na qual se reflete a
relação econômica. O conteúdo dessa relação jurídica ou volitiva é
dado pela própria relação econômica. Aqui, as pessoas existem umas
para as outras apenas como representantes da mercadoria e, por
conseguinte, como possuidoras de mercadorias. Na sequência de
nosso desenvolvimento veremos que as máscaras econômicas das
pessoas não passam de personificações das relações econômicas,
como suporte das quais elas se defrontam umas com as outras (MARX,
2013, pp. 159-160; 1962, pp. 99-100).
13
Em razão dos limites deste trabalho, a demonstração metodológica da viabilidade e necessidade
desta passagem não pode ser efetuada. De qualquer maneira, registre-se, desde logo, a seguinte
observação de Reichelt: “A exposição exata desta ideia é O capital, como ainda veremos. O que Marx
tem em vista aqui, ele caracteriza mais tarde, no Rascunho de O capital, como ‘capital existente para si’,
e em O capital como personificação de categorias econômicas. Em Sobre a questão judaica, ao contrário,
isso não passa de um indício, que, como indício, no entanto, só pode ser decifrado sobre o pano de
fundo da obra tardia” (REICHELT, 2013, p. 34).
14
Nas palavras do próprio Marx, escritas no famoso prefácio à Contribuição à crítica da economia
política: “Os pontos decisivos das nossas concepções foram cientificamente esboçados pela primeira
vez, ainda que de forma polêmica, no meu texto contra Proudhon publicado em 1847: Miséria da
filosofia etc.” (MARX, 2003, p. 07, grifo meu).
Verinotio
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ISSN 1981 - 061X v. 29, n. 1, pp. 336-366 – jan.-jun., 2024
nova fase