DOI 10.36638/1981-061X.2024.29.1.713  
Crítica da ideia de justiça em Marx a partir das  
Glosas marginais ao Programa de Gotha  
Critique of the idea of justice in Marx based on the  
Marginal glosses to the Gotha Program  
Arthur Bastos Rodrigues*  
Resumo: Este artigo faz uma análise bibliográfica  
crítica sobre a ideia de justiça em Marx, a partir  
das considerações marxianas ao Programa de  
Gotha de 1875, procurando identificar os  
fundamentos apresentados pelos autores (as) na  
demarcação da questão central, tendo como  
parâmetro de análise as considerações de Marx  
e Engels na crítica do direto e da justiça.  
Abstract: This paper conducts  
a
critical  
bibliographic analysis of the notion of justice in  
Marx, focusing on the author's considerations  
regarding the 1875 Gotha Program. The aim is  
to identify the foundations presented by the  
authors in outlining the central issue, using as a  
parameter the reflections of Marx and Engels in  
the critique of law and justice.  
Palavras-chave: programa de Gotha; Marx;  
Justiça; Direito.  
Keywords: Gotha Program; Marx; Justice; Law.  
I Introdução  
A ideia de justiça nos apresenta cotidianamente como um assédio da  
moralidade que complementa o direito, muitas vezes, no ímpeto voluntarista e crítico  
daquilo que se denuncia como injusto, de modo que, comumente como denúncia de  
injustiça social, em busca de reconhecimento e redistribuição, que a filosofia e a teoria  
do direito amplamente desenvolveram. E com a denúncia da injustiça da chamada  
questão social”, denunciar como “injusto” até o próprio sistema capitalista.  
A questão geral aqui colocada sobre a fraseologia do justo e do injusto,  
incrustrada na dinâmica de generalização da vida cotidiana, é como a relação estreita  
entre direito e justiça, na perspectiva marxista, apresenta-se ligada ao desenvolvimento  
do modo de produção da sociedade civil-burguesa.  
Trata-se de uma pesquisa teórico-bibliográfica sobre o problema da justiça em  
Marx e no marxismo, em que se debate de forma delimitada parte da bibliografia em  
periódicos nacionais que trata, direta ou indiretamente, da ideia de justiça a partir do  
autor alemão. Tendo em vista que determinadas passagens das Glosas Marginais  
* Professor Adjunto DCJ/UFPB. Doutor em Ciências Jurídicas e Sociais UFF. arthurbr_1@hotmail.com.  
Verinotio  
ISSN 1981 - 061X v. 29 n. 1 jan.-jun., 2024  
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Arthur Bastos Rodrigues  
Críticas do Programa de Gotha (2012) apareceram de modo preponderante nos textos  
encontrados, em que há uma valorização positiva da ideia de justiça, procurou-se  
balizar o debate, especialmente, a partir dessas considerações críticas de Marx sobre  
o direito e, consequentemente, a justiça.  
Apresenta-se, inicialmente, elementos que indicam a posição determinada de  
Marx e Engels como críticos do direito e da justiça, com os debates do direito como  
ideologia e a preponderância da esfera produtiva. Adiante, apresenta-se a  
sistematização crítica dos textos acadêmicos encontrados em bancos de dados  
bibliográficos digitais1, publicados no período mais recente em periódicos nacionais  
no Brasil.  
A maior parte dos textos aponta direta ou indiretamente uma ideia de justiça  
em Marx, ou mesmo uma teoria marxista da justiça. Nestes trabalhos é recorrente a  
fundamentação a partir da afirmação de Marx (2012), na Crítica ao Programa de Gotha,  
de que na “fase superior do comunismo [...] [valeria a bandeira] de cada um segundo  
as suas capacidades, para cada um segundo as suas necessidades”  
A discussão é pertinente, tendo em vista que, nas últimas décadas,  
especialmente após o fim da União Soviética, o debate em torno de temas como  
“justiça” e “moral”, com grande influência do liberalismo igualitarista, ganharam muita  
centralidade, também, entre os marxistas e a esquerda em geral. Nesse sentido é  
bastante recorrente uma posição da esquerda contemporânea no enfrentamento da  
“questão social” majoritariamente ligada à uma “luta pela justiça” e “por direitos”, que  
se aproximaria em alguma medida do caráter estatista do Programa de Gotha, criticado  
por Marx (2012) e Engels.  
De modo que, o tema da “justiça”, especialmente da “justiça social”, é muito  
presente no discurso da esquerda com interpretações da realidade excessivamente  
incrustradas no terreno do Direito, o que impossibilitaria avanços reais na  
transformação efetiva do modo de produzir a vida em sociedade.  
II Crítica do direito e da justiça em Marx e Engels  
A obra de Marx e Engels, apesar de particularidades significativas em cada,  
relaciona a ideia de justiça às esferas da circulação e da distribuição de mercadorias,  
1 Realizada em janeiro e fevereiro de 2023, a bibliografia foi selecionada a partir dos indexadores “Marx  
justiça”; “Marx justo”; “Marx teoria da Justiça”; “Gotha justiça”; “marxismo justiça”; “marxista justiça”,  
utilizados nas plataformas Scielo Brasil e Google Acadêmico, e dos objetivos traçados.  
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Crítica da ideia de justiça em Marx a partir das Glosas marginais ao Programa de Gotha  
isto é, só faz sentido falar de justiça enquanto reflexo, com múltiplas reciprocidades,  
da esfera da produção, tendo em vista o caráter superestrutural do direito e da justiça.  
Afirma Marx, neste sentido, a ideia de “justiça das transações”, contra a  
ideia de uma “justiça natural”, de modo que não teria razão a denúncia de injustiça  
contra o modo de produção capitalista, pois a justiça, como o direito, é um parâmetro  
próprio deste:  
Não faz sentido falar aqui de justiça natural [...] A justiça das  
transações que se realizam entre os agentes da produção repousa no  
fato de que essas transações derivam das relações de produção como  
uma consequência natural. As formas jurídicas, nas quais essas  
transações econômicas aparecem como atos de vontade dos  
envolvidos, como exteriorizações de sua vontade comum e como  
contratos cuja execução pode ser imposta às partes contratantes pelo  
Estado, não podem determinar, como meras formas que são, esse  
conteúdo. Elas podem apenas expressá-lo. Quando corresponde ao  
modo de produção, quando lhe é adequado, esse conteúdo é justo;  
quando o contradiz, é injusto. A escravidão, sobre a base do modo de  
produção capitalista, é injusta, assim como a fraude em relação à  
qualidade da mercadoria (Marx, 2017, p. 333)  
O direito para Marx integra a “colossal superestrutura” (Marx, 2009, p. 47-8),  
enquanto formas superestruturais ideológicas, sendo que “são as relações jurídicas  
que derivam das relações econômicas” (Marx, 2012). A definição do direito como  
ideologia na perspectiva marxiana, guarda a prioridade ontológica, ou seja, a  
preponderância da base econômica, de maneira que mesmo as categorias e abstrações  
mais universais, são, também, produtos da prática concreta efetiva das relações  
históricas.  
Sendo que o  
modo de produção da vida material condiciona o processo geral de  
vida social, político e espiritual. Não é a consciência dos homens que  
determina o seu ser, mas, ao contrário, é o seu ser social que  
determina a sua consciência [...] é preciso explicar essa consciência a  
partir das contradições da vida material, a partir do conflito existente  
entre as forças produtivas sociais e as relações de produção [...] [e a]  
transformação que se produziu na base econômica transforma mais  
ou menos lenta ou rapidamente toda a colossal superestrutura.  
Quando se consideram tais transformações, convém distinguir sempre  
a transformação material das condições econômicas de produção [...]  
e as formas jurídicas, políticas, religiosas, artísticas ou filosóficas, em  
resumo, as formas ideológicas sob as quais os homens adquirem  
consciência desse conflito e o levam até o fim (Marx, 2009, p. 47-  
48)2  
2
Sobre o final desta passagem, comenta Sartori (2019, p. 184-5) que o problema não é o uso da  
fraseologia de justiça, mas a sua “valorização exacerbada”: “Assim, não é indiferente, dentro dos limites  
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Nota-se que a produção social é o momento preponderante, de modo que é  
determinante na crítica marxiana à “justiça das transações” (2017) e à “justiça  
distributiva” (2012) o problema da autonomização da esfera da distribuição com a,  
consequente, naturalização da esfera produtiva. Desta forma, não seria possível tratar  
da justiça sem levar em conta as considerações críticas de Marx ao direito, criando  
uma diferenciação autonomista entre os dois termos3.  
A posição equivocada que coloca o direito, o Estado e a justiça enquanto  
autodeterminantes do seu conteúdo, realiza uma inversão da realidade, como já  
criticado por Marx (2013) na crítica à filosofia do direito de Hegel, demonstrando  
continuidades determinantes em sua obra. Deste modo, assim como o Direito, cabe  
tratar a justiça como ideologia4, isto é, como fatores da superestrutura ideológica,  
enquanto “reconhecimento oficial do fato”.  
Conforme destacado por Karl Marx (1985), no texto contra Proudhon, a  
determinação do direito como ideologia passa obrigatoriamente pela sua função  
enquanto “reconhecimento oficial”, isto é, posterior dos fatos. De modo que, o alemão  
conclui sobre o direito: “a legislação, tanto política como civil, apenas enuncia,  
verbaliza as exigências das relações econômicas.” (ibid., p. 83) e, de forma mais clara,  
“o direito não é mais que o reconhecimento oficial do fato” (ibid., p. 86).  
Ao criticar a noção de Proudhon de “equalização do trabalho”, que seria  
expressão de uma “justiça eterna”, Marx adverte que “esta equalização do trabalho  
não é obra da justiça eterna do Sr. Proudhon; é simplesmente o fato da indústria  
moderna” (Marx, 1985). Para Marx, a “equalização”, que seria uma forma de  
“distribuição” ou “transação”, é fruto do modo de produção moderno, isto é, “da  
indústria moderna” e do trabalho assalariado, não cabendo aqui uma valorização  
do modo de produção capitalista, se algo é visto como “injusto”, “antijurídico”, ou contrário a qualquer  
espécie de “razão de Estado”. Ou seja, a questão da “justiça” ou da “injustiça”, de certo modo, pode ter  
importância na tomada de consciência acerca da existência mesma de determinados conflitos sociais”  
(Sartori, 2017a, p. 333). Contudo, “[p]or mais que, por meio de uma vontade embebida de uma crítica  
ao presente as “injustiças” possam ser denunciadas de modo vigoroso, tal crítica estaria muito mais  
ligada à denúncia (legítima, porém, não suficiente) de determinada ordem social do que a uma posição  
que real e efetivamente se colocasse contra esta ordem e contra o modo concreto pelo qual ela  
realmente opera” (Sartori, 2017a, p. 336-7).  
3 Afirma Sartori (2017a, p. 330) que “neste sentido, falar de “justiça” e de uma “distribuição justa” seria  
uma espécie de “fraseologia” já que, ao fazê-lo, deixar-se-ia de lado justamente os “agentes da  
produção” enquanto conformadores das determinações do conteúdo que seria trazido à esfera da  
distribuição e da circulação.”  
4 Apontamentos sobre direito como ideologia na crítica marxista do direito, especialmente, com Lukács,  
pode ser encontrado em Rodrigues (2022).  
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autonomizante da ideia de “justiça eterna” ou “equidade”5.  
Na crítica de Engels (2016, p. 67-8; 135) à ideia de “sistemas” de Duhring e,  
também, na crítica à Menger (Engels; Kautsky, 2012)6 é bastante destacado o problema  
do apelo moral na valorização da ideia de Estado, e de justiça. Tratando-se, pois, de  
uma pretensão idealista, de constelação fechada de ideias e concepções, com  
afirmações “falsas ou tortas” tentativa que, também, “se deu na ciência jurídica”. Sendo  
que neste sistema fechado as “concepções duhringuianas referentes à moral e à justiça  
para todos os mundos [...] [e] todos os tempos [...] uma verdade definitiva de última  
instância” (ibid., p. 135). Sendo que a crítica à moral e à justiça, enquanto verdade  
definitiva, é bastante decisiva no autor.  
Engels (2016, p. 148-9), nesse sentido, alerta que não é possível “jogar a  
realidade histórica pela porta afora que ela retorna pela janela”, de modo que as  
“noções morais e jurídicas como expressão – positiva ou negativa, afirmativa ou  
polêmica [são] correspondente[s], em maior ou menor [grau], às relações sociais e  
políticas nas quais [se] vive”. Tratar de justiça, portanto, mesmo como um ímpeto crítico  
à realidade de exploração e miséria da sociedade civil-burguesa, significa fazê-lo com  
um apelo moralista7.  
Sartori (2017b) aponta que Marx e Engels se colocam durante toda as suas  
trajetórias como críticos decididos das noções de justiça, de direito e, também, da  
moralidade.  
Com essa perspectiva, cabe analisar criticamente as noções abstratas de justiça  
no marxismo quando apresentadas separadas da noção de direito e, especialmente,  
da esfera produtiva. Procura-se uma análise da obra marxiana tomada como um todo,  
sem análises parciais ou de rupturas.  
5
Comenta Sartori (2017a, p. 340) que “O apelo à “justiça das transações”, pelo que diz Marx, assim,  
parte de premissas insustentáveis. Buscando uma forma de “justiça” que se oponha à conformação real  
e efetiva das relações econômicas, vem-se a buscar o impossível, e de modo bastante ilusório. Procura-  
se, assim, trazer a “justiça” como substância, ao se apoiar em uma inversão inaceitável que se apresenta  
quando se acredita que “simples formas” são uma potência real e efetiva diante do conteúdo  
socioeconômico, fazendo muito mais do que expressar este conteúdo”  
6
Afirmam os autores que Marx não tinha como central as “reivindicações jurídicas”: “Tentamos por  
todos os meios fazer com que esse obstinado jurista [Menger] compreendesse que Marx nunca  
reivindicou o ‘direito ao produto integral do trabalho’, nem jamais apresentou reivindicações jurídicas  
de qualquer tipo em suas obras teóricas” (Engels; Kautsky, 2012, p. 34).  
7
Afirmam Marx e Engels que o destaque “é a ruptura mais radical com as relações tradicionais de  
propriedade; não admira, portanto, que no curso de seu desenvolvimento se rompa, do modo mais  
radical, com as ideias tradicionais”. Mas quais são essas verdades eternas que são, junto com “toda  
moral”, mencionadas como candidatas à abolição? Cito: “a liberdade, a justiça etc.” (MARX; ENGELS,  
1975, p. 504 apud Geras, 2018).  
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III Crítica da ideia de Justiça em Marx  
Nas pesquisas que procuraram identificar na obra de Marx, como, também, na  
de Engels, a crítica do direito, é recorrente uma valorização positiva da ideia de justiça  
em relação ao primeiro, com uma consequente diferenciação entre ambos. É possível  
observar esta perspectiva em importantes autores estrangeiros marxistas como, por  
exemplo, em Lênin8, em Stutchka9 e em Edelman10, e, também, em autores da crítica  
marxista do direito no Brasil11 como, por exemplo, Lyra Filho12, Mascaro13 e Wolkmer  
(2002)14. Na teoria do direito estrangeira, Kelsen (2000) se destaca ao defender a  
existência de uma teoria da justiça na obra do autor de O Capital.  
Por outro lado, autores marxistas estrangeiros como Pachukanis (2017)15,  
Althusser (1999) além de críticos marxistas do direito no Brasil como, por exemplo,  
Naves (2014)16 parecem rejeitar a ideia valorativa e positiva de justiça em Marx.  
8 “o ‘direito igual’ equivale a uma violação da igualdade e da justiça” (Lênin, s/d). Apontamentos sobre  
a passagem de Lenin em Sartori (2017a)  
9
O jurista soviético, ao diferenciar um direito socialista de um direito burguês, em que ambos seriam  
classistas, também, valoriza positivamente a ideia de Justiça: “A lei burguesa tende precisamente a  
dissimular a verdadeira natureza do sistema de modo que, sublinhemos mais uma vez, o direito é  
constituído justamente por este sistema e não somente pela lei. Teoricamente, a lei deve proporcionar  
o princípio fundamental (por exemplo, da propriedade privada feudal ou capitalista) e, possivelmente,  
uma definição clara, exaustiva e suficientemente concreta das principais instituições jurídicas. O restante  
corresponde à aplicação do direito, e será sempre injusto para a classe oprimida e justo para a classe  
dominante” (Stutchka, 1988, p. 125).  
10 “O direito peca constantemente contra a sua hipótese de base: a propriedade privada. A pretensão à  
justiça torna-se prática da injustiça, a pretensão a dizer o homem, prática do proprietário” (Edelman,  
1976, p. 22).  
11 Como realçado por Almeida (2018).  
12  
“Direito e Justiça caminham enlaçados; lei e Direito é que se divorciam com frequência [...] A Justiça  
não é, evidentemente, esta coisa degradada. Isto é negação da Justiça [...] Porém, onde fica a Justiça  
verdadeira? [...]a Justiça real está no processo histórico, de que é resultante, no sentido de que é nele  
que se realiza progressivamente [...] Justiça é Justiça Social, antes de tudo: é atualização dos princípios  
condutores, emergindo nas lutas sociais, para levar à criação duma sociedade em que cessem a  
exploração e opressão do homem pelo homem” (Lyra Filho, 1990, p. 55-6).  
13  
Para uma análise das passagens de Lyra Filho (1983; 1990) e Mascaro (2012) ver Sartori (2017a;  
2017b)  
14 Wolkmer (2002, p. 148-9) apresenta noções de justiça, distintas do direito, na discussão apresentada  
por Kelsen (2000) a partir das obras de Marx, que defende uma ideia e teoria de justiça na obra de  
Marx. Afirma o autor brasileiro, “nessa perspectiva, não há como negar que o Direito comunista é justo,  
sem contradições, pois tal conceito não se revestirá de caráter ideológico no sentido pejorativo. Por sua  
vez, o Direito burguês, caracterizado por assimilação normativa, não é justo por essência”.  
15 “A transição para o comunismo evoluído não se apresenta, segundo Marx, como uma passagem para  
novas formas jurídicas, mas um aniquilamento da forma jurídica enquanto tal [...] Olvidava-se nos  
meandros da luta jurídica que, além da fuga ao cerne da questão da transformação do modo de  
produção, o aniquilamento de certas categorias jurídicas [...] do direito burguês, em nenhum caso  
significaria a sua substituição pelas novas categorias do direito proletário” (Pachukanis, 2017, p. 77-  
78). Romão (2017) aponta que as considerações de justiça em Pachukanis estão de acordo com a  
“teoria social marxista” (Romão, 2017, p. 18), isto é: “Percebe-se aqui que o conceito de justiça é  
impensável se apartado do conceito de economia (transações econômicas) e direito (formas jurídicas).  
Isto porque direito e justiça são dois fenômenos pertencentes ao campo das ideias; e, justamente por  
isto, sofrem a determinação das relações de produção” (ibid., p. 21).  
16 Afirma Naves (2014, p. 99): “se a relação de capital não pode ser nem “justa” nem “injusta”, é porque  
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Crítica da ideia de justiça em Marx a partir das Glosas marginais ao Programa de Gotha  
No Brasil, a controvérsia é destacada e foi objeto de análises como, por  
exemplo, em Sartori (2017ª; 2017b; 2022), Albinati (2009; 2019), Almeida (2018) e  
Almeida (2015), contudo com balizamentos diversos.  
Do material bibliográfico encontrado nesta pesquisa em periódicos nacionais,  
o debate sobre a ideia de justiça em Marx, e no marxismo, também se faz presente de  
modo variado. Contudo, das duas dezenas e meia de textos selecionados, ao menos,  
uma quinzena apresenta argumentos em favor de uma teoria da justiça em Marx, em  
alguns casos, baseado no chamado “marxismo analítico” e, em outros, a partir da  
suposta presença de um “princípio de justiça” na “bandeira” exposta por Marx (2012)  
na crítica ao Programa de Gotha, “de cada um segundo suas capacidades, a cada um  
segundo suas necessidades”.  
Nestas glosas marginais de 1875 ao Programa de Gotha, Marx é bastante  
incisivo17 ao apontar criticamente a “credulidade servil no Estado” (Marx, 2012, p. 46)  
presente no mesmo, afirmando que um “programa socialista não pode permitir que  
tais fraseologias burguesas possam silenciar as condições que, apenas elas, dão algum  
significado” (Marx, 2012, p. 24), especialmente, a “fraseologia da distribuição justa”  
(ibid., p. 28).  
Rejeitando as teses lassalianas presentes no programa, o autor de O Capital  
apresenta diretamente a crítica às noções de “igual direito” e de “distribuição justa”  
que seriam “dogmas, noções que tiveram algum sentido numa certa época, mas que  
hoje se tornaram restolhos fraseológicos ultrapassados, [para] deturpar a concepção  
realista(Marx, 2012, p. 33). De modo que, trata-se de um texto decisivo na crítica  
marxiana do direito18.  
a análise imanente que dela Marx faz permitindo a compreensão da natureza objetiva do domínio de  
classe que se materializa nas formas técnicas de produção, é totalmente incompatível com um  
julgamento de valor moral ou jurídico, que nos remeteria inexoravelmente a alguma modalidade de  
transcendência. Ora, se o capitalismo não é a expressão da “injustiça”, o comunismo, que é, no entanto  
e justamente por isso – o seu contrário direto, não poderia ser igualmente expressão da “justiça”  
17 Demonstrando a característica marcante de crítica e autocrítica como motor central da obra marxiana  
e da posição política de Marx e Engels dentro do seu campo de disputa, “que se distancia muito do  
imobilismo”, inclusive no texto em destaque com um caráter mais “propositivo” de pensar a transição  
socialista e a sociedade comunista (Sartori, 2019, p.180).  
18  
Afirma Althusser que, “Em Marx, essa recusa [de um direito socialista] vai muito longe já que,  
manifestamente a seu ver, todo Direito, sendo em última instância o Direito de relações mercantis,  
permanece definitivamente marcado por essa tara burguesa: portanto, todo Direito é, por essência, em  
última instância, desigualitário e burguês. A esse respeito, ver as admiráveis, embora por demais  
sucintas, observações da Crítica do Programa de Gotha” (Althusser, 1999, p. 87). Para mais análises  
sobre a crítica do direito e do Estado presente neste texto marxiano ver Sartori (2019), no qual:  
“Também têm Marx por central, e isto é bastante visível no texto, uma crítica ao Direito e ao Estado a  
qual, por sua vez, passa por apontamentos importantes mesmo que bastante sumários sobre a  
transição ao comunismo. Só este último ponto já faz a Crítica do Programa de Gotha um texto sui  
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Aponta o alemão que o Programa apresenta um “estatismo exarcebado” de  
caráter social reformista, no qual descola a noção de Estado da sociedade civil-  
burguesa, tornando-os supostamente independentes entre si, como “um ser autôno-  
mo, dotado de seus próprios ‘fundamentos espirituais, morais, livres” (Marx, 2012, p.  
42), sem se preocupar concretamente com o processo de transformação  
revolucionária, apenas fazendo a ligação idealista entre as palavras “povo” e “Estado”  
(ibid., p. 43), com uma “superstição democrática (ibid., p. 46)19.  
Afastando das teses marxianas de prioridade ontológica da economia sobre as  
formas superestruturais (Lukács 2012), o Programa acaba por valorizar  
unilateralmente o direito, ao relacionar a ideia de “igual direito” enquanto igual padrão  
de medida com a valorização do “trabalho produtivo”, contudo, uma valorização  
acrítica, “oca” de significado (Marx, 2012, p. 26), isto é, sem qualquer relação com as  
condições postas ou com o “desaparecimento” da sociedade burguesa. Afirma Marx  
que, “esse igual direito é desigual para trabalho desigual(Marx, 2012, p. 32)20 e,  
portanto, o direito, ou a justiça, não poderia ser um direito da igualdade. O “direito [e  
a justiça] nunca pode ultrapassar a forma econômica e o desenvolvimento cultural, por  
ela condicionado, da sociedade” (ibidem)21.  
A ideia de “igual direito” dos “frutos do trabalho” defendida pelo Programa, na  
tese lassaliana, é rechaçada por Marx:  
Esse igual direito é direito desigual para trabalho desigual. Ele não  
reconhece nenhuma distinção de classe, pois cada indivíduo é apenas  
trabalhador tanto quanto o outro; mas reconhece tacitamente a  
desigualdade dos talentos individuais como privilégios naturais e, por  
conseguinte, a desigual capacidade dos trabalhadores. Segundo seu  
conteúdo, portanto, ele é, como todo direito, um direito da  
desigualdade. O direito, por sua natureza, só pode consistir na  
aplicação de um padrão igual de medida; mas os indivíduos desiguais  
(e eles não seriam indivíduos diferentes se não fossem desiguais) só  
generis (Sartori, 2019, p. 179) e Medrado et al (2019).  
19  
Löwy (2012, p. 16) classifica a obra de Marx como “antiestatista”, em oposição ao “estatismo” de  
Lassalle, como pode ser observado inclusive quando o autor de O Capital critica a ideia de cooperativas  
“oficiais”, vinculadas ao Estado: “No que diz respeito às atuais sociedades cooperativas, elas só têm  
valor na medida em que são criações dos trabalhadores e independentes, não sendo protegidas nem  
pelos governos nem pelos burgueses.” (Marx, 2012, p. 41).  
20 Indicando que o importante é a transformação do modo de produção, ao criticar à tese lassalliana da  
lei de bronze dos salários presente no Programa, aponta ironicamente: “superando-se o trabalho  
assalariado, é claro que se superam também suas leis, sejam elas de “bronze” ou de esponja. Mas a  
oposição de Lassalle ao trabalho assalariado gira quase que exclusivamente em torno dessa pretensa  
lei” (Marx, 2012, p. 38) e não das condições e da transformação do modo de produção.  
21  
Complementa: “esse igual direito continua marcado por uma limitação burguesa. O direito dos  
produtores é proporcional a seus fornecimentos de trabalho; a igualdade consiste, aqui, em medir de  
acordo com um padrão igual de medida: o trabalho [...] seus fornecimentos de trabalho; a igualdade  
consiste, aqui, em medir de acordo com um padrão igual de medida: o trabalho. (Marx, 2012, p. 31-2).  
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Crítica da ideia de justiça em Marx a partir das Glosas marginais ao Programa de Gotha  
podem ser medidos segundo um padrão igual de medida quando  
observados do mesmo ponto de vista, quando tomados apenas por  
um aspecto determinado, por exemplo, quando, no caso em questão,  
são considerados apenas como trabalhadores e neles não se vê nada  
além disso, todos os outros aspectos são desconsiderados [...] A fim  
de evitar todas essas distorções [nas realidades cotidianas de cada  
trabalhador], o direito teria de ser não igual, mas antes desigual [...] O  
direito nunca pode ultrapassar a forma econômica e o  
desenvolvimento cultural, por ela condicionado, da sociedade (Marx,  
2012, p. 32-33)  
O que se observa é a naturalização da realidade posta pelo modo de produção  
capitalista, através da atuação do direito na relação com o Estado.  
Tanto o Estado quanto o direito atuam apenas em relação à esfera de circulação,  
distribuição e consumo, não tendo potência de transformação da esfera produtiva,  
condicionante da situação objetiva de exploração da força de trabalho e  
miserabilidade. “[F]oi em geral um erro transformar a assim chamada distribuição em  
algo essencial e pôr nela o acento principal” (Marx, 2012, p. 33).  
Aqui, o autor de O Capital aponta a desigualdade do direito enquanto padrão  
igual de medida, na sua relação direta com a “forma econômica [...] da sociedade”,  
complementando a crítica da ideia de “igual direito” à crítica da ideia de “distribuição  
justa”.  
Neste sentido, Marx abrange na crítica do direito a crítica da justiça, no sentido  
da vinculação ontológica destes com as condições postas pelo modo de produção  
capitalista. Questiona-se:  
O que é distribuição “justa”? Os burgueses não consideram que a  
atual distribuição é “justa”? E não é ela a única distribuição “justa”  
tendo como base o atual modo de produção? As relações econômicas  
são reguladas por conceitos jurídicos ou, ao contrário, são as relações  
jurídicas que derivam das relações econômicas? Os sectários  
socialistas não têm eles também as mais diferentes concepções de  
distribuição ‘justa’? (Marx, 2012, p. 28).  
Tem-se claramente uma noção de justiça ontologicamente ligada à esfera  
produtiva, no sentido de que, como o direito, a ideia de justiça está definida na sua  
relação com as “formas jurídicas” do capitalismo.  
Marx (2012, p. 28) aponta críticas à noção de "justo" indicando que é justo se  
estiver de acordo com a dinâmica da sociedade burguesa, de manutenção da  
exploração da força de trabalho e da pobreza, no limite de "distribuir" e "elevar" e não  
de "transformar" ou “criar”. Sendo ainda mais enfático em relação ao fato da “justiça”  
não ser um parâmetro de cálculo da luta pela transformação do modo de produção,  
aponta o alemão:  
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Essas deduções [lassalianas] do “fruto integral do trabalho” são uma  
necessidade econômica e sua grandeza deve ser determinada de  
acordo com os meios e as forças disponíveis, em parte por cálculo de  
probabilidades, porém elas não podem de modo algum ser calculadas  
com base na justiça. (Marx, 2012, p. 29)  
Portanto, qual o sentido Marx está dando para a “justiça” nestes casos?  
Observa-se que o autor busca se desvencilhar de uma perspectiva especulativa e  
moralista, que complementa a ideia de justiça, ao pensar a organização de uma  
sociedade socialista e comunista, com foco na concretude da “necessidade econômica  
[...] de acordo com os meios e as forças disponíveis”, portanto, não na ideia de justo  
ou injusto.  
Além disso, a necessidade de se desvencilhar da perspectiva moralista está no  
fato de que a luta pela transformação do modo de produção carrega em si dificuldades  
latentes pela permanência dos fatores superestruturais do modo anterior, como moral  
e justiça,  
[n]osso objeto aqui é uma sociedade comunista, não como ela se  
desenvolveu a partir de suas próprias bases, mas, ao contrário, como  
ela acaba de sair da sociedade capitalista, portanto trazendo de  
nascença as marcas econômicas, morais e espirituais herdadas da  
velha sociedade de cujo ventre ela saiu (Marx, 2012, p. 30-1)  
O que não significa que Marx não colocasse a importância da reivindicação  
organizada por uma lei como um freio à exploração22. Neste sentido, sobre a  
reivindicação do Programa de Gotha: “Supervisão estatal da indústria fabril, oficinal e  
doméstica” (Marx, 2012, p. 47), comenta Marx:  
Diante do Estado prussiano-alemão, dever-se-ia exigir taxativamente  
que os inspetores só possam ser removidos por medida judicial; que  
todo trabalhador possa denunciá-los aos tribunais por violação do  
dever; que eles tenham de pertencer à classe médica [...] Note-se, de  
passagem, que, ao tratar da jornada normal de trabalho,  
desconsiderou-se a parte da legislação fabril referente às medidas  
sanitárias e aos meios de proteção contra acidentes etc. (Marx, 2012,  
p. 47-8)  
Com o balizamento destas considerações críticas de Marx ao direito e à justiça,  
nas Glosas marginais ao Programa de Gotha, voltamos a atenção para as cerca de uma  
quinzena de textos encontrados nesta pesquisa que apontam uma ideia de justiça em  
22  
Aliás como pode-se observar em outros momentos na obra como de Marx (2013) e Engels (2012)  
em: “Mas a burguesia engendrou o antípoda de si mesma, o proletariado, e com ele novo conflito de  
classes, que irrompeu antes mesmo de a burguesia conquistar plenamente o poder político. Assim como  
outrora a burguesia, em luta contra a nobreza, durante algum tempo arrastara atrás de si a concepção  
teológica tradicional de mundo, também o proletariado recebeu inicialmente de sua adversária a  
concepção jurídica e tentou volta-la contra a burguesia” (Engels, 2012, p. 19).  
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Crítica da ideia de justiça em Marx a partir das Glosas marginais ao Programa de Gotha  
Marx. Nota-se que a maior parte recorre à compreensão cotidiana naturalizada, de  
apelo moralista, da ideia abstrata de Justiça, e de “justiça social”.  
Neste sentido, pode-se ressaltar como influência, no Brasil, as afirmações de  
Lyra Filho (1983; 1999) que defende a tese de que há um “princípio jurídico” de  
justiça nas glosas marginais de 187523:  
Na Crítica do Programa de Gotha, depois de falar um bocado no  
direito burguês, como se fosse “todo direito”, o que se apresenta,  
afinal, não é a morte do Direito, mas daquele mesmo “direito burguês”  
(sic!) para desfraldar-se a bandeira de outro princípio jurídico: “de  
cada um, conforme as próprias aptidões: a cada um, segundo as suas  
próprias necessidades” (Lyra Filho, 1983, p. 66).  
O autor coloca nestes termos para indicar algum grau de contradição em Marx,  
que evitaria de todo modo tratar do termo justiça, mas que acabaria deixando  
escaparo princípio de justiça na passagem destacada contra o Programa Gotha,  
visando criticar a ideia de fenecimento do direito.  
Segundo Lyra Filho (1983, p. 67), a crítica do direito em Marx é a crítica  
da “lei” e não do direito o da justiça propriamente ditos. Afirma que o próprio  
Marx favorece muito o reducionismo dos discípulos, dando alimento à  
gana de liquidar o Direito [...] [e que] vai daí a consequência de  
inadmitir a implosão daquela ordem e a explosão de novas e mais  
avançadas visões do Direito e da Justiça, ficando a Justiça arquivada  
como um conto-do-vigário filosófico e o Direito extinto, com o advento  
da sociedade perfeita (Lyra Filho, 1983, p. 66).  
Em outro texto, reivindicando uma “justiça verdadeira”, afirma Lyra Filho (1990,  
p. 55) que “a Justiça real está no processo histórico, de que é resultante, no sentido  
de que é nele que se realiza progressivamente”.  
De fato, esta perspectiva apresentada pelo autor brasileiro é bastante  
recorrente na bibliografia encontrada. Vejamos a sistematização abaixo da bibliografia  
encontrada.  
Em relação à compreensão de que a bandeira comunista enunciada por Marx  
nas glosas marginais traria um princípio de justiça podemos citar: Falcão (2014, p. 28;  
23  
Defende, também, a ideia de que o direito se diferencia da lei, e o que o primeiro não se resume  
apenas ao Estado (1990). Sobre a influência desta visão nas teorias críticas do direito no Brasil: “Os  
problemas decorrentes dessa interpretação que implica obviamente na crença de possibilidade de  
construção de algo distinto do assim chamado “direito burguês” ainda dentro do terreno do direito –  
fomentaram no Brasil, assim como em alguns outros países, principalmente na América Latina  
considerando as discussões sobre Pluralismo Jurídico e Direito alternativo, que constituem apostas no  
Direito, ou melhor nas possibilidades de uso do Direito enquanto ferramenta contramajoritária, ou até  
mesmo de um “outro” Direito, pretensamente emancipatório.” (Medrado et al, 2019, p. 170).  
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32)24; Pergher (2016, p. 88-89)25; Wiser (2022)26; Barbosa e Paiva (2012, p. 14; 17)27;  
Albinati (2009; 2019).  
Em relação à Albinati, que com bastante coerência e cuidado procura valores  
em uma concepção de justiça subjacente em Marx, pode-se analisar com maior enfoque  
a sua argumentação de que haveria princípios de justiça na obra do alemão,  
especialmente em A Ideologia Alemã e na Crítica ao Programa de Gotha. Afirma a  
autora que:  
A nosso ver, é disso que se trata na abordagem de Marx sobre a  
justiça: da possibilidade de novas formas de equilíbrio social. A  
precedência das condições objetivas para tanto é reiterada por Marx  
24  
Eis o raciocínio da autora: “Assim, [...] em sua teoria, Marx (1818-1883) reconhece dois tipos de  
igualdade: um se pauta no princípio “de cada qual segundo sua capacidade, a cada qual segundo o  
trabalho realizado”. O outro se baseia no princípio “de cada qual segundo sua capacidade, a cada qual  
segundo suas necessidades”. Veja-se que, nos dois tipos de igualdade, ele considera “de cada qual  
segundo sua capacidade”, ou seja, em qualquer sociedade, é justo que se exija de cada um conforme  
sua capacidade [...] Dessa forma, os dois tipos de igualdade, só poderão se concretizar numa sociedade  
alternativa ao capitalismo, com a eliminação de todos os critérios pelos quais a produção e a distribuição  
têm sido feita, isto é, quando estes critérios atuais da sociedade burguesa forem considerados ilegítimos  
e injustos. Nesse raciocínio, então, fica claro o entendimento de Marx sobre justiça [...]. Pelo exposto,  
fica explicito, portanto que, para Marx, justiça equivale a condições concretas de igualdade humana,  
passando não apenas pelas garantias formais de igualdades essas, necessárias, mas não suficientes –  
mas, concomitantemente, garantindo sua plena concretização, pela via da plenitude dos direitos sociais  
e humanos. E é, nesse sentido que Marx critica a concepção liberal sobre o direito, refletida na tensão  
entre justiças formal e concreta (Falcão, 2014, p. 27-28; 32).  
25  
A autora, dialogando com os autores do chamado “marxismo analítico”, aponta que é possível o  
esforço de elaborar uma interpretação da justiça a partir de Marx desde que se baseie em três pilares:  
abordagem ética, “a ideia de transcendência da autoalienação” e a máxima marxiana presente na Crítica  
ao Programa de Gotha: “de cada qual segundo suas capacidades, a cada qual segundo suas  
necessidades” (Pergher, 2016, p. 88-89).  
26  
Apesar de não ser brasileiro, o texto do autor Wiser (2022) foi traduzido e publicado em periódico  
nacional, de modo que apareceu, também nesta pesquisa. Especialmente, a partir de passagens da  
Crítica ao Programa de Gotha, mas se utilizando de autores distantes do marxismo como Derrida para  
diferenciar direito de Justiça, o autor aponta que em Marx haveria, também, esta distinção e, além disso,  
a presença de “princípios de justiça”: “É por isso que Marx acrescenta que “para evitar todos esses  
inconvenientes, o direito não deve ser igual, mas desigual” O direito desigual seria o direito que faz jus  
à diferença, que não reproduz a desigualdade sob sua abstração jurídica. Propriamente falando, um tal  
direito faria justiça, seria um princípio de justiça em vez de um princípio de direito [...] A lógica mecânica  
do direito equivalente é substituída [no comunismo] por uma lógica das necessidades, fazendo justiça  
aos indivíduos [...] Ela se inscreve na disjunção de uma fórmula de estandarte [referência à bandeira do  
comunismo expressa por Marx nas glosas marginas]” (Wiser, 2022, p. 17). E em relação específica sobre  
a bandeira de Marx, aponta que se trata de um momento “qualitativo” colocado enquanto  
“equivalência”, que traria para o autor a noção de “justiça” em Marx, concluindo que “É por isso que a  
Crítica do Programa de Gotha se opõe à fala de Engels a propósito da extinção do Estado” (Wiser,  
2022, p. 19).  
27 A partir da chamada “teoria marxista humanista”, com base na interpretação de Bobbio sobre a obra  
marxiana e na diferenciação de Mascaro entre marxistas humanistas e estruturalistas, os autores afirmam  
que seria possível extrair uma “teoria marxista da justiça”, em que o direito seria capaz de fomentar  
“não só reformas, como também revoluções”. O raciocínio, também, é construído a partir da bandeira  
de Marx, pensando o comunismo em glosas críticas, que, segundo os autores, “o pensamento de Marx  
impõe relevante contribuição, uma vez que flexibiliza o conceito de “mínimo” na tentativa de adequar  
os bens as necessidades de cada um” (Barbosa; Paiva, 2012, p. 5). Apontam os autores que “Marx não  
estava preocupado em localizar o conceito de Direito no debate da luta de classes, mas sim em elaborar  
um conceito de Justiça que fosse além da isonomia formal” (Barbosa; Paiva, 2012, p. 17).  
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Crítica da ideia de justiça em Marx a partir das Glosas marginais ao Programa de Gotha  
como possibilidade (e evidentemente não como condição suficiente)  
para que se efetue uma mudança de horizonte que torne possível a  
emergência de uma nova ideia de justiça [...] A ideia de justiça em  
Marx não significa um ideal de justiça a ser alcançado em virtude de  
uma dada natureza humana ou de uma filosofia da história de caráter  
escatológico. Diferentemente, parece-nos tratar de uma possibilidade  
que se vincula à expansão da capacidade produtiva social, uma vez  
regulada em outras bases societárias. A ideia de justiça em Marx  
rompe com a métrica do equivalente, porque acompanha a superação  
histórico-social dessa medida (Albinati, 2009, p. 8-9)  
Em texto publicado dez anos após o citado anteriormente, autora faz uma  
análise mais mediada da questão e reconhece que a “longa incursão crítica” na obra  
de Marx, no que toca a questão da Justiça, trata da crítica à “justiça das transações”  
(Albinati, 2019, p. 463) e que  
a questão da justiça na sociabilidade capitalista se pauta por uma  
naturalização das relações de produção, e de uma suposta liberdade  
socialmente conduzida nos assuntos relativos à distribuição dos bens  
[...] [em que] o próprio termo “justiça redistributiva” acolhe como  
natural a distribuição determinada pela produção capitalista [...]  
[sendo que] os autores que desconsideram a origem social das  
regulações jurídicas lançam a questão da justiça para a esfera da  
circulação e supervalorizam os aspetos secundários na determinação  
da força de trabalho (ibid., p. 466).  
Contudo, conclui, aproximando-se do texto pretérito, que a bandeira comunista  
levantada por Marx nas glosas marginais seria “uma referência mais explícita a uma  
outra forma de justiça [...] momento único na obra de Marx na qual poderíamos dizer  
de um princípio normativo” (ibid., 468).  
A questão é levantada, então, é se esse princípio seria, também, um princípio  
de justiça ou um princípio “para além da justiça”, como afirma Agnes Heller. A resposta  
mediada de Albinati seria de que não se trataria de um princípio “para além da justiça”,  
pois Marx não seria um pensador “utópico” da “redenção humana” (ibid., 469), mas  
afirmando se tratar de uma questão complexa, defende que no texto marxiano em  
destaque, teríamos um princípio normativo de uma “possibilidade de justiça”, no  
sentido de uma “justiça em relação ao gênero humano”, “das potencialidades  
humanas”, isto é, uma “justiça assimétrica” (ibid., p. 470; 471; 472; 473), dando um  
caráter valorativo à noção de justiça em Marx.  
Afirma de forma mais decisiva:  
De acordo com a análise de Marx na Crítica ao Programa de Gotha,  
temos que a transição do mundo capitalista ao socialista envolve a  
discussão acerca desse princípio de justiça, e autoriza a suposição de  
sua extinção. Mas isso não significa dizer da extinção de um outro  
princípio de justiça, não necessariamente jurídico, mas como princípio  
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normativo de outra forma de existência social. Dizer da extinção dessa  
forma de justiça enquanto equivalência não significa, a nosso ver,  
dizer da extinção da justiça como parâmetro normativo em outra  
formação social [...] uma mudança de horizonte que torne possível a  
emergência de uma nova ideia de justiça, completamente  
desvinculada de uma medida única, portanto, uma outra ideia de  
justiça, impensável numa sociabilidade dos equivalentes” (Albinati,  
2019, p. 470-1).  
Lukács (2012) interpreta que as passagens da crítica ao Programa de Gotha  
apontam para uma impossibilidade da existência de um “direito socialista”, portanto,  
também, de uma “outra justiça”. Nesta esteira, alerta Sartori (2022, p. 89-90), em  
diálogo com a autora em destaque, que a bandeira comunista afirmada nas glosas  
marginais, na verdade, “trata-se, então, de uma situação de fato, e não de um princípio  
da justiça, como parece querer Ana Selva Albinati ao procurar a “ideia de justiça em  
Marx”.  
Iber (2014, p. 15), também, discorda que a bandeira do comunismo, levantada  
por Marx na crítica ao Programa de Gotha, trataria de um princípio de justiça e de  
igualdade de tratamento, mas, ao contrário, um princípio de fato da diferença28.  
É importante destacar que essa “bandeira” com a frase de efeito é popularizada  
na contemporaneidade por Marx, pelos escritos em 1875, contudo é uma expressão  
cotidiana no período e utilizada, com algumas variações, por muitas socialistas  
utópicos, comunistas e anarquistas da primeira metade do século XIX.  
A bandeira que é “fincada” nas glosas marginais, especialmente, para se opor  
a existência do trabalho assalariado, trata-se de uma oposição ao capitalismo e as  
teses, como as lassallianas, de “fruto do trabalho”, “igual trabalho” etc. De modo que,  
não pode ser tratada como uma definição acabada em Marx, que conteria princípios  
normativos, morais e de justiça. Além disso, no contexto da tentativa propositiva de  
pensar o socialismo e o comunismo, é uma afirmação com certo grau especulativo, que  
não pode ser analisada de forma isolada dentro da obra do autor de O Capital para  
fundamentar uma “teoria da justiça” em Marx. O caráter especulativo da bandeira fica  
mais evidente se levarmos em conta a famosa passagem de Marx: “Os homens fazem  
sua própria história, mas não a fazem como querem; não a fazem sob circunstâncias  
de sua escolha e sim sob aquelas com que se defrontam diretamente, legadas e  
28  
“Poder-se-ia ser induzido a ver esta fórmula do comunismo como uma definição da justiça. De fato,  
o princípio expressa como se poderia fazer justiça efetivamente aos homens. Mas isso nós não  
compreendemos como justiça, a qual sempre tem a ver com uma igualdade de tratamento. A fórmula  
de Marx do comunismo é, pelo contrário, um princípio da diferença” (Iber, 2014, p.15)  
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Crítica da ideia de justiça em Marx a partir das Glosas marginais ao Programa de Gotha  
transmitidas pelo passado”.  
Almeida (2018, p. 1605-6) aponta que as críticas de Engels (e Kautsky, 2012)  
contra Menger, possuem uma relação direta com a crítica de Marx ao Programa de  
Gotha, no sentido de determinar concretamente o “igual direito” das teses lassalianas  
e da crítica à “justiça de transações”, de modo que, esta visão ampla da obra de Marx  
e Engels, evita interpretações que vislumbram princípios normativos e de justiça na  
bandeira da “fase superior do comunismo”.  
Apesar de criticar a noção de “verdadeira justiça”, contudo, a crítica é  
fundamentada pelo caráter formalista da justiça vinculada ao sistema de justiça. Já,  
utilizando-se da chave da “luta de classes”, a autora (ibidem) se questiona se seria “a  
justiça [...] uma síntese da luta de classes associada à reprodução do capital?”  
A resposta positiva pode parecer óbvia, contudo, ainda conclui: “Diante dessa  
função constitutiva [da dinâmica da luta de classes], não é possível às instituições  
jurídicas garantir “a verdadeira justiça”, visto que o tema da justiça, nesse tipo de  
sociedade, é definido pelo lado mais forte na luta de classes”  
A afirmação pode gerar margens para dúvidas em relação à uma valorização ou  
não do sentido de justiça, sendo que se as instituições jurídicas não poderiam garantir  
a “verdadeira justiça”, outros fatores o poderiam fazer. Mais ainda, a ideia de justiça  
vinculada ao “lado mais forte na luta de classes” poderia afastar o caráter ontológico  
da noção de justiça e sua definição como ideologia, tendo o momento preponderante  
da esfera da produção.  
Além destes achados da tese da valoração da ideia de justiça relacionada à  
determinadas passagens da Crítica do Programa de Gotha, também, destacaram-se  
alguns textos em que a ideia ou teoria de justiça em Marx surgiria a partir de certo  
diálogo do texto marxiano com a influência, especialmente a partir da década de 1970,  
de “marxismos” variados e tentativas de acoplar ideias alheias à obra de Marx, como  
do chamado “marxismo analítico”29, “marxismo humanista”, “pós-marxismo”,  
“marxismo ecológico”, dentre outros.  
Pode-se citar, nesse sentido, respectivamente: Pergher (2016), Freitas e Costa  
29  
Para uma crítica inicial da “teoria marxista da justiça” no chamado “marxismo analítico” ver Sartori  
(2022) e, sobre a influência das teorias igualitaristas, como Rawls e Fraser, nesse tipo de “marxismo”  
ver Almeida (2015).  
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(2017)30, Mendes (2015), Bullio (2017)31; Rammê (2011)32; Junior (2020)33.  
Por fim, entre os autores encontrados, pode-se destacar aqueles que inferem  
que haveria uma ideia de justiça a partir da obra marxiana, e, também, da tradição  
marxista, tendo em vista que, para estes, estaria implícito para ao alemão que o sistema  
capitalista seria injusto, tendo sido sua obra e sua trajetória marcadas por uma  
denúncia das injustiças sociais da modernidade.  
Pode-se citar, nesse sentido, Pinheiro et al (2014)34, Bernardes e Silva (2014)35,  
30  
Defendem uma teoria da justiça em Marx e Engels, a partir das análises do chamado “marxismo  
analítico” que: “Levados a discutir sobre temas como o igualitarismo e distribuição justa os autores do  
marxismo analítico começaram a analisar quais princípios normativos eram compatíveis com os  
fundamentos do marxismo [...] “podemos concluir que os autores [do marxismo analítico] de forma geral,  
reformularam a relação entre marxismo e justiça e acabam aceitando a presença de certa teoria marxista  
da justiça, além da existência de uma teoria jurídica sobre o marxismo, embora não haja consenso entre  
os autores” (Freitas; Costa, 2017, p. 144-146).  
31 Com base em autores do chamado “Pós-marxismo”, como Badiou relaciona “o entrelaçar da Justiça e  
do Comunismo antiestatal e antijurídico”: “A subjetividade da justiça se enlaça à sua objetividade. Só a  
transposição do indivíduo tomado pelos seus anseios inserido numa unidade pode se adequar à Justiça  
no Comunismo se ele estiver conectado ao coletivo.” (Bullio, 2017, P. 111).  
32  
A partir de trecho da obra de Marx sobre a relação do homem e natureza, contida nos Manuscritos  
econômico-filosóficos de 1844, aponta o autor que haveria “origens ou semelhanças daquilo que hoje  
se define por justiça ambiental no pensamento de Marx”, e que caracterizaria o chamado “marxismo  
ecológico” (Rammê, 2011, p. 227-228).  
33  
Afirma haver uma relação de influência da ideia de justiça de Platão na obra Marx, tendo em vista  
que, na defesa da construção de uma sociedade comunista, haveria a ideia de “bem comum” e  
“constatou-se que há uma relação entre os dois pensamentos [Platão e Marx], nos quais os aspectos  
abordados tem uma finalidade entre si, que é a busca do bem geral ou bem comum [...] como ponto  
chegada [...] e por fim a justiça, como uma ideia de bem comum pra todos. “A análise da luta de classes  
na história demonstra o quanto a posse dos instrumentos e meios de produção gera injustiças entre os  
próprios homens, e o capitalismo seria mais um destes sistemas que, em meados do século XIX, testa  
a distorção da forma em que distribui as riquezas e as relações humanas em sociedade” (Junior, 2020,  
p. 81). E citando o manifesto comunista de Marx e Engels conclui que: “questão primordial da reflexão  
marxista está na justiça social, o que se pode fazer por meio da reorganização das forças sociais  
produtivas, uma vez que a economia determina as estruturas e as classes de uma sociedade” (Junior,  
2020, p. 85).  
34 Na obra coletiva Direito e marxismo: transformações na América Latina Contemporânea (Bello, 2014),  
é possível identificar a tendência em alguns textos em diferenciar direito e justiça, procurando ressaltar  
as reivindicações de “justiça social” e denunciar as “injustiças” do sistema capitalista, pensando uma  
“nova justiça” decolonial. Nesse sentido, pode-se ressaltar Pinheiro et al (2014, p. 130) que, a partir  
das considerações críticas de Marx à economia política em O Capital, aponta que “A teoria marxiana  
esclarece que as relações sociais estão permeadas pela estrutura social, que gera desigualdades  
gritantes, ou seja, a injustiça social, a exclusão social, o abandono dos sujeitos desta sociedade a sua  
própria sorte”.  
35  
E também Bernardes e Silva (2014, p. 218), justificando a necessidade de um “retorno à Marx”,  
afirmam que “Marx buscou compreender, de forma sistemática e profunda a sociedade capitalista  
moderna, demonstrando suas contradições e suas injustiças estruturais.”  
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Crítica da ideia de justiça em Marx a partir das Glosas marginais ao Programa de Gotha  
Ribeiro (2014)36, Fabres (2014)37, Mendes (2015)38, Junior (2020).  
Pelo exposto, observa-se que a perspectiva de vincular uma teoria da justiça  
em Marx ou uma formulação de justo a partir da perspectiva moral, encontra muitos  
percalços na própria obra de Marx e Engels, analisada como um todo. Os pontos  
centrais da crítica dos autores à ideia de “igual direito”, com base em um “padrão igual  
de medida” que é o trabalho assalariado e a afirmação da impossibilidade de existência  
de um “direito socialista39, dada a relação intrínseca entre direito e modo de produção  
capitalista, nos leva a concluir que uma valorização positiva do conceito de justiça  
pode ser inferida apenas fora da obra marxiana.  
Mesmo com caráter propositivo na crítica ao Programa de Gotha nas  
especulações sobre relações de fato possíveis em sociedades pós-capitalistas, se  
tratando de glosas marginais sucintas, não é possível identificar perspectivas  
moralistas ou princípios normativos de justiça nas aspirações e análises de Marx. Alerta  
o autor de O Capital:  
O socialismo vulgar (e a partir dele, por sua vez, uma parte da  
democracia) herdou da economia burguesa o procedimento de  
considerar e tratar a distribuição como algo independente do modo  
36  
Procurando discutir uma perspectiva de “justiça enquanto práxis” voltada para as capacidades e  
necessidades dos indivíduos, baseada nos escritos do “jovem Marx” em que haveria uma visão  
ontológica dos seres humanos (Ribeiro, 2014, p. 954), argumenta o autor que na obra do alemão a  
“igualdade deve ser pensada enquanto práxis”, igualando o raciocínio para a justiça (p. 958 ) Para a  
justiça como práxis, não basta apenas interpretar “o mundo de diferentes maneiras; o que importa é  
transformá-lo”, como diz Marx [...] A justiça como práxis não se restringe ao consumo, mas considera,  
de forma mais ampla, as relações sociais entre os agentes,” (Ribeiro, 2014, p. 959). Afirmando existir  
uma “natureza injusta do sistema capitalista [...] [que] consideramos necessário indicar a natureza geral  
desta injustiça” (Ribeiro, 2014, p. 960).  
37 Apesar de ressaltar as críticas do “jovem Marx” à esfera da moralidade, aponta o autor que “tanto a  
crítica à exploração capitalista quanto o desenho de um novo modelo de organização social expostos  
por Marx estão baseados em princípios de justiça” (Fabres, 2014, p. 169), tendo em vista que haveria  
um “declínio da política de classes” com o fim da União Soviética e a necessidade de aproximar o  
marxismo de “princípios normativos” (ibidem).  
38 O autor procura apontar fundamentos éticos na crítica marxiana do sistema capitalista e na defesa do  
socialismo, apontando que haveria nesta crítica uma ética da libertação, sendo Marx um “moralista não  
assumido” que sempre rejeitou teses moralistas. Além disso, afirma que o fim do capitalismo é “apenas  
uma possibilidade cuja realização implica compromisso moral com a defesa de uma sociedade mais  
livre, mais justa e mais igualitária [...] [em] que a crítica da sociedade capitalista terá necessariamente  
de se apoiar na defesa de uma teoria da justiça” (Mendes, 2015, p. 55-56). Apoiado em autores do  
“marxismo analítico” que afirmam que a tanto a teoria da exploração no Capital, como a teoria da  
distribuição na Crítica ao Programa de Gotha incorporam princípios de justiça, conclui o autor que “pelo  
menos implicitamente, Marx considera o capitalismo como um sistema injusto, podemos admitir que a  
sua crítica implica uma condenação moral. (ibid., p. 59).  
39 Pachukanis (2017), ao concluir “que a moral, o direito e o Estado são formas da sociedade burguesa”,  
no contexto da sociedade soviética e do debate em torno de um “direito socialista”, ressalva sobre as  
ideologias que “o proletariado necessita usá-las [...] [mas] deve ter uma atitude crítica sóbria não apenas  
para com o Estado burguês e a moral burguesa, mas também para com seu próprio Estado e sua moral  
proletária, ou seja, conhecer a necessidade histórica tanto de sua existência quanto de seu  
desaparecimento” (PACHUKANIS, 2017, p. 160-161).  
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de produção e, por conseguinte, de expor o socialismo como uma  
doutrina que gira principalmente em torno da distribuição. Depois de  
a relação real estar há muito esclarecida, por que retroceder? (Marx  
2012, p. 34)40  
A valorização positiva da justiça, de modo acrítico, traz consigo à não  
consciência sobre a realidade da formação e da reprodução da sociedade civil-  
burguesa, de modo que se naturaliza a relação-capital e o trabalho assalariado,  
tornando-se mais fraca a perspectiva crítica ao modo de produção capitalista, com o  
consequente isolamento da esfera da distribuição das suas conformações concretas.  
III Considerações finais  
Marx, portanto, não pode ser tratado como um teórico da justiça ou do Direito.  
Na verdade, em sua obra, ele se destaca como um crítico da noção de justiça e de  
direito.  
Nesta pesquisa bibliográfica, pode-se notar que é bastante recorrente na  
literatura nacional de periódicos que trata, direta ou indiretamente, da ideia de justiça  
em Marx e no marxismo, a presença de uma tese de valorização positiva do sentido  
de justiça (ou teoria marxista da justiça), desgarrado do direito e isolado em relação  
ao momento preponderante da esfera produtiva.  
Além das posições menos ortodoxas de diversos “marxismos” contemporâneos,  
com variadas influências liberais, a fundamentação à tese de teoria marxista da justiça  
se deu de duas formas: primeiro, a partir da posição crítica de Marx à sociedade civil-  
burguesa, que teria conotação de denúncia à “injustiça social” e; segundo, com maior  
rigor teórico, as que identificam princípios normativos de justiça nas formulações  
propositivas sobre o socialismo e o comunismo nas glosas marginais críticas ao  
Programa de Gotha.  
A questão se torna mais complexa, pelo fato dos comentários de Marx ao  
Programa serem definitivamente marcados por uma crítica decisiva ao Estado, ao  
“igual direito” e à “justiça distributiva”, indicando continuidade de um caráter  
40 Ainda enquanto alerta, aponta Almeida (2018, p. 1602-1603-4) que a crença de setores da esquerda  
brasileira em uma “justiça verdadeira”, trata-se de um “fetichismo do direito”, que “confiante na  
edificação de um “outro direito” ou de um “direito emancipatório”, conectado com a realização dos  
direitos humanos e com a transformação social. Esta variante fetichista se contrapõe à versão positivista  
dominante, que caracteriza o direito pela sua neutralidade e objetividade, valorizando assim o respeito  
à ordem jurídica como garantia do “bem comum” e da “paz social [...] Estas ilusões parecem até aqui  
ter dominado o estado da arte da crítica jurídica no Brasil [...] Daí se conclui pela necessidade de  
construir outro tipo de direito, “alternativo” ao que está posto, “justo”, “crítico”, “emancipatório”, que  
supere o positivismo em direção a outro modelo de sociedade.”  
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Crítica da ideia de justiça em Marx a partir das Glosas marginais ao Programa de Gotha  
antimoralista em sua obra e sua trajetória, isto é, a prioridade ontológica da esfera  
produtiva em relação à “colossal superestrutura” (moral, direito, justiça, Estado...).  
A questão é complexa, especialmente pelo caráter ideológico e cotidiano da  
fraseologia de justiça que, por um lado, pode servir de denúncia e ponto de partida  
para tomada de consciência dentro do “limitado horizonte burguês”, mas, por outro,  
é idealista, pois tomado pelas limitações da esfera da distribuição que naturaliza  
anatomia da sociedade burguesa, afirmando a manutenção do trabalho assalariado e  
da miserabilidade.  
O problema, então, não na utilização da inescapável fraseologia da vida  
cotidiana, mas na força excessiva de valorização acrítica das ideias de justo e injusto  
que comumente vem associada à ideia de direito, justiça (re)distributiva, justiça social,  
justiça ecológica, justiça verdadeira etc.  
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Como citar:  
RODRIGUES, Arthur Bastos. Crítica da ideia de justiça em Marx a partir das Glosas  
marginais ao Programa de Gotha. Verinotio, Rio das Ostras, v. 29, n. 1, pp. 367-  
387; jan.-jun., 2024  
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ISSN 1981 - 061X v. 29 n. 1, pp. 367-387 jan.-jun., 2024 | 387  
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