DOI 10.36638/1981-061X.2024.29.1.714  
O terreno do direito achado na renda fundiária:  
introdução a uma crítica jurídica a partir do Livro  
III, de O capital de Marx*  
The Terrain of Law Found in Land Rent: Introduction to a  
Juridical Critique Based on Book III, of Marx’s Capital  
Ricardo Prestes Pazello**  
Resumo: Neste ensaio de interpretação,  
pretende-se dar continuidade à leitura do texto  
de Marx encontrado na seção VI, do livro III de O  
capital, quanto à problemática jurídica. Trata-se  
de leitura específica, ainda que descritiva, dos  
apontamentos do revolucionário alemão sobre o  
direito no contexto dos escritos sobre o processo  
global da produção capitalista. A metodologia de  
interpretação segue pesquisa anterior que  
estabeleceu os sentidos do direito no texto  
Abstract: In this interpretation essay, we intend  
to continue the reading of Marx’s text found in  
section VI, of book III of Capital, regarding the  
legal issue. This is a specific, albeit descriptive,  
reading of the German revolutionary's notes on  
Law in the context of writings on the global  
process of capitalist  
production. The  
methodology of interpretation follows previous  
research that established the meanings of Law  
in the Marxian text, understanding it as  
fundamentally characterized by legal relations  
that differ from mere normative dimensions.  
Regarding the advances achieved, Marx’s  
understanding of the “form of land ownership”  
that imposes specific relations in economic or  
legal spheres is contemplated. The “legal  
representation” results from a transformation  
historically parallel to the processes of  
subsumption of labor to capital and the  
derivation of social forms, starting with the  
original accumulation of capital. There is a  
contractualization of access to land, made  
capital through the specific legal notion of land  
ownership. Hence, the land rent is extracted. For  
the purposes of critical analysis of the Law, the  
specialization of agricultural work and the  
overexploitation of rural workers are  
marxiano,  
compreendendo-o  
como  
fundamentalmente caracterizado por relações  
jurídicas que se distinguem de meras dimensões  
normativas.  
Relativamente  
aos  
avanços  
alcançados, contempla-se o entendimento de  
Marx sobre a “forma da propriedade fundiária”  
que impõe relações específicas nos âmbitos  
econômicos ou jurídicos. A “representação  
jurídica” decorre de uma transformação  
historicamente paralela aos processos de  
subsunção do trabalho ao capital e da derivação  
das formas sociais, com início na acumulação  
originária  
do  
capital.  
Ocorre  
uma  
contratualização do acesso à terra, tornada  
capital por via da noção jurídica específica de  
propriedade fundiária. Daí se extrai, por  
decorrência, a renda da terra. Para fins de análise  
* Uma primeira versão deste texto, que agora aparece modificado e bastante ampliado, foi apresentada  
na mesa intitulada “Ecologia, gênero, direito e marxismo: contribuições dos estudos sobre renda  
fundiária para a organização popular”, por nós coordenada, durante o Colóquio Marx e o Marxismo  
2021 O futuro exterminado? Crise ecológica e reação anticapitalista (ver PAZELLO, 2021b).  
**  
Professor do Curso de Direito e do Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal  
do Paraná (UFPR). Pesquisador em estágio pós-doutoral do Programa de Pós-Graduação em Tecnologia  
e Sociedade da Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR). Líder do Núcleo de Direito  
Cooperativo e Cidadania (NDCC/UFPR). Pesquisador do GT de Direito e Marxismo do Instituto de  
Pesquisa, Direitos e Movimentos Sociais (IPDMS). Coordenador do projeto de extensão/comunicação  
popular Movimento de Assessoria Jurídica Universitária Popular - MAJUP Isabel da Silva, integrante do  
coletivo Planejamento Territorial  
e
Assessoria Popular (PLANTEAR), da UFPR. E-mail:  
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nova fase  
   
O terreno do direito achado na renda fundiária  
crítica ao direito, ressalta-se a especialização do  
trabalho agrícola e a superexploração do  
trabalhador rural, bem como a conformação de  
tradição cultural do capitalismo no campo que  
implicam a compreensão de como se opera  
produção de mais-trabalho a partir da renda  
fundiária, por isso haver o seu distintivo como  
transformação de mais-valia em renda. Todas  
essas noções são fundamentais para se pensar  
uma crítica marxista ao direito desde a América  
Latina.  
emphasized, as well as the formation of the  
cultural tradition of capitalism in the field, which  
implies an understanding of how to produce  
more work from land rent, so there is its  
distinctiveness as a transformation of surplus  
value into rent. All of these notions are  
fundamental to thinking about a Marxist critique  
of law from Latin America.  
Keywords: Land rent; Land ownership; Law and  
Marxism; Legal form.  
Palavras-chave: Renda da terra; Propriedade  
fundiária; Direito e marxismo; Forma jurídica.  
Introdução demarcatória  
A práxis inspirada pela obra de Karl Marx precisa levar adiante a tarefa, de  
cunho teórico, de compreender a totalidade dos fenômenos sociais e, ao mesmo  
tempo, encontrar a especificidade de suas formas. O processo histórico de  
desenvolvimento do capitalismo, que condiciona nosso atual modo de vida, requer tal  
dialética a fim de que se consiga saber o significado profundo de suas formas sociais  
e de que se possa intervir sobre elas. Neste sentido, a recuperação de alguns  
momentos menos debatidos da produção teórica marxiana apresenta-se como  
decisiva, até para dar conta de não só percorrer o caminho por ela mesma elaborado  
mas também para viabilizar sua continuidade com o desiderato radicalmente  
transformador que igualmente a caracteriza.  
É por isso que propomos, aqui, começar a realização de uma leitura de textos  
de Marx por ele legados como manuscritos e que foram sendo publicados após sua  
morte como consolidação de seu contributo para a história do pensamento crítico e  
das lutas sociais. Em específico, intentaremos demarcar a análise inicial dos capítulos  
(notadamente os de número 37, 38 e 45, em que estão delineadas as noções mais  
gerais que apresentam as rendas diferencial e absoluta da terra) os quais introduzem  
a temática da seção VI, do livro III, de O capital, dedicada à “Transformação do lucro  
extra em renda fundiária”, com o intuito de encontrar suas contribuições para a uma  
crítica ao direito, como forma social própria do capitalismo. A metodologia de  
efetivação de tal leitura no que tange ao direito será apresentada na sequência da  
abordagem sobre o texto. Antes, porém, gostaríamos de situar referidos manuscritos  
no todo da obra do autor, até para oportunizar o entendimento de sua valia em  
comparação aos textos mais conhecidos e publicados por ele mesmo em vida.  
O vasto território em que Marx situa sua produção teórica propicia compreender  
suas delimitações próprias, as quais buscaremos em O capital, fazendo dialogar  
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interpretações anteriormente havidas no contexto do livro I e que, agora, fazemos  
avançar para o livro III. Reconheceremos, nesse sentido, um terreno singular para tal  
debate, qual seja, o dos capítulos introdutórios ao problema da renda fundiária, tanto  
em seu cenário de renda diferencial quanto em sua paisagem ligada à renda absoluta.  
Pretendemos, assim, apontar para uma das lacunas mais sensíveis da crítica marxista  
ao direito contemporânea, a de compreender uma das dimensões instituintes da  
estrutura de classes de uma sociedade de capitalismo periférico como a nossa, vale  
dizer, a nossa base agrário-capitalista.  
1. O território marxista da crítica à economia política e ao direito  
Entendemos que, para realizarmos uma introdução à crítica jurídica extraível da  
análise da renda fundiária, é preciso posicionar minimamente os pressupostos  
marxianos que nos conduzirão ao alargamento de suas fronteiras de análise para  
estâncias ainda não bem estabelecidas. É mais que evidente que, por outro lado, não  
teríamos condição de recobrar todo o trajeto da crítica marxista ao direito, resgatando  
não só a imensidão da obra de Marx mas também a de seus continuadores nas suas  
mais diversas vertentes. Resignados ante tal inviabilidade, entendemos aqui ser  
suficiente assinalar o lugar do livro III de O capital na produção teórica mesma de Marx,  
uma vez que será o escrito marxiano ao qual nos dedicaremos mais de perto, assim  
como resenhar a cartografia singular deste mesmo livro III para, em seguida,  
reapresentar considerações sobre nossa investigação anterior a respeito do direito  
achado n’O capital, livro I. A partir, portanto, de um esforço de fundamentação da  
implicação entre relações sociais de produção e relações jurídicas (ou seja, de  
compreensão do direito, tal qual o valor, como dimensões eminentemente relacionais  
da vida social e não meramente normativas), propomos uma liminar aproximação à  
crítica geral definida por Marx, tal como segue.  
1.1. O lugar do livro III de O capital na produção teórica de Marx  
O livro III de O capital foi publicado por Friedrich Engels, em 1894, mais de dez  
anos após o falecimento de Marx, a partir de um laborioso estudo havido junto aos  
seus originais não editados. Portanto, trata-se de um conjunto de anotações que  
compõem um quadro ainda maior de manuscritos sistematizados em materiais  
elaborados entre 1863 e 1865 e antecedidos por cadernos redigidos entre 1861 e  
1863. Segundo Enrique Dussel, estamos diante de quatro redações de O capital,  
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sendo que o livro III é escrito na segunda e, fundamentalmente, na terceira delas: “esta  
foi a única vez na vida de Marx em que escreveu por inteiro os três livros de O capital.  
É, além disso, o único texto completo (embora em certas partes seja apenas um  
esboço) dos livros II e III” (DUSSEL, 2011, p. 38). O estudo do filósofo argentino-  
mexicano revela, porém, que há materiais escritos no período da quarta redação que  
também são do livro III. A propósito, na interessante interpretação filológica de Dussel,  
as quatro redações se referem a: 1ª) o período entre 1857 e 1858, que engloba a  
elaboração dos Grundrisse (“elementos fundamentais”) e do Urtext (“texto original”);  
2ª) o período dos Manuscritos de 1861-1863, o qual tem seu anúncio já na  
Contribuição à crítica da economia política, livro de 1859; 3ª) o período dos  
Manuscritos de 1863-1865 que, como vimos, abarca uma redação global dos três  
livros de O capital; e, por fim, 4ª) o período que se inicia em 1866 e assiste à  
publicação de O capital em 1867, recebendo uma segunda edição em 1873 e uma  
tradução para o francês em 1875, seguindo-se de manuscritos que alcançam até o  
ano de 1882.  
Logo, estamos diante de toda uma vida dedicada a formular e reformular,  
constantemente, uma crítica à economia política, a propósito da compreensão dos  
fundamentos da realidade social e de sua transformação. Compreender o capitalismo  
e fazer a revolução socialista, portanto, também impunham uma tarefa teórica, a qual  
Marx, aliás, iniciara cerca de duas décadas antes de começar a redigir os Grundrisse.  
Com isso indicamos que o interesse de Marx pela economia política não se delimita ao  
período de 1857 em diante, mas nele se amadurece sensivelmente. Mesmo assim,  
seria interessante destacar que pelo menos desde 1842, quando escreveu acerca, por  
exemplo, dos debates sobre a lei de furto de madeira, e especialmente a partir do  
contato travado com Engels, que lhe apresenta a economia política clássica em famoso  
artigo publicado em 1844, Marx se atinha ao que chamava de “interesses materiais”  
(MARX, 2009, p. 46).  
1.2. A ampla região do livro III de O capital  
Dadas as linhas gerais do contexto no qual se insere o livro III dentro da obra  
de Marx, faz-se-nos interessante apresentar muito sumariamente a proposta deste  
momento de reflexão sobre o capital, a partir da edição organizada por Engels, a fim  
de se localizar o estudo de Marx sobre a renda da terra. Como consta de seu subtítulo,  
trata-se de investigação sobre “O processo global da produção capitalista”, após a  
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lógica de exposição de Marx apresentar os processos de produção e circulação do  
capital nos livros I e II, respectivamente. Considerando que a categoria de mais-valia  
já havia sido explicitada no primeiro livro e que, no segundo, se demonstra sua  
reprodução pelos ciclos e rotação do capital, o terceiro livro permite ascender ao  
concreto a partir das várias transformações que o capital sofre, tendo em vista a  
totalidade na qual o seu objeto se assenta. Assim, vemos a transformação da mais-  
valia em lucro, tendo por pivô a noção de preço de custo; a transformação do lucro  
em lucro médio, acúmulo nodal para a compreensão da sequência da obra; a  
transformação do capital mercantil e monetário em capital comercial; bem como a já  
referida transformação do lucro extra em renda fundiária, a qual receberá nossa maior  
atenção. Estão aqui sumariadas, então, as seções I, II, IV e VI, respectivamente.  
Além de tais transformações do capital, que marcam bem o método de Marx  
não baseado em conceitos estanques mas em categorias tradutoras do movimento das  
formas sociais (o mais próximo possível de sua realidade), outras duas muito  
importantes geram impactos sensíveis na recepção da obra contemporaneamente, por  
se referirem ao problema das crises do capitalismo e de sua financeirização. Referimo-  
nos à lei da queda tendencial da taxa de lucro, por um lado, e ao capital portador de  
juros, por outro. A tendência de queda da taxa de lucro costuma ser um argumento ao  
qual se recorre constantemente nos estudos mais atuais para a explicação das  
constantes e mais incisivas crises do capital. Este tema é próprio da seção III. Já a  
divisão do lucro em juros e ganho empresarial, conformando o ambiente de intelecção  
do capital portador de juros, sugere aproximações que, de fato, são fundamentais para  
se entender a economia financeirizada atualmente, pautada por um verdadeiro capital  
fictício. Eis a seção V do livro. Afora estas, cabe também referência à última seção  
dedicada a uma espécie de teoria geral dos rendimentos, segundo a fórmula trinitária  
de suas fontes e que vai abrir espaço para se pensar ainda que sob a pena de Marx  
com certa provisoriedade a concorrência e as classes sociais (último capítulo não  
terminado pelo autor).  
Como fizemos perceber, não nos empenharemos em resenhar ou sintetizar o  
livro III de O capital como um todo. Nosso intuito aqui é apenas o de indicar o seu  
percurso a fim de mais bem posicionar a questão da renda fundiária sob a ótica  
marxiana. De todo modo, a simples descrição das partes da obra já indica a  
característica que marca a reflexão do autor, compreendendo o capital a partir de seus  
desdobramentos categoriais.  
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A proposta, a partir de agora, será a de inventariar as referências que Marx  
realiza a respeito da problemática jurídica no âmbito de seu estudo sobre a renda  
fundiária, sob a justificativa de que a concretude dos capítulos dedicados ao tema bem  
como a reconhecida centralidade para se compreender o capitalismo dependente  
favorecem a elaboração de comentários, ainda que bastante provisórios, para  
continuarmos desenvolvendo uma crítica marxista ao direito, desde um marxismo  
assumidamente latinoamericanizado.  
1.3. Sobre o direito achado n’O capital, livro I: as fronteiras precedentes  
Para envidarmos tal proposta, de nossa parte, resgataremos a metodologia de  
análise geral utilizada em pesquisa anterior, a partir da qual encontramos os sentidos  
do direito no primeiro livro de O capital. Não sem certa provocação, chamamos o  
resultado desta análise de “O direito achado n’O capital” (PAZELLO, 2021a, p. 48 e  
seguintes) e, em breves linhas, é dela que trataremos a seguir.  
Realizando uma leitura do livro I de O capital, pudemos sistematizar ali a  
existência de, ao menos, quatro sentidos possíveis para o direito, afora as significações  
análogas. Ademais, como se trata da obra máxima de Marx, verificar a presença de  
959 referências a alguma dimensão do fenômeno jurídico, tendo por base a  
identificação dos sentidos aludidos, não é de se desprezar. O principal deles e mais  
nevrálgico para o que se delineará aqui como contribuição de análise é o sentido de  
relação jurídica, uma vez que o seu encontro nos posiciona diante da própria teoria  
do valor. A propósito, é no famoso parágrafo inicial do capítulo 2 do livro I que se  
esboça este sentido, quando Marx (2014, p. 159) diz que as mercadorias não vão por  
si se trocarem no mercado e dependem de seus “possuidores de mercadorias” se  
relacionarem para, a partir de “um ato de vontade comum”, estabelecerem uma  
“relação jurídica, cuja forma é o contrato, seja ela legalmente desenvolvida ou não [...]  
na qual se reflete a relação econômica”. Ou seja, na relação há o reconhecimento  
recíproco de que ela mesma é constituída por “proprietários privados” e todas essas  
noções enfeixam-se de modo tal a criarem o sentido essencial da forma jurídica (ou,  
poderíamos dizer, a relação jurídica essencial), desde Marx. Assim sendo, aparições  
categoriais como as de posse/propriedade (e, por decorrência, os sujeitos possuidores  
e proprietários), contrato, ato de vontade, momento legal da relação jurídica esta  
última em si já uma categoria própria – e “reflexo” da relação econômica, todas elas  
sugerem o cerne do debate jurídico sob o prisma marxiano.  
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Segundo nossa interpretação, aí está a essência da análise de Marx, ainda que  
não especificamente sistematizada, sobre o direito. Acompanham-na, no entanto,  
outros sentidos da juridicidade em sua obra cuja caracterização entendemos  
encontrar-se no âmbito da aparência deste fenômeno. Se no capítulo 2 inaugura-se,  
classicamente, a abordagem essencial da relação jurídica, nos capítulos 8 e 13 não  
negligencia Marx o estudo dos sentidos aparentes materializados em fontes  
legislativas e judiciais. Não à-toa nos reportamos aos dois capítulos porque um  
(capítulo 8), ao tratar da jornada de trabalho, apresenta uma longa descrição da  
legislação fabril inglesa, o que denominamos de verdadeira “sociologia da legislação  
fabril” (PAZELLO, 2021a, p. 65 e seguintes); e o outro (capítulo 13), ao historicizar o  
período da maquinaria e grande indústria, também relata, com certo fôlego, a nova  
legislação fabril do período. No encalço da discussão sobre os atos normativos mais  
gerais, Marx também consulta vários pronunciamentos judiciais, o que representa ao  
mesmo tempo as fontes para estudo da sociedade do capital mas também o  
reconhecimento de relativa autonomia dos centros produtores de tais documentos  
jurídicos que, sem dúvida, também podem ser tidos como políticos, agregadamente.  
O fato é que esta chave de leitura dos sentidos do direito em Marx, divididos  
mais amplamente entre seus âmbitos essencial e aparentes, oportuniza uma  
operacionalização da leitura dos seus textos com foco na questão jurídica. Apesar de  
não serem textos sobre o direito, o jurídico aparece reincidentemente e a presente  
metodologia é um esforço de sistematização, dentre os possíveis esforços, que serve  
para estendê-lo também ao estudo do trecho do livro III ao qual pretendemos nos  
dedicar. Indiquemos, ainda, que o quarto sentido aventado, em torno de uma noção  
(crítica) de justiça, é tão lacônico que sobre ele não cabe aqui grande aprofundamento  
(isto porque Marx a ele se refere muito mais como uma contraposição do que uma  
proposta de análise).  
Esboçada a apresentação de tal metodologia, desenvolvida em pesquisa  
anterior, demos o passo definitivo para nos aproximarmos de sua aplicação aos  
capítulos sobre a renda da terra, no livro III. Não sem antes acentuar a existência de  
um percurso de pesquisa que marca nossos interesses de investigação mais  
recentemente. Trata-se do caminho que parte da atenção dada à acumulação originária  
do capital e passa pelo debate sobre a subsunção do trabalho ao capital até chegar à  
renda fundiária.  
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O terreno do direito achado na renda fundiária  
2. O terreno do direito achado na renda fundiária diferencial e absoluta  
Apresentamos, agora, nossa prospecção relativa às preciosas indicações que  
Marx faz, no livro III de O capital, ao problema da renda fundiária, nos dois casos sobre  
os quais se debruça, procurando extrair daí alguns raciocínios a propósito do direito,  
coerentes, aliás, com o direito achado no livro I. Antes, porém, de dedicarmos atenção  
especial aos capítulos mais introdutórios à renda fundiária diferencial e, depois,  
absoluta, vale a pena também um breve excurso sobre como podemos chegar à  
categoria “renda fundiária” na obra de Marx, resgatando um percurso prévio de sua  
produção. Ressaltamos, entretanto, que tal resgate nem de longe esgota as  
possibilidades de sua análise, ainda que aponte para contribuições nevrálgicas a nosso  
argumento desde a crítica marxiana à economia política, por conseguinte, ao direito.  
2.1. Um prévio percurso possível até a renda fundiária  
Acreditamos ser interessante demonstrar um arco de reflexões de Marx que  
pode servir de bússola para uma melhor compreensão do debate sobre a renda a terra  
desde este autor. É verdade que haveria muitos textos atacando o problema, desde os  
já citados debates sobre furto de lenha até os Grundrisse (MARX, 2017b; 2011).  
Posteriormente, contudo, é que categorias fortes entrariam em seu debate, como  
acumulação originária do capital e subsunção do trabalho ao capital. A partir delas, a  
discussão sobre a renda fundiária ganha, a nosso ver, contornos mais instigantes.  
Ainda sobre o assunto, tomemos um dos exemplos de reconstituição do  
itinerário marxiano mais amplo como é o de Dussel, ao indicar que  
hay etapas en la constitución del concepto de renta en Marx: l] En los  
Manuscritos del 44 (donde se relaciona la renta con la propiedad del  
suelo); 2] En La miseria de la filosofía; 3] En los Cuadernos de extractos  
de Londres (1851-1856) (donde comienza la crítica sistemática contra  
Ricardo); 4] En los Grundrisse; 5] En los Manuscritos de1 61-63  
(donde descubre el concepto “científico” de renta), y 6] En el  
Manuscrito principal del libro III que estamos comentando (DUSSEL,  
1990, p. 118).  
Não temos condições de seguir tal trajetória de Marx em torno da discussão  
sobre a categoria “renda”, mas, de qualquer forma, registramo-la. Nossa opção, assim,  
é por destacar, tal como assinalamos antes, dois momentos que não coincidem com  
essa estrita correlação categorial, cuja visualização se dá a partir da assim chamada  
acumulação primitiva e da subsunção (formal e, depois, real) do trabalho. Aqui,  
também, evidentemente, haveria muito o que ser dito, porém restringir-nos-emos a  
uma breve passagem sobre tais argumentos para enredar nossa proposta mais ampla  
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Ricardo Prestes Pazello  
de interpretação.  
Com a acumulação que preferimos chamar de originária do capital, e não  
primitiva conforme as traduções mais difundidas (para tanto, ver PAZELLO, 2016),  
assistimos à interpretação histórica de Marx (2014, p. 785 e seguintes), no final do  
livro I, de O capital, sobre gênese agrícola do capitalismo, em coalizão com sua  
expansão marítimo-mercantil. Expropriação da terra e colonialismo geram o  
entroncamento que origina o modo capitalista de produzir a vida. A autonomia da  
renda da terra em face das outras fontes de riqueza, como lucro e salário para  
lembrar a fórmula trinitária na qual Marx (2017a, p. 877) encontrou “todos os  
segredos do processo de produção social” – inequivocamente encontra suas raízes  
neste que é um processo de transição. Por se tratar de uma transição, inclusive, o  
mesmo processo é descrito de outro modo quando da referência que Marx (2022) faz  
à outra das categorias que realçamos, qual seja, a da passagem da subsunção formal  
à subsunção real do trabalho ao capital, sendo que não apenas a desvinculação do  
produtor com relação à terra prevalece, mas também relativamente a todos os demais  
meios de produção (subsunção formal) até se chegar ao seu próprio saber-fazer  
(subsunção real). Ou, para usar as palavras de um intérprete, há a “expropriação do  
conhecimento dos agentes produtivos”, logo a “materialização desse saber numa  
forma externa aos mesmos” (ROMERO, 2007, p. 127).  
Pois bem, a lógica da expropriação rege os pressupostos que permitem uma  
visualização mais robusta da questão da renda da terra. Trata-se de um processo de  
contínua violência que vai se normalizando, a partir das transformações impostas pelo  
capital à produção social da riqueza, criando formas próprias a ele, ou seja, formas  
subsumidas, subordinadas, derivadas e incluídas. Em face disso, com relação à questão  
fundiária o problema ganha contornos equivalentes e o direito é uma das dimensões  
que sobre ela atua. Senão vejamos.  
2.2. Sobre o direito achado na renda diferencial da terra: uma visita a seus capítulos  
iniciais  
Nos capítulos 37 (“Preliminares”) e 38 (“A renda diferencial: considerações  
gerais”) do livro III de O capital, Marx destaca algumas questões introdutórias sobre a  
renda da terra em face das quais passaremos a nos posicionar agora cabendo  
destacar que os próximos seis capítulos da seção (do 39 ao 44) aprofundam tais  
noções centrando-se nas formas da renda diferencial. Na realidade, acaba sendo  
relevante lembrar que a organização do livro III foi feita por Engels, uma vez que os  
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O terreno do direito achado na renda fundiária  
escritos de Marx seguem um caminho lógico de redação, ainda que convivam também  
com uma proposta de redefinição da ordem dos capítulos. Sobre o assunto, novamente  
nos valemos de Dussel para relembrar que fôra o próprio Marx quem sugerira uma  
readequação de tal ordenação, em excerto do capítulo 43: “en el Manuscrito” – que é  
como o filósofo latino-americano se refere ao texto em que se encontra o estudo sobre  
a renda da terra alocada no livro III, já que sua investigação se debruçou sobre os  
originais que estavam no Instituto Marxista Leninista de Berlim, em 1987 (DUSSEL,  
1990, p. 9) – “Marx desarrolla el orden lógico. Sin embargo, él mismo propone otro  
orden – y en éste se inspiró Engels” (DUSSEL, 1990, p. 117). Tal como Dussel,  
reproduzamos essa repropositura do texto marxiano por seu próprio autor:  
A renda deve ser tratada sob as seguintes rubricas:  
A. Renda diferencial.  
1. Conceito da renda diferencial. Ilustração com a energia hidráulica.  
Transição para a renda agrícola propriamente dita.  
2. Renda diferencial I, que surge da diferente fertilidade de diferentes  
solos.  
3. Renda diferencial II, que tem origem nos sucessivos investimentos  
de capital no mesmo solo. Deve investigar -se a renda diferencial II:  
a. com preço de produção constante;  
b. com preço de produção decrescente;  
c. com preço de produção crescente.  
Além disso:  
d. transformação do lucro extra em renda.  
4. Influência dessa renda sobre a taxa de lucro.  
B. Renda absoluta.  
C. Preço da terra.  
D. Considerações finais sobre a renda fundiária (MARX, 2017a, p.  
787-788).  
Quer dizer, a disposição dos textos manuscritos de Marx sobre a renda fundiária  
não coincidiu com o que ele pretendia expor, recolocando o problema da distinção  
entre método de investigação e método de exposição. Independentemente disso,  
vamos seguir aquele que parece ser o itinerário argumentativo mais plausível e que  
está vertido na organização engelsiana do texto. Assim, desde logo, podemos  
considerar que o ponto de partida de Marx parece ser mesmo o entendimento de que  
“a agricultura está dominada pelo modo de produção capitalista exatamente do mesmo  
modo que a manufatura” (MARX, 2017a, p. 675). Tendo isso assentado,  
imediatamente em seguida, ainda no primeiro parágrafo do capítulo 37 o primeiro  
da seção VI tal como disposta seguindo o método de exposição acima aludido , ele  
caracteriza a “forma de propriedade fundiária” como “uma forma histórica específica,  
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a forma transformada mediante a influência do capital e do modo de produção  
capitalista” (MARX, 2017a, p. 675 – itálico no original). Esta “forma transformada”,  
longe de ser uma redundância, é uma ênfase que permite compreender o movimento  
explicativo marxiano originado com as noções de expropriação e subsunção. Assim,  
expropriação, subsunção e transformação filiam-se ao mesmo percurso teórico que  
desemboca, metodicamente, em uma compreensão histórica das formas sociais.  
Marx se esforça, aqui, para afastar quaisquer universalismos ou seja,  
etnocentrismos – da análise das formas sociais e acentua a existência de uma “forma  
moderna da propriedade fundiária” cuja marca é a de carregar consigo “relações  
específicas de produção e de intercâmbio” (MARX, 2017a, p. 676). E no bojo de tais  
especificidades, já nos revela a problemática jurídica de fundo: “a representação  
jurídica da livre propriedade do solo” nada mais é que a implicação de que “o  
proprietário fundiário pode proceder com a terra tal como o proprietário de  
mercadorias o faz em relação a estas últimas” (MARX, 2017a, p. 677). Em resumo, ao  
tempo em que define a propriedade fundiária, Marx sobre ela reflete indicando sua  
dimensão jurídica, assim como, no capítulo 2 do livro I de O capital, liga a troca  
mercantil à relação jurídica. Logo, estamos diante da relação jurídica, em seu sentido  
essencial, ainda que percebida a partir da especificidade proprietária (privada).  
A propriedade é, portanto, a representação jurídica que o capital cria para  
traduzir em seus termos a apropriação da terra. Eis a definição contundente de Marx:  
“a propriedade fundiária baseia-se no monopólio de certas pessoas sobre porções  
definidas do globo terrestre como esferas exclusivas de sua vontade privada, com  
exclusão de todas as outras” (MARX, 2017a, p. 676). Percebamos a vinculação entre  
propriedade, vontade privada e exclusividade como o negativo da fotografia sobre a  
relação de troca sob o capitalismo. Daí aparecer com evidência a “representação  
jurídica” independentemente de uma positivação em lei pública – o momento aparente  
da juridicidade , o que permite a Marx, desde logo, uma crítica a Hegel e sua  
compreensão sobre o “direito positivo” (MARX, 2017a, p. 677, nota 26). Portanto,  
podemos dizer que a noção de “representação jurídica” é a mudança qualitativa que  
adquire a propriedade privada do solo quando “transformada”, quer dizer, quando  
transita para uma forma jurídica propriamente dita, sendo que antes, desde esse ponto  
de vista, era apenas uma protoforma (apesar de, inegavelmente e nem o Marx o nega  
ou mesmo teria condições de negar , existir antes de disso).  
No contexto de discussão da origem do capitalismo e sua relação com a  
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propriedade fundiária, Marx relembra explicitamente o capítulo 24 do livro I de O  
capital, mencionando sua categoria de acumulação originária, referindo-se inclusive à  
noção de expropriação. Como a senda subsuntiva de seu argumento prevalece, ele  
ressalta que as “formas jurídicas” anteriores ao capital (no âmbito da questão da terra  
adiciona-se uma complexidade à intelecção dessas formas, pois elas são protoformas  
do ponto de vista do capitalismo, mas formas pregressas do ponto de vista da  
cosmovisão medieval) “se transmutam na forma econômica correspondente a esse  
modo de produção” (MARX, 2017a, p. 678). Isto se confirma, segundo Marx, porque  
“todos os enfeites e amálgamas políticos e sociais” servis desaparecem, liberando-se  
a terra para um novo modo de produzir, baseado na “redução da propriedade da terra  
ad absurdum” (MARX, 2017a, p. 679), já que propriedade e solo/posse estão  
separados desde logo.  
O capitalismo se apodera da terra contratualizando-a a partir da relação entre  
arrendatário e proprietário fundiário. O contrato daí decorrente implica a existência de  
um pagamento da renda da terra, que vai redundar na terceira grande fonte da  
produção social e vai, portanto, complexificar a análise das classes sociais. Mais à  
frente, já no capítulo seguinte, Marx assevera que “em nada alteraria as coisas se o  
próprio capitalista fosse proprietário” (MARX, 2017a, p. 709), no sentido da extração  
de uma renda da terra, ainda que do ponto de vista das classes sociais, é forçoso que  
o digamos, tudo se altera com isso e é exatamente o que estamos vivenciando na  
agricultura capitalista contemporânea, em especial em contextos periféricos como o  
da América Latina (verificar, por exemplo, FERNANDES; SANTOS, 2020).  
A relação jurídica da propriedade fundiária e o contrato são as grandes  
expressões da juridicidade no âmbito da discussão marxiana sobre a renda diferencial  
da terra. Todas estas questões sugerem o sentido de direito como relação jurídica,  
aquele sentido mais essencial descoberto desde o livro I de O capital. Relação jurídica  
e econômica continuam imbricadas, mas com a especificidade da questão fundiária:  
“um dos segredos [...] do crescente enriquecimento dos proprietários fundiários” reside  
no fato de que se “vende não apenas o solo, mas o solo melhorado, o capital  
incorporado à terra, que não lhe custou nada” (MARX, 2017a, p. 680), a partir dos  
investimentos dos arrendatários capitalistas.  
Após consolidar tal explicação essencial, tal como a consideramos, sobre o  
direito no âmbito da renda da terra, Marx abre espaço para contínuas referências a  
legislações rurais, mantendo-se coerente com seu apelo a fontes de pesquisa que  
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denotam haver, sob sua pena, uma sociologia legislativa agora agrícola, já que antes,  
nos capítulos 8 e 13 do livro I, fabril (há, contudo e como sabemos, ampla  
referenciação marxiana, ainda no livro I, sobre legislações aplicadas ao âmbito rural).  
É o que vemos no conjunto de suas indicações sobre uma “legislação rural irlandesa”  
(MARX, 2017a, p. 686), “leis dos cereais de 1815” (MARX, 2017a, p. 687), e “leis dos  
pobres nos distritos agrícolas” (MARX, 2017a, p. 688), dentre outros exemplos. Além  
de isso, ao mencionar um discurso parlamentar britânico, traz em sua citação  
referências à criminalização do pauperismo, já que suas vítimas lançam mão dos mais  
diversos recursos para sobreviver e, por óbvio, o judiciário os condena: “por esse delito  
[furto de trave de madeira de 6 pence], os juízes de paz o condenaram a 14 ou 20  
dias de prisão” (BRIGHT apud MARX, 2017a, p. 693). Eis, portanto, um legislativo e  
um judiciário de classe. Logo, os sentidos aparentes do direito ganham seu lugar na  
análise de Marx sobre as questões preliminares à explicação da renda fundiária.  
Curioso é notar, ainda, que no contexto da discussão sobre o pauperismo, não  
por acaso mencionado ao lado escravidão, em especial a havida nos Estados Unidos,  
Marx percebe a situação do trabalhador agrícola de modo muito peculiar: “a  
compressão do salário do trabalhador agrícola propriamente dito abaixo de seu nível  
médio normal, de modo que ao trabalhador é subtraída uma parte do salário” (MARX,  
2017a, p. 688). Trata-se de um dos estabelecimentos primeiros de uma  
superexploração da força de trabalho (que se repete, exemplarmente, em vários outros  
instantes do livro III, ainda que não só), antecipando e inspirando toda uma tradição  
marxista que estudou a dependência e o subdesenvolvimento.  
Seguindo este caminho, Marx conclui seu capítulo 37 do livro III de O capital  
indicando que  
a peculiaridade da renda fundiária não está nos produtos agrícolas se  
transformarem em valores e evoluírem como tais, isto é, que eles como  
mercadorias se defrontem com outras mercadorias e que os produtos  
não agrícolas se defrontem com eles como mercadorias ou que se  
desenvolvam como expressões particulares do trabalho social. A  
especificidade é que, com as condições em que os produtos agrícolas  
se desenvolvem como valores (mercadorias) e com as condições de  
realização de seus valores, há também o poder da propriedade  
fundiária de apropriar-se de uma parte crescente desses valores  
criados sem sua participação, e uma parte cada vez maior do mais-  
valor é convertida em renda fundiária (MARX, 2017a, p. 701).  
Ou seja, a “peculiaridade” da relação jurídica essencial proprietária é, do ponto  
de vista de um direito de propriedade fundiária, garantir a renda da terra (logo,  
“também o poder da propriedade fundiária de apropriar-se [...de] valores criados sem  
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sua participação” – ressaltemos a importância da palavra “também”, na frase, porque  
a renda da terra tem outras dimensões, as quais, do ponto de vista do direito,  
relacionam-se à contratualização e à representação jurídica).  
A contribuição que a análise marxiana dá ao debate é sensível. Há uma  
especificidade da renda da terra. No entanto, ela é subsumida à lógica do capital, ainda  
que preservando sua autonomia como fonte de riqueza. Nem por isso, porém, o  
“trabalho puramente agrícola” deixa de estar vinculado ao desenvolvimento do  
capitalismo, não devendo ser encarado como “natural espontâneo”, já que sumamente  
“moderno” (MARX, 2017a, p. 694). A nosso ver, o interessante é perceber que essa  
dialética entre autonomia e atrelamento está premida igualmente pela lógica da  
relação jurídica que acompanha a circulação mercantil e a titularidade dos sujeitos de  
direito proprietários. No caso, proprietários da terra e não dos meios maquinais de  
produção. Assim é que Marx vai passar a distinguir a renda da terra a partir de agora,  
ressaltando seu caráter diferencial no quadro da produção social (logo, capitalista) de  
riquezas.  
O capítulo 38, por seu turno, é bastante objetivo no que tange a possíveis  
inferências a respeito da juridicidade em seu conteúdo. As remissões transitam entre  
o sentido relacional do direito, a partir da figura do proprietário de terras como sujeito  
jurídico, e o sentido econômico, marcadamente insculpido na lógica da regulação do  
que o “preço de produção” como “preço regulador de mercado” (MARX, 2017a, p.  
704) é o seu maior exemplo. Estas últimas questões (vinculadas à regulação  
econômica) aparecem ao longo do texto marxiano e também podem ser notadas no  
capítulo 45, ao qual nos referiremos a seguir sem destacar esta dimensão que fica só  
aqui consignada. Já tivemos oportunidade. todavia, de emparelhar, ainda que as  
caracterizando como análogas, as dimensões de regularidade geral, regulação  
econômica e regulação jurídica (ver PAZELLO, 2021a, p. 51). Elas comportam, então,  
tanto um sentido relacional (notadamente a segunda e terceira) quanto de legalidade  
(científico-natural, econômico-política e político-jurídica).  
Trata-se de um capítulo, este 38, bastante elucidativo no que tange ao caráter  
social da produção capitalista, aplicando em concreto o entendimento de  
“transformação”. Trabalhando com a problemática do lucro extra, Marx alcança a  
categorização da renda diferencial. O lucro extra representa o resultado de produção  
com custos abaixo da média social. Sendo assim, tal lucro é “igual à diferença entre o  
preço de produção individual [...] e o preço de produção social geral” (MARX, 2017a,  
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p. 704). Analogamente a isto, Marx infere que as “forças naturais [...] são tão  
monopolizadas pelo capital quanto as forças sociais naturais do trabalho” (MARX,  
2017a, p. 706) e a partir daí exemplifica com o caso do lucro extra obtido com uma  
queda-d´água natural ao invés da força motriz advinda do carvão. Aqui, este lucro  
decorre da “maior força produtiva natural espontânea do trabalho, vinculada à  
utilização de uma força natural, que não se encontra à disposição de todo capital na  
mesma esfera da produção” (MARX, 2017a, p. 707). Neste contexto, o problema do  
direito parece se aproximar de nova silhueta: “a posse dessa força natural constitui um  
monopólio nas mãos de seu possuidor, uma condição da elevada força produtiva do  
capital investido que não pode ser engendrada pelo próprio processo de produção do  
capital; essa força natural, assim monopolizável, está sempre ligada à terra” (MARX,  
2017a, p. 708). Aparece aqui a dimensão do monopólio na posse, o qual é justificado  
pela relação jurídica de propriedade. Portanto, outra faceta do sentido essencial do  
direito, no âmbito fundiário.  
Em realidade, ao afirmá-lo, estamos nos questionando se sem a relação  
(jurídica) de propriedade poderia ser transformado em outras palavras, garantido –  
o lucro extra em renda fundiária. Ante a questão, parece Marx querer responder o  
seguinte:  
a propriedade da terra não cria a parcela de valor que se transforma  
em lucro extra, apenas capacita o proprietário fundiário, o proprietário  
da queda-d’água, a transferir esse lucro extra do bolso do fabricante  
para seu próprio bolso. Ela é a causa não da criação desse lucro extra,  
mas de sua conversão à forma da renda fundiária e, assim, da  
apropriação dessa parte do lucro ou do preço da mercadoria pelo  
proprietário fundiário ou proprietário da queda-d’água (MARX,  
2017a, p. 710).  
A noção de “capacitar” a transferência do lucro extra atrela-se à juridicidade e  
é mais uma modalidade da forma jurídica nesse contexto, que gera uma transformação  
social e cultural do latifúndio. Portanto, propriedade da terra, contratualização e  
capacitação são faces do mesmo diamante fundiário. E, com isso, contribui-se para  
uma melhor caracterização do direito neste ambiente. Como este apresenta-se  
marcado pela transformação da mais-valia em lucro e o lucro em renda, temos um fio  
condutor da interpretação: a necessidade de compreender a especificidade da  
dimensão fundiária (tão importante, aliás, para contextos como os da América Latina  
coeva, desde onde falamos). De algum modo, contrastando a explicação sobre a renda  
diferencial com a da renda absoluta, é possível dar um passo a mais, bastante  
importante, rumo a essa elucidação. Vejamos, então, como isso se dá a seguir.  
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2.3. Sobre o direito achado na renda absoluta da terra: uma paragem em seu capítulo  
geral  
No capítulo 45, cujo título é “A renda fundiária absoluta”, Marx avança para  
uma segunda expressão da renda da terra. No entanto, realiza-a de maneira  
comparativa, contrastando o que pretende caracterizar como renda absoluta  
justamente com a renda diferencial (que, como dissemos, possui oito capítulos do  
37 ao 44 dedicados a ela). Cerca de metade do que Marx escreveu neste capítulo  
tem a ver com esta última. A partir, todavia, da reflexão sobre situações fundiárias em  
que a produtividade do solo e mesmo a produtividade do trabalho são, por  
comparação, insuficientes para se explicar a renda da terra é que Marx chega à renda  
absoluta: “uma renda do solo independente da diferença na fertilidade dos tipos de  
solo ou dos sucessivos investimentos de capital no mesmo solo; em suma, a existência  
de uma renda distinta da renda concebida como diferencial e que, por isso, podemos  
designar como absoluta” (MARX, 2017a, p. 821).  
Sendo a renda absoluta caracterizada por um “preço monopólico” e que este,  
por sua vez, “consiste em não serem [os produtos agrícolas] nivelados ao preço de  
produção” (MARX, 2017a, p. 823) – a tal ponto de uma autora como Vânia Bambirra  
(2019, p. 184), de nodais contribuições ao marxismo latino-americano, subscrever a  
tese de que “a renda absoluta provém da propriedade monopólica da terra”, o que  
não parece ser o mais exato ainda que facilite a uma explicação didática da questão –  
podemos destacar, por assim dizer, uma nova fenomenologia da transformação que  
se opera com a renda da terra, se tomada em consideração a renda diferencial. Aqui,  
a “renda absoluta, derivada do excedente do valor sobre o preço de produção, é  
apenas parte do mais-valor agrícola”, ou seja, há uma “transformação desse mais-valor  
em renda, a captação dele pelo proprietário da terra” (MARX, 2017a, p. 824). O que  
queremos fazer notar é que a transformação da propriedade fundiária em uma forma  
moderna de propriedade logo, uma forma-propriedade fundiária exige a  
fundamental transformação, corolário de muitas outras, da mais-valia em lucro extra e  
deste em renda. Dessa maneira, a realidade do fenômeno jurídico que se lobriga –  
ainda que com certa sofreguidão acompanha a realidade da relação social de  
produção que o capitalismo impõe sob suas subsunções, para usar o termo sem o  
mesmo rigor que antes.  
É bom resgatar, nessa seara de considerações, uma vez mais a exegese de  
Dussel (1990, p. 120), para quem a renda absoluta é, sobretudo, o que é o essencial,  
enquanto que a renda diferencial ser-lhe-ia derivada. Isso é o que explicaria Marx  
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propor começar sua exposição (segundo o seu já mencionado método expositivo) pela  
renda diferencial e suas formas, ainda que tendo escrito ao contrário, iniciando, de  
fato, pela lógica do ponto de partida entabulado na renda absoluta (via seu método  
de investigação). Como interessa passar do simples ao complexo e do abstrato ao  
concreto, a questão se resolve assim. Nesse sentido, contudo, chegarmos ao momento  
expositivo da renda absoluta já estando implicada a bagagem contida na renda  
diferencial. Pressuporemos, portanto, todo o caminho descrito anteriormente e  
traduzido em categorias eminentemente jurídicas: propriedade fundiária transformada;  
representação jurídica; transmutação das protoformas de propriedade tradicional na  
forma jurídica propriedade da terra; liberação das terras servis de seus elementos  
político-sociais; contratualização; dimensões aparentes do direito de propriedade  
fundiária (legislações rurais e criminalização judicial do pauperismo); capacitação e  
garantia da renda da terra; em síntese, todas as dimensões da relação jurídica  
proprietária fundiária, em seus momentos essencial e aparentes. Assim como estamos  
pressupondo a categoria “preço de produção” – “preço igual ao capital investido mais  
o lucro médio” (MARX, 2017a, p. 810) – como elemento da teorização geral de Marx,  
é inevitável falar da renda absoluta da terra sem pressupor as citadas categorias  
dimensionadas a partir da renda diferencial.  
Feito esse alerta, podemos agora dedicar algumas palavras ao que se pode  
encontrar, em sua especificidade, a respeito da juridicidade no capítulo 45 do livro III  
de O capital. É mais do que evidente que, sempre que Marx menciona a propriedade  
fundiária e seus proprietários, ele está atrelando tais ideias às condições de sua  
transformação capitalista e, portanto, de sua condição jurídica. Assim sendo, para além  
de tais dimensões categoriais, do ponto de vista de um direito achado na renda  
absoluta podemos mencionar, principalmente, alguns âmbitos relacionais do  
fenômeno, em pontuações a respeito do assunto, ainda que também, esporadicamente,  
encontremos exemplificações laterais dos seus elementos aparentes, em sentidos  
residualmente normativos.  
Comecemos por estes últimos. Os momentos aparentes do direito no capítulo  
45 encontram-se nas referências que Marx (2017a, p. 830) faz, por exemplo, às  
Enclosure Bills”. A estas leis (bills), aliás, já havia se referido no capítulo 24 do livro I  
de O capital como verdadeira “forma parlamentar do roubo” (MARX, 2014, p. 796)  
das terras comunais, por via de seu cercamento (enclosure) nada mais nada menos  
que uma forma histórica da expropriação ontogeneticamente capitalista. É curioso  
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notar, porém, que uma menção legal como esta venha seguida de uma avaliação  
negativa acerca do que chama de “pretextos jurídicos de apropriação” (MARX, 2017a,  
p. 830). Por avaliação negativa estamos chamando a postura irônica de Marx que não  
vê nessas leis a atribuição de um sentido constitutivo do capital via realidade jurídica;  
não, aqui se trata de mero “pretexto” (diríamos, aparência) “jurídico”.  
Nessa mesma toada, Marx também traz algumas intersecções entre o plano  
jurídico e o político, ao realizar uma aproximação analógica entre a questão da  
propriedade da terra e eventuais desdobramentos de tipo estatal. É o que se verifica  
na questão sobre o já referido “preço monopólico”: seria ele “um preço em que a renda  
entra na forma de imposto, porém arrecadado pelo proprietário fundiário, em vez de  
pelo Estado?” A forma estatal é lembrada para contrastar o sentido capitalista da renda  
absoluta da terra, com relação ao que segue Marx: “A questão é saber se a renda  
proporcionada pelo pior solo entra no preço de seu produto que, conforme o  
pressuposto, regula o preço geral de mercado da mesma maneira que um imposto  
entra no preço da mercadoria sobre a qual ele recai, isto é, como elemento  
independente de seu valor” (MARX, 2017a, p. 818).  
“Estado”, “imposto” ou mesmo “tributo” são mencionados aqui e ali ao longo  
do capítulo, no exato sentido de uma comparação. Eis o exemplo em que Marx retoma  
o capítulo 25 do livro I, sobre o colonialismo, para dizer que “é indiferente se os  
colonos se apropriam simplesmente do solo ou apenas pagam ao Estado, a título de  
preço nominal do solo, uma taxa por um título jurídico válido sobre o solo”; assim  
como “também é indiferente se colonos já estabelecidos são juridicamente  
proprietários da terra” ou não (MARX, 2017a, p. 817). Aqui, ter “título jurídico” ou ser  
“juridicamente proprietário” não significa muita coisa que permita legitimar a  
apropriação privada da terra para além de um âmbito de violências. A violência (ou  
acumulação) originária está em andamento e sua normalização ainda não se  
concretizou. A problemática reaparece a partir do sentido plúrimo de tributo que,  
sabidamente, permeia as análises de Marx sobre diversos modos de produção: “a  
propriedade fundiária só atua de maneira absoluta, como barreira, na medida em que  
condiciona o acesso ao solo em geral, enquanto campo de investimento de capital, ao  
pagamento de um tributo ao proprietário fundiário” (MARX, 2017a, p. 825). O  
arrendatário está para o proprietário fundiário assim como o contribuinte estaria para  
o estado. A analogia tem seus limites, mas estilisticamente permite uma compreensão  
facilitada do tema.  
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Todos esses usos de expressões, hoje tidas por jurídicas, na verdade apontam  
para a construção histórica do direito que não tinha nelas sua exata realização. Por  
isso denominamo-las, do ponto de vista do direito mesmo, de momentos aparentes  
da relação jurídica (ainda que possam importar essências de outras formas sociais, as  
quais aqui não abordaremos). O direito propriamente dito, no entanto, segue um  
percurso que essencialmente extravasa consideravelmente tais dimensões político-  
normativas.  
Fundamentalmente, seguindo o que já vimos nos dois capítulos da renda  
diferencial que analisamos, é a contratualização e a representação jurídica que se  
fazem presentes com maior vigor argumentativo no texto de Marx, para permitir uma  
aproximação à essência do direito. É bastante persuasivo ler um trecho no qual o  
revolucionário alemão indica uma utilização da expressão “pessoa”, admitindo  
novamente retomar o livro I, em seu famoso parágrafo inicial do capítulo 2: “a  
transferência dessa parte do preço de uma pessoa para a outra, do capitalista ao  
proprietário fundiário” remete ao fato de que “a propriedade da terra é apenas a causa  
da transferência de um aumento do preço da mercadoria, ocorrido sem sua intervenção  
[...] e que se transforma em lucro extra”. Marx continua explicando que, entretanto, “a  
propriedade da terra não é a causa que gera esse componente do preço ou a elevação  
de preço que ele pressupõe”, complexificando o argumento que distingue “causa da  
transferência de um aumento do preço da mercadoria” da “causa que gera esse  
componente do preço”. Logo, a causa da transferência de um preço elevado não é a  
causa desse aumento mesmo. Não temos intenção de explorar a fundo esse momento  
do texto marxiano, mas sim notar que ele se insere em uma problematização a  
propósito da qual o elemento juridificante central é o “contrato de arrendamento”  
(MARX, 2017a, p. 816, para todas citações deste nosso parágrafo). Nesse caso, o  
contrato guarda consigo a característica de ser a formalização jurídica das vontades  
recíprocas, amalgamando direito e economia (tanto a que produz quanto a que circula  
mercadorias).  
A questão do contrato já havia aparecido em trechos anteriores do capítulo,  
justamente para posicionar o problema da transformação capitalista da propriedade  
fundiária, ou seja, sua forma jurídica proprietária. Repitamos algo que já aparecia nas  
entrelinhas de nossos comentários anteriores: “durante a vigência do contrato de  
arrendamento desaparece a barreira da propriedade fundiária para o investimento de  
seu capital no solo” (MARX, 2017a, p. 813). É o contrato de arrendamento – logo, a  
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O terreno do direito achado na renda fundiária  
dimensão da contratualização que faz recepcionar sob o capitalismo a propriedade  
fundiária. Nesse sentido, não só toda a agricultura já é, a esta altura, capitalista, como  
o próprio capitalismo nasce agrícola. Desse modo, o contrato faz a mediação dos  
interesses de dois representantes de classes distintas proprietário de terra e burguês  
e acaba por se estribar em um vínculo jurídico.  
A esse propósito, o texto de Bambirra que citamos antes discorre,  
supreendentemente, sobre uma utopia do capital que, ao não se realizar, explica a  
permanência da classe dos proprietários de terra mesmo sob a hegemonia produtiva  
da burguesia. Ela assim se expressa: “quando a terra é arrendada, a renda é recebida  
por seu proprietário, enquanto o arrendatário tem que se contentar apenas com o  
lucro médio do capital”. Por outro lado, “quando a propriedade é abolida, o Estado  
substitui o antigo proprietário na apropriação dessa renda diferencial”. Por fim, ela  
sentencia: “ainda que se demonstre teoricamente que a abolição completa da  
propriedade privada da terra corresponde aos mais consequentes interesses do  
desenvolvimento capitalista, esta jamais foi vista em nenhum país sob o sistema  
capitalista” (BAMBIRRA, 2019, p. 185). No que se refere a nossa argumentação, ao  
mostrarmos que esse mundo ideal de abolição da propriedade da terra pelo capital  
não tem lastro histórico, ele se encarna na historicidade juridificante das relações de  
produção capitalistas, criando uma contratualização que empresta seu sentido próprio  
à propriedade privada da terra subsumida ao capital. Daí a importância inescusável do  
arrendamento percebido contratualmente, intuída inclusive por Marx ao comentar  
sobre a hipotética condição de vir a se dar, “ainda que não juridicamente, a supressão  
da propriedade fundiária” (MARX, 2017a, p. 812 - grifamos).  
Além dessas questões, o capítulo 45 do livro III apresenta também uma menção  
à “propriedade jurídica do solo” em sua especificidade ou ao menos em um de seus  
níveis. Trata-se da argumentação marxiana segundo a qual está descrito o  
entendimento de que  
a mera propriedade jurídica do solo não cria renda para o proprietário,  
mas lhe dá o poder de subtrair suas terras à exploração até que as  
condições econômicas permitam uma valorização que lhe dê um  
excedente, tanto se o solo é empregado para a agricultura  
propriamente dita quanto para outras finalidades de produção, como  
construções etc.” (MARX, 2017a, p. 818).  
Aqui, indicamos haver uma espécie de ápice da reflexão jurídica sobre a propriedade  
fundiária, em Marx, porque o interesse de valorização determina qualquer sentido de  
uso da terra, implicando a compreensão de que a terra só adquire sua plena marca  
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capitalista na medida em que adentrar o mercado. Mas isso traz consigo a contradição  
de que ela, a terra, se torna mercantilizável conquanto possa ser tirada de circulação,  
para ser reinserida posteriormente. Aqui, toda uma reflexão interessantíssima poderia  
se abrir sobre as terras que, por exemplo, estão sob a posse de populações  
tradicionais, as quais não são exatamente proprietárias privadas no estrito sentido  
moderno/colonial/capitalista do termo, e portanto estão fora, de algum modo, do  
mercado de terras mesmo. Considerando que “terra mercadoria, terra vazia” (SOUZA  
FILHO, 2015), ou seja, dado o alto custo (social e simbólico) da espoliação pura e  
simples (cuja existência, ainda assim, percebe-se reiteradamente), é melhor transformar  
em pequenos proprietários privados os integrantes de populações tradicionais,  
individualizando-os, para, em não sendo propriamente caracterizáveis como  
proprietários fundiários por não obterem sua renda, terem de vender suas terras. Aqui,  
atestamos as sugestões atuais as quais podemos remontar à leitura do texto de Marx,  
especialmente para realidade latino-americana.1  
Eis, com isso, uma apreciação geral sobre o problema da renda da terra naquilo  
que nos informa sobre o direito. O direito achado na renda da terra, seja a diferencial  
ou agora a absoluta, aponta-nos para as questões em aberto de nossa conjuntura  
atual, notadamente a do capitalismo dependente, mas também para a necessidade de  
compreensão do significado do fenômeno jurídico na dinâmica específica da  
transformação da propriedade fundiária em forma de capitalismo agrícola e, logo, das  
possibilidades mais complexas de apreensão do movimento de desenvolvimento  
categorial que o direito implica, para além de suas perspectivas na circulação  
(majoritariamente apresentadas pela leitura especializada), na produção  
(enfrentamento ainda por se efetivar) e no processo global do modo de produzir e  
reproduzir a vida segundo os ditames do capital (algo que muito modestamente  
intentamos aqui, unindo esforços com outras propostas de investigação que nos  
antecederam [ver, por exemplo, SARTORI, 2019; 2021; FREITAS, 2014]).  
O direito, como forma social do capital, angaria especificidades sob o prisma  
da renda da terra que reforçam sua condição relacional percebida a propósito do  
1
Sobre a questão, achamos importante referir os estudos de Carcanholo (1981, p. 36 e seguintes)  
acerca do capitalismo dependente na Costa da Rica, destacando a questão da renda fundiária, assim  
como as mais posteriores formulações de Bartra (2006) sobre o México, abarcando uma interpretação  
sobre a renda da terra, dentro de um quadro verdadeiramente criativo do marxismo latino-americano,  
ou ainda o texto de Osorio (2017) acerca da situação argentina que rebate críticas feitas por outros  
autores à teoria da dependência a partir da questão da renda da terra.  
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O terreno do direito achado na renda fundiária  
estudo mais abstrato do capital, mas também que apresentam novos desdobramentos,  
como pudemos fazer perceber nesse estudo. A leitura da seção dedicada à renda da  
terra, no livro III de O capital, ainda não está encerrada e este ensaio foi esforço de  
sedimentação de uma pesquisa que começa a esboçar seus resultados.  
Considerações agrimensoras  
O esboço de análise aqui realizado teve por intuito contribuir com um  
aprofundamento da apreciação do direito desde Marx, a fim de projetar força a uma  
teoria que se alimenta de intervenção na realidade. O fundamental aqui é viabilizar a  
intelecção de formuladores e lideranças dos movimentos populares e, entre eles, se  
destacam os movimentos territoriais do campo, das florestas, das águas e das cidades  
a respeito do papel do direito no que toca à questão da terra, já que estes mesmos  
movimentos costumam traduzir suas reivindicações, mesmo as mais disruptivas, como  
uma luta por direitos. Como o fenômeno jurídico expressa, em sua particularidade, os  
movimentos do capital, cabe aos movimentos populares entenderem-se a si mesmos  
como partícipes desta complexidade, não para deparar-se com a inércia da constatação  
dos limites do todo social, mas para ante ele insurgir-se. Eis uma oportunidade para  
se pensar, pois bem, em um direito insurgente, tipicamente atribuível à produção  
teórica do campo de investigações sobre “direito e movimentos sociais”, em geral, e  
sobre “direito e marxismo”, em especial. Foi este, aqui, o nosso intento – provisório –  
de contribuição.  
Trocando em miúdos essa admoestação final, o que queremos dizer é que os  
usos táticos de um direito insurgente dinamizado pelos movimentos populares precisa  
compreender o papel da renda fundiária no capitalismo, sua combinação  
com/transformação em lucro pelos capitalistas-proprietários de terra, bem como sua  
expressão juridificada na contratualização mesma da terra e na relação jurídica de  
propriedade privada do solo que garante aquela renda, por um lado, e a exploração  
da força de trabalho, por outro. Tudo com a aparência da legalidade que nunca  
viabilizará, entre nós, uma reforma agrária (a qual, mesmo sendo traduzida como  
“reforma”, não importará menos rupturas radicais e estruturantes), a não ser com muita  
organização e luta. A compreensão (que é, ao mesmo tempo, formação e formulação)  
sobre o assunto é condição-chave para avançarmos no sentido do combate ao capital  
e a suas formas históricas, entre as quais está o terreno do direito, bem como da  
viabilidade de suas superações.  
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Como citar:  
PAZELLO, Ricardo Prestes. O terreno do direito achado na renda fundiária: introdução  
a uma crítica jurídica a partir do Livro III, de O capital de Marx. Verinotio, Rio das  
Ostras, v. 29, n. 1, pp. 388-411; jan.-jun., 2024  
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