Gabriella M. Segantini Souza
com o seu senhor e de se tornar um homem livre, inclusive em razão de empréstimos
contraídos pelos camponeses com os senhores das terras para arcar com os
pagamentos e serviços devidos pelo uso da terra, os quais eram acordados com o
senhor (Robinson, 1932, p. 19).
Entretanto, até o século XVIII, a transformação do camponês em servo por parte
da nobreza rural, a progressiva submissão daqueles à condição de propriedade
privada desta ainda se colocava como uma usurpação ilegal por parte dos boiardos
(Marx, 2010b, p. 139). É só no século XVIII, durante o reinado de Pedro, o Grande e
de Catarina, a Grande, que os camponeses se tornam servos na lei russa. Dessa forma,
quando com as “revoluções de tipo europeu” (Marx, 2020, p. 323) já havia triunfado
a burguesia e havia sido proclamada uma “nova ordem política para a nova sociedade
europeia” (Marx, 2020, p. 323), o século XVIII na Rússia foi marcado pelo
desenvolvimento da servidão de forma intensiva e extensiva e de um fortalecimento
da nobreza russa (Robinson, 1932, p. 25). Durante o reinado de Pedro, o Grande
(1682-1725), o czar torna legal o enservamento dos camponeses pela nobreza (Marx,
2010b, p. 139) e passou a reconhecer a hereditariedade do poder da nobreza agrária
sobre os servos, consolidando esses nobres como senhores hereditários das almas de
terras. Durante o reinado de Pedro, os camponeses que viviam numa dada propriedade
foram transformados em propriedade privada e hereditária do nobre a quem pertencia
aquela terra (Marx, 2010b, p. 139). A nobreza adquiriu ainda o poder de vender seus
servos, seja de forma individual ou em lotes, juntos ou separados da terra, bem como
se tornou legalmente responsável por seus servos e pelos impostos devidos por eles
ao governo (Marx, 2010b, p. 139).
Além de consolidar os privilégios da nobreza e consumar sua emancipação em
relação ao Estado russo na sua Carta Régia à Nobreza de 17852, Catarina II teve um
papel central na fixação dos camponeses enquanto servos. Na Carta de 1785 a czarina
2 Pedro, o Grande tornou também obrigatório que os integrantes da nobreza russa servissem ao Estado
russo durante toda sua vida adulta, colocando toda a classe nobre russa a serviço do czar. Contudo,
enquanto a lei russa só aboliria a servidão em 1861, a obrigação da nobreza de servir ao Estado russo
foi abolida já em 1762 mediante o Manifesto de Pedro III, o qual abolia a obrigatoriedade dos serviços
da nobreza ao Estado instituída por Pedro, o Grande e estabelecia que o serviço ao Estado só seria
obrigatório para os nobres em caso de emergências públicas, marcando o começo do que ficou
conhecido como a emancipação da nobreza russa que seria levada a cabo no reinado de Catarina, a
Grande. A consumação dessa emancipação por Catarina teria se dado em 1785 com sua Carta Régia
da Nobreza, que consistia em um estatuto definindo a nobreza russa, seus privilégios e de seu papel
na sociedade russa, substituindo o caos da antiga profusão de leis repetitivas e contraditórias que
tratavam do mesmo objeto por um único texto legal e fortalecendo o domínio dos nobres e, portanto,
a lealdade da nobreza com a czarina (Jones, 1973).
Verinotio
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ISSN 1981 - 061X v. 29, n. 1, pp. 433-464 – jan.-jun., 2024
nova fase