A crítica ao direito nos “assim chamados” Cadernos etnológicos de Karl Marx
resultado de processos sociais e históricos, produto da ação humana, e Marx procura
compreendê-lo em sua gênese e necessidade, para além de sua mera aparência. Ao
voltar-se para o movimento real da história, Marx consegue entender que o Estado
pressupõe condições econômicas determinadas pela existência de diferentes grupos
de indivíduos com interesses contrapostos, refletindo a dominação de um desses
grupos ou de uma classe sobre os demais.
Deste modo, temos que Marx critica até mesmo a crítica feita por Maine a seus
predecessores. Há, também, algo em comum na mediocridade de todos os “estúpidos
juristas britânicos”, no qual se encaixam tanto Maine quanto os juristas analíticos. Após
traçar suas críticas e elogios a seus predecessores, Maine irá explicitar a solução que
encontra para a origem do Estado, que será emprestada de Austin no livro The
Province of Jurisprudence Determined:
Suponhamos que uma única família de selvagens viva absolutamente
alienada de qualquer outra comunidade. E suponhamos que o pai,
chefe dessa família isolada, receba a obediência habitual da mãe e dos
filhos. Ora, como não é um membro de outra comunidade maior, a
sociedade formada pelos pais e filhos é claramente uma sociedade
independente e, como o resto de seus membros obedece
habitualmente ao seu chefe, essa sociedade independente formaria
uma sociedade política, caso o número de seus membros não fosse
extremamente pequeno. Mas como o número de seus membros é
extremamente pequeno, seria, creio eu, considerada uma sociedade
em estado de natureza”; isto é, uma sociedade composta por pessoas
que não estão em estado de sujeição. Sem a aplicação dos termos,
que teriam um toque de ridículo, dificilmente poderíamos qualificar a
sociedade de sociedade política e independente, o pai e chefe
imperativos monarca ou soberano, ou a mãe obediente e filhos súditos
(MAINE, 1914, pp. 378-379, apud. MARX, 1974, p. 333 - tradução
Assim, a sociedade em estado de natureza seria formada pelos pais e as
crianças, e o pai, chefe da família, recebe a “habitual obediência” da mãe e das crianças.
Ainda que Maine admita que não pode-se ver, no chefe, a figura de um monarca ou
soberano, e na mãe e seus filhos, dos súditos, de fato existiria uma sujeição natural
19
“Let us suppose that a single family of savages lives in absolute estrangement from every other
community. And let us suppose that the father, the chief of this isolated family, receives habitual
obedience from the mother and children. Now , since it is not a limb of another and larger community,
the society formed by the parents and children, is clearly an independent society, and, since the rest of
its members habitually obey its chief, this independent society would form a society political, in case the
number of its members were not extremely minute. But since the number of its members is extremely
minute, it would, I believe, be esteemed a society in a state of nature” ; that is, a society consisting of
persons not in a state of subjection. Without an application of the terms, which would somewhat smack
of the ridiculous, we could hardly style the society a society political and independent, the imperative
father and chief a monarch or sovereign, or the obedient mother and children subjects (MAINE, 1914,
pp. 378-379, apud. MARX, 1974, p. 333).
Verinotio
ISSN 1981 - 061X v. 29 n. 1, pp. 465-492 – jan.-jun., 2024 | 479
nova fase