RESENHA  
DOI 10.36638/1981-061X.2024.29.1.718  
A gênese da crítica marxista ao direito: um convite  
à leitura d’O papel revolucionário do direito e do  
Estado, de Piotr Stutchka  
Resenha:  
STUTCHKA, Piotr. O papel revolucionário do direito e do Estado: teoria  
geral do direito. Org. Moisés Alves Soares, Ricardo Prestes Pazello.  
Trad.Paula Vaz de Almeida. São Paulo: Contracorrente, 2023. 397 p.  
Matheus Daltoé Assis*  
A recepção e produção acerca do debate sobre direito e marxismo no ambiente  
intelectual brasileiro encontram, hoje, terreno fecundo. Pode-se dizer que, sem  
pretensão de exaurir o debate, houve três momentos marcantes no processo de  
circulação e recepção das ideias fundadas pela tradição soviética da crítica marxista  
ao direito, quais sejam, as leituras de Lyra Filho entre 1960 e 19801; o Movimento  
Direito Alternativo2, entre finais da década de 1980 e os anos de 1990 e, por fim, a  
viragem teórica de orientação marxista althusseriana promovida por Márcio Bilharinho  
Naves, em meados de 1990, que, ainda hoje, hegemoniza o debate no campo teórico  
em questão (Pazello, 2021).  
No que tange às primeiras duas correntes mencionadas, cumpre destacar que  
a crítica jurídica soviética encontra pouca vazão, sendo apenas mencionada, na figura  
de Pachukanis, por Lyra Filho (Pazello, 2021) e sendo recepcionada, no segundo  
momento, sob lentes orientadas à rejeição da experiência soviética de corte  
eurocomunista, relegando os fundadores da crítica marxista ao direito, P. Stutchka e  
*
Mestrando em Ciências Sociais pela Universidade Estadual Paulista. Bacharel em Direito pela  
Universidade Federal de Mato Grosso do Sul. Membro do Instituto de Pesquisa, Direitos e Movimentos  
1 No âmbito da Universidade de Brasília (UnB), Lyra Filho fundou a Nova Escola Jurídica Brasileira, que  
ficou conhecida pela expressão teórica do Direito Achado na Rua.  
2
O Movimento Direito Alternativo (MDA) foi um movimento eclético teoricamente, orientado por um  
progressismo difuso de alas próximas ao Partido dos Trabalhadores (PT). O MDA congregava vertentes  
como: a do Direito Insurgente, cujos expoentes são os advogados populares Miguel Pressburger e  
Miguel Baldèz; a pluralista, representada por Antonio Carlos Wolkmer e a propriamente alternativista,  
que tinha Edmundo Arruda Jr. como expressão intelectual marxista ao reivindicar a tradição gramsciana  
de corte eurocomunista (Cf. Wolkmer, 2008).  
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E. Pachukanis, a uma posição de subalternidade intelectual vinculada a um suposto  
determinismo economicista.  
Há um salto qualitativo no que se reporta à recepção da crítica jurídica soviética  
pelo movimento intelectual capitaneado por Marcio Naves (Sartori, 2024; 2023). A  
partir de sua tese de doutoramento (1996), que deu origem ao livro Marxismo e  
direito: um estudo sobre Pachukanis, Naves refunda a crítica marxista do direito sobre  
outras bases, com uma perspectiva althusseriana sobre a relação entre direito e  
marxismo. Insta ressalvar quanto a referida abordagem que, mesmo significando um  
ganho de qualidade na crítica marxista, além da problemática referente à cesura  
epistemológica operada no que se refere ao pensamento marxiano, que acabou por  
orientar a crítica numa perspectiva focada no Livro I d’O Capital (Cf. Sartori, 2023;  
2018), a linha proposta por Naves, seguida por toda uma vertente de estudos  
(Akamine, Jr., 2017, Davoglio, 2018, Ferrer, 2022, Kashiura Jr., 2009, Mascaro,  
2013), delineou a forma sobre a qual se deu recepção brasileira3 do debate soviético  
sobre o direito.  
Esse último aspecto é de grande relevo no que se refere à obra ora resenhada,  
pois, por conta da difusão - em alguma medida distorcida - das teses de Naves, Piotr  
Stutchka, ao revés de sua importância histórica no “esforço de construção de uma  
teoria do direito que se quer rigorosamente em conformidade com a concepção de  
Marx e Engels” (Naves, 2008, p.27), foi relegado à posição de um teórico de menor  
capacidade analítica, vinculado à ideia de taticismo que, em última instância,  
comprometeria a relevância de sua leitura para a análise do debate jurídico soviético4.  
Longe dessa última posição se encontra o real papel desempenhado por  
Stutchka. O revolucionário letão (1865-1932), natural de Riga, teve importante papel  
na conformação do Estado soviético em seus primeiros anos. Stutchka, desde o  
período de formação na Universidade de São Petersburgo (1880-1884), travou  
contato com a literatura marxista, onde conheceu Aleksandr Uliánov, irmão de Lenin,  
e, a partir de então, viveu sob constante tensão junto aos militantes dos círculos  
3 É possível encontrar estudos sobre o tema em: Pazello, 2021, Sartori, no prelo, Silva, 2020 e Soares;  
2020.  
4
Fato que reforça o argumento é que, no âmbito dos autores vinculados ao “marxismo jurídico  
brasileiro”, houve a organização de duas traduções da obra Teoria Geral do Direito e Marxismo, de E.  
Pachukanis, ambas lançadas em comemoração do centenário da Revolução Russa em 2017, sendo uma  
pela editora Sundermann e outra pela Boitempo. A iniciativa de tradução e lançamento da obra de P.  
Stutchka partiu de outro núcleo organizador, originada do Grupo Temático “Direito e Marxismo” do  
Instituto de Pesquisa, Direitos e Movimentos Sociais (IPDMS).  
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revolucionários estudantis (Soares, Pazello, 2023).  
O intelectual de Riga, entre 1888 e 1907, atuou como articulista em diversos  
jornais e esteve próximo ao Partido Operário Social-Democrata Letão, ambiente no  
qual, em 1905, auxiliou na organização de uma greve geral (Cf. Soares, Pazello, 2023).  
Posteriormente, em 1907, mudou-se para São Petersburgo por conta de perseguições  
políticas, onde atuou como advogado em favor de presos políticos do regime tsarista.  
Nessa época, já tendo conhecido Lênin (1905), Piotr Stutchka já era reconhecido como  
importante jurista e revolucionário.  
Após ter lutado para a consolidação da Revolução de Outubro, Stutchka  
ocupou, por dois momentos, o cargo de Comissário do Povo para a Justiça: entre 15  
de novembro e 9 de dezembro de 1917 e entre 18 de março e 22 de agosto de  
1918. Ainda nesse ano, P. S. irá, como membro da delegação do Comissário do Povo  
os Negócios Estrangeiros, Trótski, para assinatura da “Paz de Brest-Litovsk”. No final  
de 1918, retornou para Letônia para auxiliar no processo revolucionário por lá  
desencadeado, onde ocupou a função de chefe de governo durante o período  
revolucionário (1918-1920) e auxiliou na instituição da Constituição da República  
Socialista Soviética da Letônia (1919). A Revolução Letã foi derrotada pela reação com  
apoio das potências imperialistas.  
Durante o restante de sua vida, entre 1923 e 1932, Stutchka permaneceu como  
professor e diretor do instituto de direito da Universidade de Moscou, além de exercer  
o cargo de Presidente do Tribunal Supremo da Rússia. Em 25 de janeiro de 1932, o  
revolucionário letão falece e é enterrado com honras no Kremlin, não vivendo para  
tornar-se mártir dos expurgos como Pachukanis, mas seu legado sofreu acusações de  
Vychinski, o que ocasionou a interdição de sua obra até a reabilitação ocorrida na  
época de Khrushchev.  
No que tange à produção intelectual de Stutchka, os organizadores da edição  
em comento a dividem em cinco pontos: teoria do direito; direito civil; escritos  
políticos; textos de popularização e a elaboração legislativa (Soares; Pazello, 2023). A  
principal obra de Stutchka, O papel revolucionário do direito e do Estado: teoria geral  
do direito, encontra-se nesse primeiro eixo e almeja responder o problema do que é  
o direito como sistema de relações sociais. Embora seja apenas uma fração da ampla  
produção intelectual do autor - produção esta que mereceria maior vazão editorial -,  
a edição publicada pela Contracorrente cumpre a função de preencher parte de uma  
lacuna editorial que, de algum modo, esbarra nos problemas de recepção  
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anteriormente mencionados.  
A obra, até o lançamento dessa tradução, era acessada em língua portuguesa  
pelas edições portuguesa (editora Centelha,1973; 1976) e brasileira (editora  
Acadêmica, 1988), nas quais o texto base para a tradução não provinha da edição  
russa e o título figurava como Direito e luta de classes, o que distanciava muito do  
título original da obra.  
Na nota da edição, os organizadores e a tradutora expõem o fato dessa edição  
ser uma tradução direta do russo, que parte de uma terceira edição, publicada, em  
1924, pela Editora da Academia Comunista, Moscou, como resultado de uma revisão  
e ampliação realizada pelo próprio autor. Cumpre ressaltar que a obra em questão é  
a única, segundo a investigação dos organizadores, que traduz integralmente a partir  
da terceira edição.  
Há aspectos da tradução5 que foram destacados e que, nesse pequeno texto,  
serão comentados apenas dois. O primeiro deles é referente à palavra russa rol,  
traduzida nessa edição por “papel”, destoando das traduções de importantes como a  
espanhola (función) e a italiana (funzione). O segundo aspecto a ser destacado é o que  
se refere à palavra russa mirovozzriénie, que remete à Weltanschauung. Nesse  
caso, a referida edição optou por traduzir pela palavra “cosmovisão”, uma tradução  
distinta das comumente utilizadas para o português.  
A edição brasileira traz uma variedade de elementos pré e pós-textuais. A  
edição conta com uma apresentação escrita pelos organizadores da obra, os  
professores Moisés Alves Soares e Ricardo Prestes Pazello. Há quatro prefácios na  
obra, sendo dois deles escritos por Stutchka para as ocasiões da edições primeira  
(1921) e terceira (1924) do livro, os outros são prefácios de edições espanhola e  
boliviana. O primeiro, escrito para a edição espanhola de 1969, pelo jurista  
alternativista Juan-Ramón Capella, e o segundo, extraído da edição boliviana de 2008,  
escrito pelo ex-Ministro do Trabalho, Emprego e Seguridade Social da Bolívia José  
Gonzalo Trigoso Agudo. Ainda há o texto do jurista italiano Umberto Cerroni, que  
figurou originalmente como introdução para uma coletânea de escritos selecionados  
sobre Stutchka e, na edição brasileira em comento, encontra-se no posfácio do livro.  
Reportando-se ao texto de Stutchka (2023, p.78), cabe ressaltar que, no  
5 Além da própria “nota da edição brasileira” contida no livro, é possível obter mais informações sobre  
o processo de tradução na exposição feita pela tradutora no minicurso “Introdução à obra de Stutchka”,  
organizado do âmbito IPDMS, cujo link é:  
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prefácio da terceira edição, em junho de 1924, o autor estabelece diálogo crítico com  
Pachukanis, no qual menciona que, “ainda que em divergência”, a recém lançada Teoria  
Geral do Direito e marxismo (1924) complementava seu trabalho. A menção a  
Pachukanis se justifica pelo fato de que Stutchka aprofundou e reviu partes de sua  
obra para a terceira edição partindo do trabalho pachukaniano. É válido citar que  
Pachukanis (2017, p.60) faz menção ao comentário de Stutchka no prefácio da  
segunda edição de seu livro, dizendo que o autor letão havia definido “com bastante  
propriedade minha abordagem da teoria geral do direito”. Tal exposição de detalhes  
encontra sentido justamente para fortalecer o argumento contrário ao difundido pelo  
dito “marxismo jurídico brasileiro”, que coloca os dois revolucionários quase que de  
modo antagônico, quando, na realidade, ambos ocupavam posições próximas e  
mantinham produção intelectual em complementaridade.  
Piotr Stutchka conhecia as obras de Marx e Engels, fato que pode ser ilustrado  
pela utilização de textos considerados de pequena circulação à época como a  
Introdução dos Grundrisse. Durante a obra, Stutchka parte da perspectiva marxista  
para fundamentar o que pode ser considerado uma exposição sobre a história do  
direito, para além de uma teoria geral, como era corrente em sua época. Entre os textos  
nos quais se respalda a perspectiva de Stutchka, pode-se destacar O Estado e a  
revolução, de Lenin6, e A origem da família, da propriedade privada e do Estado e  
Anti-Dühring, de Engels. Partindo dessas obras, o autor irá extrair sua concepção sobre  
a gênese e as condições para o fenecimento do Estado. Ao passo que apresenta o  
arcabouço sólido no qual se ancora, o autor apresenta que seu objetivo é auxiliar a  
conformar as novas gerações de intelectuais segundo a doutrina marxista, nas palavras  
de Stutchka (2023, p.76)“foi quase exclusivamente para a juventude que meu trabalho  
foi escrito”. Em razão desse aspecto, o livro mantém um modo de exposição didático,  
por meio, muitas vezes, de perguntas iniciais respondidas no desenvolver do capítulo.  
Já no primeiro capítulo, o autor dá início interrogando sobre o que é o direito.  
Para responder a tal questionamento, parte de um conceito elaborado coletivamente  
a propósito da publicação da resolução sobre os “Princípios diretivos do direito penal”.  
O conceito que resulta desse movimento tem a seguinte formulação: "o direito é um  
sistema (ou um ordenamento) de relações sociais correspondentes aos interesses da  
classe dominante e protegido por sua força organizada (ou seja, dessa classe)" (ibid.,  
6
Em nota de rodapé, Stutchka explicita que, para leitura de seu livro, pressupõe “o conhecimento por  
parte do leitor do trabalho capital do camarada Lenin” (Stutchka, 2023, 156).  
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p.94). Partindo dos elementos do conceito, segundo o qual o “interesse de classe é o  
conteúdo fundamental, a característica fundamental de qualquer direito” (ibid., p.94),  
o autor pontua sobre o elemento coercitivo que é o “garantidor do interesse dessa  
mesma classe dominante” e que o “direito é sua proteção do poder organizado da  
classe dominante (geralmente, o Estado)” (ibid., p.101).  
A partir dessa formulação, o autor irá discorrer sobre os aspectos de sua  
fundamentação durante os quatro capítulos iniciais, dedicando o segundo capítulo aos  
conceitos de sociedade e relações sociais e o terceiro capítulo para o conceito de  
classe e as implicações para a ideia de interesse de classe. No quarto capítulo o autor  
sustenta a posição sobre o poder organizado da classe dominante.  
Ainda nesse primeiro capítulo, aos moldes da concepção de ciência de sua  
época, de inspiração bukhariniana, irá pontuar que, pela primeira vez, se alcançou o  
terreno possível para que se abordasse o direito de modo científico e que isso somente  
foi possível por ser analisado do ponto de vista de classe, como um “fenômeno social  
que se altera na luta de classes” (ibid., p.95). Stutchka pontua que a tendência  
sociológica do direito permitiu tal avanço, mas que isso se dava de forma limitada,  
como caso da obra de Ihering. Para Stutchka, Ihering não pode alcançar a  
“compreensão de classe das relações sociais”, o que lhe permitiu apenas vislumbrar  
parcialmente uma concepção verossímil do direito. Nesse sentido, “apenas a  
compreensão de classe confere a clareza necessária, sem a qual a jurisprudência é  
apenas uma simples técnica de literatura, uma serva’ da classe dominante” (ibid.,  
p.101).  
Em diálogo com a temática da gênese do direito, ao defender a existência do  
direito em épocas passadas, o autor pondera que não se pode “aplicar nosso direito  
a uma sociedade que não tem classes, mas veremos a seguir que ali também não há  
o direito no sentido moderno” (ibid., p.103).  
Ao adentrar no segundo capítulo, questiona sobre o conceito de relações  
sociais e de sociedade. Ao iniciar exposição sobre as relações sociais que conformam  
a sociedade, parte da célebre passagem marxiana segundo a qual sujeitos contraem  
relações mútuas e que, no interior delas, realiza-se a produção (ibid., pp.109-110). A  
partir da citação de Marx, irá definir que “o conjunto das pessoas, conectadas em um  
determinado estágio histórico de desenvolvimento por um conjunto de condições de  
produção, como base de suas inter-relações, chama-se sociedade” e a relações de  
produção (ou de trabalho) são as relações sociais desses produtores (ibid., p.110).  
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Adiante, passa para uma exposição sobre a fases de apropriação características  
das sociedades ao longo da história, desde a associações gentílicas até a sociedade  
burguesa (ibid., pp.114-123), sendo a sociedade burguesa a que consolidou a “última  
fase do desenvolvimento da propriedade privada: a propriedade capitalista não apenas  
da terra, mas também de todos os meios de produção” (ibid., p.124). Ao fim dessa  
argumentação, consigna que a Revolução de Outubro “derrubou o poder da burguesia  
e seu modo de apropriação”, mas com a ressalva de que “esse trabalho destrutivo já  
consistiu num longo processo” (ibid., p.125) e que, naquele momento, apesar de estar  
sendo dado “um passo atrás” - em referência à Nova Política Econômica l-, não se  
perdia de vista “erradicação gradual” da propriedade dos meios de produção (ibid.,  
p.126).  
No capítulo terceiro, o autor irá desenvolver sobre o aspecto do interesse de  
classe presente no conceito de direito firmado em 1919. De início, parte do  
questionamento marxiano sobre “o que vem a ser uma classe”, presente no capítulo  
inacabado do Livro III d’O Capital. No capítulo, o autor parte de algumas citações do  
Livro III, bem como menções à Miséria da Filosofia e ao 18 Brumário, para tensionar  
com a concepção de conciliação de classe proposta por revisionistas como K. Kautsky.  
Stutchka, em meio ao referido debate, coloca que, “para a classe trabalhadora, o único  
meio verdadeiro de luta continua sendo a luta radical, ou seja, a luta de classes  
revolucionária, em outras palavras, a guerra civil” (ibid., p.134).  
Após colocar-se desse modo, argui que o interesse de classe “não se trata de  
uma simples soma de interesses isolados”, suas determinações existem “de maneira  
objetiva a despeito da vontade dos próprios membros da classe, e o estágio de  
consciência de classe sobre seu interesse é um fenômeno puramente histórico” (ibid.,  
p.140). No que se refere ao interesse da “classe exploradora”, não há interesse da  
extinção da classe dos explorados, pois acarretaria seu próprio perecimento. Já no que  
se refere ao interesse da classe explorada, essa “não pode deixar de desejar a  
eliminação da classe de seus exploradores” (ibid., p.144), argumentando junto de Marx  
- e contra os conciliadores - que não se “trata de atenuar os antagonismos de classe,  
mas de abolir as classes” (Marx apud Stutchka, 2023, p.145).  
No início do quarto capítulo, o autor abre investigação sobre as origens do  
Estado e parte, em grande medida, da exposição engelsiana para respaldar seu  
argumento. Stutchka (2023, p.166) observa que foi dedicado um “espaço  
relativamente insignificante ao direito internacional”, algo que busca justificar, com  
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base na experiência imperialista da Grande Guerra, sobre a efemeridade do poder  
organizado intraburguesias, “tendo em vista o inevitável conflito entre as burguesias  
dos distintos países e entre os capitalistas dos distintos setores” (ibid., p.167).  
Após delinear aspectos da organização do poder através do Estado, o autor  
põe em questão o elemento da persuasão, para além da coerção7. Ao explicitar o  
substrato no qual se funda o poder da burguesia, coloca a questão dos intelectuais,  
categoria que “não se furta a atirar-se nos braços até mesmo da Igreja”, não no sentido  
da luta de classes aberta, “mas em nome da conciliação de classes (Burgfrieden), da  
harmonia, do acordo de interesses contraditórios, em resumo, ‘da democracia pura’”.  
Stutchka termina essa discussão com a citação do texto engelsiano “Progresso da  
reforma social do continente” (ibid., p.165, grifo do autor).  
Ainda sobre os elementos de coerção e persuasão, agora no sentido da  
“transição para uma nova sociedade”, argumenta sobre a necessidade da construção  
de um “aparato especial de educação e formação políticas”. Se tiver êxito, “de acordo  
com a penetração na vida das massas de uma nova disciplina”, conduziria ao fato de  
que “a coerção definha e morre, e se fortalece o elemento da persuasão” (ibid., p.169).  
Ao finalizar a exposição dos argumentos que fundamentam o conceito de direito  
apresentado no primeiro capítulo, Stutchka apresenta, no quinto capítulo, o cerne de  
sua contribuição para a crítica marxista ao direito, sobre a interpretação das formas  
jurídicas. Argumenta que “cada relação econômica, conquanto seja ao mesmo tempo  
jurídica [...] tem três formas: uma concreta (I) e duas abstratas (II e III)”, admitindo a  
influência recíproca entre elas. De todo modo, reconhece a primazia da forma concreta,  
pois “relaciona-se com a base”, utilizando, não sem ressalvas, a metáfora arquitetônica8  
(ibid., pp. 180-184).  
A forma concreta (I) se ancora nas relações sociais de produção e, em razão  
disso, “na relação concreta, o caráter de classe decorre da própria distribuição dos  
meios de produção e, consequentemente, também da distribuição das pessoas em  
suas inter-relações”. Já no que se refere à forma abstrata (II), essa seria representada  
7
A discussão apresentada por Stutchka se aproxima aos problemas que Gramsci irá explorar nos  
Quaderni del Carcere sobre o conceito de hegemonia. Nesse sentido, pode ser encontrado trabalho que  
busca estabelecer tais proximidades em: Soares, 2017.  
8
Stutchka, contra a simplificação mecanicista, diz: “Está claro que Marx e Engels atribuíam à palavra  
‘superestrutura’ somente um sentido figurativo de comparação” (ibid., p.183). Desenvolve, no mesmo  
sentido, que em Marx e Engels não há causalismo e que a ideia de desenvolvimento não está  
vulgarmente relacionada à de progresso, que a “passagem de um período histórico [...] para outro, por  
sua vez, tem suas leis gerais do movimento, mas, justamente, de um movimento não evolutivo” (p.181,  
grifo do autor).  
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na pela lei, na norma jurídica emanada pelo poder organizado de classe do Estado. A  
terceira forma jurídica, a forma abstrata (III) seria caracterizada, propriamente, “pela  
ideologia, pela consciência de classe”, o que denota, em sua obra, o caráter não  
intrinsecamente negativo quanto ao conceito de ideologia (ibid., p.191).  
No sexto capítulo, o mais longo da obra (44 páginas), o revolucionário letão  
desenvolve o argumento de fundamentação política para a tese que dá nome ao livro,  
sobre o papel revolucionário do direito e do Estado. No decorrer da argumentação,  
empreende luta teórica contra a vertente que angariava postos após a revolução, a do  
socialismo dos juristas.  
A partir de uma exposição sobre a história do Direito, com especial atenção ao  
instituto da propriedade privada, o autor constrói o argumento sobre os momentos  
transicionais em que o direito desempenhou papel revolucionário, como nos episódios  
narrados sobre as leis sanguinárias na “assim chamada acumulação primitiva” (ibid.,  
p.229).  
O autor desenvolve, ainda nesse capítulo, a discussão sobre a destituição de  
todo o ordenamento anterior (e com ele seus dirigentes), citando o texto da Nova  
Gazeta Renana em que Marx defende que, quando uma revolução alcança sucesso, os  
adversários “podem ser varridos do caminho como inimigos vencidos, não podem ser  
julgados como criminosos” (Marx apud Stutchka, p.238).  
Por fim, sinaliza a tarefa ainda por ser feita, dado que “a destruição das velhas  
relações de produção era necessária, mas ainda falta substituí-la por uma nova  
organização” (ibid., p. 242).  
O revolucionário letão encaminha-se para os capítulos finais do livro e, diante  
disso, expõe as questões que são mais afeitas ao aspecto da técnica jurídica. No texto  
sobre “direito e lei”, conceitua como “norma jurídica ou lei a regra coercitiva  
proveniente do poder de Estado e que se relaciona ao domínio do direito” (ibid.,  
p.247). Adiante, ao explicar o ordenamento jurídico soviético, comenta a rejeição do  
modelo constitucionalista que estabelece a hierarquia entre as normas (ibid., p.266).  
Traz uma longa autocitação de texto elaborado no chamado “período  
‘comunista’” de 1918, no qual expõe sobre a necessidade, de momento, da criação de  
códigos e instituições jurídicas para preparar o período de transição, tendo sempre  
em mente que a “vitória final dessa revolução terminará também o processo de  
definhamento e morte do próprio direito proletário” (ibid., p.261).  
No final do capítulo, aborda a problemática ideia de “legalidade revolucionária”,  
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segundo a qual o julgamento deve ser formado a partir dos “interesses da revolução”  
e da “consciência jurídica revolucionária”, termos demasiadamente abstratos, que  
podem ser conduzidos a chancelar processos em que, na prática, se concede o caráter  
de norma em branco.  
No oitavo capítulo, sobre a análise da relação jurídica, Stutchka (ibid., p.271),  
apesar de explicitar que “não é a relação jurídica que cria o direito, em essência; ela é,  
como vimos ‘apenas a realização formal’ da relação econômica”, apresenta temas  
comuns à técnica jurídica, como corriqueira questão da interpretação da norma. Ainda  
nesse capítulo, autocriticamente em relação ao recuo da NEP, escreve que o direito  
“trata da questão das inter-relações entre as pessoas e, dentro de determinados  
limites, da exploração de uma pessoa por outra pessoa” (ibid., p.275).  
No penúltimo capítulo, Stutchka elabora um excurso sobre o que chamou de  
“história da concepção jurídica pré-revolucionária”, que culmina na concepção jurídica  
soviética. Nos termos das discussões parcelares, pode-se dizer que Stutchka passa  
pelos temas história e da filosofia do direito até a teoria política e da história do  
pensamento político. Inicia a exposição por Aristóteles, passando por Aquino,  
Maquiavel e Grócio. Após expor sobre os teóricos contratualistas, irá empenhar mais  
espaço para a discussão sobre a perspectiva kantiana. Sobre Kant, irá justificar tal  
atenção, pois “já há algumas décadas, por parte de nossa contrarrevolução, outrora  
denominada revolução, convoca um ‘retorno’ a ele” (ibid., p.298). No que importa ao  
pensamento pós-Kant, tece breves comentários a intelectuais como Hegel, Bentham e  
aos da Escola Histórica, com os quais Marx teve contato já no início de sua formação.  
Para o fechamento da discussão proposta, Stutchka irá reservar o último  
capítulo para o programa de estudos sobre a jurisprudência. Imbuído da assumida  
influência bukhariniana em sua concepção de ciência, estabelece que, a partir de sua  
compreensão das formas jurídicas, o campo da teoria da jurisprudência deve ocupar-  
se “do estudo da substância das formas concretas de relações sociais” (ibid., p.319,  
grifo do autor), de modo que possam ser compreendidas “aquelas formas por meio  
das quais as pessoas [...] realizam formalmente, efetivam (vermitteln) as relações  
sociais, como, por exemplo, as relações do capital, da propriedade, da troca de  
mercadorias, etc.” (ibid., pp.318-319, grifo do autor).  
Um último elemento da obra que merece um destaque crítico se refere à função  
do direito penal, que herda uma concepção moralizante em seu conceito de defesa  
social. Para Stutchka, o direito penal seria “um meio auxiliar de manutenção tanto do  
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sistema político quanto social e de suas instituições e atividades isoladas” (ibid.,  
p.321). Desse modo, as normas penais funcionam de modo que “o sistema de relações  
sociais de uma dada sociedade de classes se protege de violação (‘delito’) mediante  
as assim chamadas medidas de defesa social” (ibid., p.325). A finalidade da norma é  
a readaptação e a condição para que cesse o isolamento (medida última) é o  
“desaparecimento das condições” que motivaram. Essa concepção estava explicitada  
na compilação de leis em vigor, portanto, chegou a produzir impactos no sistema penal  
soviético.  
No intuito concluir o presente texto, convém enfatizar, mais uma vez, a  
importância da obra fundante da crítica marxista ao direito, posicionando crítica contra  
as tendências interpretativas dominantes, que relegam ao autor d’O papel  
revolucionário do direito e do Estado um lugar de subalternidade em relação ao que  
consideram o cânone da crítica marxista ao direito. No decorrer da argumentação  
dessa resenha, espera-se que tenha sido possível convencer o leitor da necessidade  
de se conhecer a obra de tão importante intelectual, sem o qual não se pode conhecer  
o debate jurídico soviético, até para se ir além dele; espera-se, também, que tenha  
sido possível auxiliar na desconstrução da ideia segundo a qual os dois grandes  
autores do debate soviético seriam antagonistas, quando, em fato, fundaram juntos o  
campo de investigação conhecido por “direito e marxismo”.  
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Como citar:  
ASSIS, Matheus Daltoé. A gênese da crítica marxista ao direito: um convite à leitura  
d’O papel revolucionário do direito e do Estado, de Piotr Stutchka. Verinotio, Rio  
das Ostras, v. 29, n. 1, pp. 502-513; jan.-jun., 2024.  
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