Edição especial  
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A miséria brasileira  
DOI 10.36638/1981-061X.2025.30.1.752  
O capital atrófico: da via colonial à mundialização  
Atrophic capital: from the colonial path to globalization  
Lívia Cotrim*  
Resumo: Este texto, escrito como apresentação à  
primeira edição do livro de J. Chasin A miséria  
brasileira, objetiva chamar a atenção para  
aqueles que são, no entender da autora, as  
principais conquistas do pensamento chasiniano  
expressas naquele livro. Assim, a categoria de via  
colonial e seu encerramento, a proposta da  
“dupla transição”, a crítica ao politicismo e à  
analítica paulista são destacados e é esclarecida  
sua relevância para o entendimento do país.  
Abstract: This text, written as an introduction to  
the first edition of J. Chasin's book Brazilian  
poverty, aims to draw attention to what the  
author believes to be the main achievements of  
Chasin's thought expressed in that book. Thus,  
the category of the colonial path and its  
conclusion, the proposal of the “double  
transition”, the critique of politicism and the  
paulista analytics are highlighted and their  
relevance for understanding the country is  
clarified.  
Palavras-chave: J. Chasin; miséria brasileira; via  
colonial; politicismo.  
Keywords: J. Chasin; Brazilian poverty; colonial  
path; politicism.  
"A conjunção entre o embrião maldito do capital  
incompletável e a insubstancialidade teórica  
e prática da esquerda organizada é a determinação  
da miséria brasileira, determinação particularizadora,  
para o capital e capitalismo de extração colonial,  
da fórmula marxiana de 'miséria alemã’".  
J. Chasin  
A publicação deste volume, composto do conjunto de artigos produzidos por  
J. Chasin a respeito da problemática brasileira, é a execução de um projeto formulado  
pelo autor, um entre os vários que sua morte prematura deixou inacabados.  
Projeto que não visava somente reeditar trabalhos há muito fora de circulação,  
o que já por si seria legítimo e importante, mas sim oferecer o conjunto de uma análise,  
desdobrada e enriquecida ao longo de mais de vinte anos, envolvendo o essencial de  
todo um ciclo da história brasileira.  
O material que compõe este volume foi organizado por Chasin; mas não lhe  
restou o tempo necessário à elaboração do estudo que deveria abri-lo, no qual  
*
Lívia Cotrim (1959-2019) - Doutorado em Ciências Sociais pela Pontifícia Universidade Católica de  
São Paulo; mestre em Ciência Política pela Universidade Estadual de Campinas; graduada em Ciências  
Sociais pela Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo. Foi professora do Centro  
Universitário Fundação Santo André.  
Verinotio  
ISSN 1981 - 061X Edição especial: A miséria brasileira; v. 30, n. 1 jan.-jun., 2025  
nova fase  
 
O capital atrófico: da via colonial à mundialização  
pretendia fazer um balanço do período histórico recém-encerrado e de seus momentos  
de inflexão mais significativos, bem como tracejar os contornos do novo momento que  
mal começamos a viver.  
Entretanto, os trabalhos aqui reunidos falam por si, e nos falam tanto do evolver  
da realidade quanto da trajetória de um intelectual que, insubmisso à maré montante  
da produção do falso e indiferente aos aplausos fáceis, sejam acadêmicos ou  
partidários, debruçou-se sobre a tarefa, que aliás sempre entendeu coletiva, de "tomar  
por centro o resgate da obra marxiana e se pautar por seus lineamentos ao facear  
crítica e praticamente os temas nacionais"1.  
Desde a década de 70, Chasin se dedicou concomitantemente a esse duplo  
esforço: recuperação do pensamento próprio de Marx e análise da realidade brasileira,  
em suas conexões com a situação mundial. Esforço que resultou no reconhecimento  
do estatuto ontológico do pensamento marxiano e, no interior dessa problemática, da  
questão dos modos particulares de objetivação do capitalismo.  
A descoberta da forma particular de objetivação do capitalismo industrial  
brasileiro que denominou de via colonial constitui a plataforma de acesso à  
compreensão essencial das últimas décadas da história brasileira, décadas em que a  
via colonial deu seus passos finais, tanto por suas próprias forças e impulsos, quanto  
pela ausência efetiva de ações que a barrassem ou infletissem, encerrando seu caminho  
pela consolidação de uma forma específica de capitalismo. Caminho intimamente  
vinculado as transformações do panorama mundial, já que as diferenças nacionais se  
forjam continuamente no interior de sua interrelação recíproca.  
É desse percurso que tratam os textos incluídos neste volume, abarcando a  
gênese e o desenvolvimento histórico das categorias societárias que compõem e  
forjam a formação social brasileira, a apreensão das possibilidades concretas de  
infletir, a partir da perspectiva do trabalho, a lógica perversa da via colonial, bem como  
as condições objetivas e subjetivas que condicionaram a perda daquelas  
oportunidades. O que implicou a avaliação crítica tanto da esquerda tradicional, que  
floresceu no pré-64, quanto da assim chamada "nova esquerda", de cunho não  
marxista, nascida nos entornos do golpe militar. Essa crítica incidiu, fundamentalmente,  
na denúncia da subordinação de ambas, em que pesem os modos diferentes com que  
o fizeram, ao arco de possibilidades, teóricas e práticas, do capital, de sorte que,  
1 I. "Rota e Prospectiva de um Projeto Marxista", in. Ensaios Ad Hominem I, Tomo II - Politica, São Paulo,  
Ad Hominem, 2000.  
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"esquerdas só no nome", mais confundiram do que esclareceram, mais deprimiram do  
que elevaram a categoria societária que pretensamente representavam. Como e por  
que o fizeram, são as perguntas que Chasin buscou responder.  
O que se evidencia mais imediatamente ao percorrermos os escritos chasinianos  
é sua rigorosa e estrita subsunção aos nexos concretos do real a ser apreendido,  
subsunção determinada pela consciência de que a efetivação da perspectiva do  
trabalho exige ações práticas racionalmente orientadas e fundadas nas tendências e  
potencialidades objetivamente existentes. Esse rigor no acompanhamento do evolver  
da realidade evitou a armadilha de transformar quaisquer das aquisições de sua análise  
em uma sorte de modelo supostamente capacitado a explicar toda e qualquer situação.  
Ao contrário, permitiu e exigiu o reconhecimento das mudanças que se foram  
efetivando ao longo do período analisado, e portanto a alteração das posições práticas  
demandadas. Assim, o encerramento da via colonial a finalização do processo de  
objetivação do capitalismo industrial brasileiro e o desaparecimento das  
possibilidades anterior mente presentes para sua superação, a forma atual da lógica  
do capital mundializado, bem como a morte da esquerda e suas múltiplas irradiações  
constituem os temas que ocupam a atenção de Chasin em seus últimos escritos,  
visando sempre a recuperar, pela análise da realidade, as novas possibilidades de sua  
superação derivadas da lógica do trabalho.  
A via colonial  
O empenho de Chasin em apreender o modo como se objetivou e vem se  
reproduzindo o capitalismo industrial brasileiro se apóia na recuperação, mediada pela  
obra madura de Lukács, do que designou como o estatuto ontológico do pensamento  
marxiano.  
O esforço de encetar a análise ontológica da realidade brasileira implicou a  
crítica e superação das abordagens que tomam o caráter universal do modo de  
produção capitalista e os traços singulares de cada formação social como categorias  
exteriores uma à outra, de sorte que o primeiro se reduz a um conjunto de "atributos  
e leis genéricas" que, em seu isolamento, se enrijecem e autonomizam, adquirindo as  
feições de modelo, enquanto os segundos, também graças ao isolamento, reduzem-se  
a dados imediatos, cujo efetivo significado resta inalcançável. A intelecção adequada  
da realidade exige a dissolução desses coágulos enrijecidos pela mediação de suas  
formas específicas de existência: a particularidade, "ou, realçando a dimensão  
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ontológica, à verificação de que há modos e estágios de ser, no ser e no ir sendo  
capitalismo, que não desmentem a universalidade de sua anatomia, mas que a realizam  
através de objetivações específicas"2.  
Ou seja, à medida que os universais existem apenas na malha objetiva das  
relações sociais, as formas concretas de sua existência constituem a mediação real  
entre os atos e relações singulares de que é tecida e os traços comuns a um conjunto  
de modos de ser específicos isto é, o universal. À simplicidade das abstrações  
enrijecidas a que são limitados universais e singulares quando remetidos  
imediatamente um ao outro, substitui-se, assim, a riqueza da "síntese de muitas  
determinações" que caracteriza, de acordo com Marx, o concreto real, e que deve ser  
apanhada e reproduzida nesta riqueza pelo pensamento.  
A aproximação da forma particular de objetivação do capitalismo brasileiro tem  
por parâmetro os contornos, traçados por Marx, da "miséria alemã", mostrando que o  
caráter lento e tardio da constituição do capitalismo extrapola em muito a referência  
cronológica, gestando uma forma de ser específica que afeta todas as relações e  
categorias societárias.  
Lentidão determinada pela ausência de processos revolucionários de transição,  
substituídos pela conciliação entre atraso e progresso sociais, entre o modo de  
produção capitalista, que forceja por se desenvolver e impor, e modos de produção  
arcaicos, cuja sobrevivência, assim possibilitada, emperra e restringe o  
desenvolvimento do primeiro. De sorte que "a emersão do novo paga alto tributo ao  
historicamente velho", alterando de modo substancial diversos aspectos da  
organização social, desde o ordenamento econômico, passando pelo caráter,  
perspectivas e limites da classe que está na ponta daquele processo de transição a  
burguesia , e atingindo as formas de exercício do poder político.  
O tratamento a que tanto Marx quanto Engels e Lenin submeteram o caso  
alemão, distinguindo a forma clássica da forma tardia de objetivação do capitalismo,  
toma para Chasin o caráter de "referencial exemplar" para a apreensão da  
particularidade brasileira, não só pela indicação das diferenças que o atraso no  
desenvolvimento capitalista gera em relação aos casos clássicos, mas sim por  
evidenciar que o percurso da análise concreta é o de extrair do próprio objeto as  
determinações que o configuram. Posto desta maneira o problema, fica consignada  
2 cf. "A Politicização da Totalidade: Oposição e Discurso Econômico".  
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uma crítica à subsunção do caso brasileiro aos contornos da miséria alemã, ou via  
prussiana, procedimento que a toma como modelo, "contorno formal aplicável a  
ocorrências empíricas", e reedita, assim, o estiolamento dos universais.  
Chasin principia a evidenciar os lineamentos da particularidade brasileira  
atentando para a inserção do país na acumulação primitiva de capital européia, na  
condição de empresa mercantil colonial. Esta é a origem histórica e o sentido da  
grande propriedade agrária brasileira, diversa da propriedade agrária feudal alemã,  
forma que o processo de industrialização defrontará pela via da conciliação pelo alto,  
denegando os caminhos revolucionários e conservando, assim, um pilar fundamental  
da subordinação ao capital metropolitano. De sorte que, enquanto a Alemanha inicia  
sua industrialização autonomamente em fins do século XIX e alcança a condição  
imperialista, a brasileira se afirma já no período das guerras imperialistas do século  
XX, e sem romper a subordinação ao imperialismo.  
De maneira que também no Brasil está presente a conciliação entre novo e  
velho, mas com "um velho que não é, nem se põe como o mesmo", assim como a  
industrialização também não se põe do mesmo modo que na Alemanha, configurando-  
se o verdadeiro capitalismo brasileiro como hiper-tardio e subordinado.  
Em textos subsequentes, os contornos da via colonial, oferecidos ainda de  
forma abstrata nos dois primeiros artigos deste volume, são concretizados e  
enriquecidos. Tendo por objeto da análise o andamento da história brasileira recente,  
os nexos da situação atual evidenciam em si as determinações e atualizações da via  
colonial, em seu desdobramento histórico concreto, iluminando o sentido dos  
acontecimentos e situações anteriores.  
Em Conquistar a Democracia pela Base, de 1978, examinando criticamente o  
processo de "abertura" política que então se iniciava e o "milagre" econômico e sua  
crise, Chasin avança na compreensão da particularidade da burguesia e do capitalismo  
brasileiros, tal como se põem objetivamente nos planos socioeconômico e político, e  
ilumina também a questão da democracia em seu enraizamento e contornos concretos.  
O texto abre com uma determinação central da via colonial: toda a história  
brasileira é "rica" em ditaduras e "milagres", e pobre em soluções democráticas  
efetivas. Identifica, nos "ciclos" econômicos que marcaram tanto as atividades mais  
estritamente agroexportadoras quanto a acumulação industrial, outros tantos  
"milagres econômicos", capazes de propiciar, durante períodos mais ou menos curtos,  
uma larga acumulação (cuja maior parte é de apropriação e realização externa),  
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esgotando-se em seguida e sendo substituídos, mais ou menos rapidamente, por outro  
"milagre" (ou ciclo). De sorte que o "milagre" econômico que se desenvolveu entre  
1968 e 1973 o "mais curto deles" tanto quanto sua crise, iniciada em 74, não  
se mostram como uma novidade na história brasileira, mas, ao contrário, como a  
reiteração de uma forma de ser que, gestada no período colonial, evidencia suas  
características à luz da configuração mais complexa e desenvolvida. Do mesmo modo  
que a presença dos "milagres", também a das ditaduras se impõe à observação, desde  
as formas políticas assentadas sobre a mão de obra escrava, até o último século,  
republicano, de nossa história, cuja maior parte também decorreu debaixo de formas  
ditatoriais de poder político, mais claras umas (o Estado Novo e a última ditadura  
militar), mal veladas outras (a da Primeira República).  
Mais do que a mera constatação da presença simultânea de ditaduras e  
"milagres", Chasin aponta o entrelaçamento de ambos, explicitando a determinação  
das formas políticas pela ordenação e andamento socioeconômicos. É o  
desvendamento das bases do "milagre" econômico e de sua crise que permite  
compreender os alicerces sobre os quais se erigia a ditadura militar e os motivos que  
a levaram a desencadear a "abertura" política. Simultaneamente, à medida que se põe  
como momento do processo de industrialização objetivado no interior da via colonial,  
sua dilucidação abre para a compreensão de traços fundamentais desta última  
A análise chasiniana do "milagre" voltou-se à compreensão dos mecanismos  
que, se sustentaram o sucesso, para o capital, daquele ciclo de acumulação,  
determinaram também seu duplo fracasso: em primeiro lugar, enquanto plataforma de  
resolução dos problemas econômico-sociais que afetam os trabalhadores, e em  
segundo lugar, após curto período, como ciclo de acumulação. A compreensão desse  
duplo fracasso é fundamental, seja para o entendimento do capitalismo forjado pela  
via colonial, seja para o estabelecimento de uma plataforma de lutas fundada na  
perspectiva do trabalho.  
A análise do "fracasso geral" do "milagre" se beneficia de aquisições marxianas,  
nomeadamente a do nexo entre produção e distribuição, recuperando a determinação  
da primeira sobre a segunda, tanto no sentido de que só pode ser distribuído o  
produto da produção, quanto no de que a produção contém e implica uma específica  
distribuição dos meios de produção e dos homens que a realizam, condicionando o  
modo como os indivíduos participam na distribuição final do produto. Produção e  
distribuição deixam, assim, de ser tomadas como duas esferas desvinculadas, uma das  
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quais a produção seria regida por "leis naturais", enquanto a outra a  
distribuição poderia ser objeto de alterações dependentes da vontade, ou da  
política. Esta forma inadequada de as apreender vem se mantendo, até os dias atuais,  
como apanágio negativo das oposições, que descartam, assim, a crítica a base material  
da existência, ao modo pelo qual os homens produzem e reproduzem sua vida, e  
sustentam a suposição de que seja possível acoplar, à estrutura da produção existente,  
uma política de distribuição de renda, de sorte que a própria renda a ser distribuída é  
tomada de modo inteiramente abstrato, tanto no que diz respeito à especificidade dos  
produtos que a constituem, quanto no que se refere aos critérios de sua apropriação.  
A desconsideração daqueles nexos restringia o combate à ditadura ao campo  
estritamente político.  
Contrapondo-se a isto, Chasin mostra que o esquema produtivo responsável  
pelo "milagre" centrado nos bens de consumo duráveis, capitaneado por empresas  
monopólicas majoritariamente estrangeiras, e complementado pelo "esforço  
exportador", basicamente de produtos agrários tinha como pilar fundamental o  
rebaixamento salarial: a superexploração do trabalho. A forma retardatária,  
subordinada e conciliada com o historicamente velho do evolver da industrialização  
brasileira mostra a manutenção, devidamente modernizada e "desenvolvida", de sua  
face mais perversa a miserabilização das amplas massas trabalhadoras, que se põe,  
não como produto de uma "lacuna" distributivista, mas como base e sustentáculo da  
própria forma de desenvolvimento. E esta não poderia jamais gerar uma distribuição  
de renda adequada para as classes trabalhadoras tanto o que era produzido não  
se voltava para elas, quanto sua inserção social se fazia pelo critério do arrocho  
salarial, indissociável da lógica daquele ordenamento da produção. De modo que  
desde sua gênese, e ao longo de seus anos de "sucesso" em que propiciou uma  
larga acumulação, prioritariamente para o capital monopolista, nacional e internacional  
, o "bolo" confeccionado pelo "milagre", por mais que crescesse, "jamais poderia  
render para as massas trabalhadoras".  
O " fracasso restrito" do "milagre", o fim desse ciclo de acumulação de capital,  
mostra também a estreiteza da plataforma sobre a qual se erigiu e, portanto, do capital  
e da burguesia que o encabeçaram, à medida que seu rápido esgotamento deveu-se  
às mesmas bases que garantiram seu curtíssimo sucesso, e cuja manutenção impôs  
como "solução" o desaquecimento econômico.  
O desvendamento dos mecanismos do "milagre" vem acompanhado, tanto  
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neste texto como em As Máquinas Param, Germina a Democracia! (que tem por tema  
principal as greves de 1978 e 79 no ABC), da explicitação das razões do golpe de 64  
e do caráter autocrático da burguesia e do estado gestados pela via colonial. Chasin  
demonstra que a ditadura militar teve por suposto e objetivo a garantia de uma  
determinada organização produtiva, que vinha sendo questionada pelos movimentos  
populares. A industrialização subordinada ao capital externo, capitaneada pela  
produção de bens de consumo duráveis, conciliada com a estrutura agrária herdada  
da colônia e assentada na superexploração do trabalho, portanto na exclusão  
econômica dos trabalhadores, é a marca da estreiteza econômica da burguesia  
brasileira, determinante de sua estreiteza política: incapaz de dominar sob forma  
efetivamente democrática porque impossibilitada de lutar ou sequer perspectivar  
sua autonomia econômica, e, assim, de se por à frente de um projeto de cunho  
nacional, apto a incluir, embora nos limites do capitalismo, as classes a ela  
subordinadas , a burguesia brasileira só pode exercer seu poder político sob forma  
autocrática.  
A ditadura bonapartista, "expressão armada" da autocracia, evidencia-se em seu  
significado real: a forma institucional, sem perder sua especificidade, perde "qualquer  
aparência de autonomia" (Marx), e mostra as relações concretas sociais que a  
determinam. Ilumina-se, assim, o campo no qual deveria se dar a luta contra a ditadura  
o campo das condições materiais de produção e reprodução da vida, o campo das  
relações sociais, no qual deitam raízes os problemas políticos, que não desaparecem  
nem se diluem, ao contrário, adquirem sua real fisionomia. Ficam impugnadas as  
análises que, restritas ao campo do político, privilegiam as formas políticas desligadas  
de suas reais condições de existência, e vêm como seu fundamento a vontade.  
Do mesmo modo que a ditadura, o processo de "abertura", incorretamente  
denominado de processo de "redemocratização", é abordado a partir de seus  
fundamentos socioeconômicos efetivos: a crise do "milagre", isto é, a crise da  
organização econômica em função da qual fora dado o golpe em 64. Com a crise, já  
evidenciada em 1974, desfaz-se o bloco aparentemente monolítico que sustentara o  
estado bonapartista: os setores burgueses que o compunham têm agora necessidade  
de discutir e influenciar mais diretamente os rumos da política econômica  
governamental, a fim de disputar quais setores pagariam o ônus da crise, e como se  
desenharia uma nova rodada de acumulação. Sem, entretanto, que fossem  
questionados os fundamentos da organização econômica vigente a superexploração  
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do trabalho, a subordinação ao capital externo, a estrutura agrária, o privilegiamento  
do setor de bens de consumo duráveis como carro-chefe do desenvolvimento  
industrial , o que implicava deixar em pé o caráter autocrático do estado, mantendo  
excluídos do debate da questão essencial a econômica os trabalhadores.  
De sorte que a "abertura", iniciada pelos próprios sustentáculos da ditadura,  
buscando "abrir" institucionalmente para a participação mais direta dos setores  
burgueses, não visava à democracia, mas sim a institucionalização da autocracia,  
substituindo sua fisionomia abertamente ditatorial por traços mais abrandados. A  
transição pelo alto, plenamente alcançada tanto pelos méritos da situação, quanto  
pelos deméritos da oposição preserva, assim, as linhas essenciais tanto do "modelo"  
econômico quanto do estado autocrático.  
A apreensão dos determinantes da autocracia abre para o entendimento de  
outra característica da burguesia de via colonial: o politicismo. Se em seu fundamento  
último a determinação ontopositiva da politicidade3, cujo núcleo é a consideração  
do estado e da política como necessidades permanentes da humanidade e expressões  
de suas melhores qualidades o politicismo é comum a todo o pensamento burguês,  
sua manifestação no Brasil não deixou de ter traços peculiares, determinados pela  
estreiteza da burguesia aqui constituída. A debilidade objetiva de um capital induzido,  
incapaz de perspectivar sua autonomia, incompleto e incompletável, e assentado na  
superexploração da força de trabalho, impossibilitando a incorporação das classes  
subalternas, torna vital para a burguesia a negação do debate sobre o ordenamento  
econômico à classe trabalhadora, resultando daí o seccionamento entre o plano da  
produção e reprodução da vida e as questões políticas. De maneira que estas são  
postas para a discussão independentemente daquele, considerado, no máximo, como  
um problema "técnico". Essa autonomização e hipertrofia do plano político o esvazia  
de seu real sentido, formaliza-o, e simultaneamente impede sua efetiva transformação.  
Desse modo, o politicismo atua "como freio e protetor" da estreiteza econômica da  
burguesia, uma vez que freia antecipadamente qualquer discussão sobre sua fórmula  
econômica, relegada à "esfera intangível do privado", e, assim, a protege em seus  
interesses centrais.  
Em Hasta Cuando? A Propósito das Eleições de Novembro4, Chasin desdobra  
3
Ver o Tomo III - Política, da revista Ensaios Ad Hominem I, coletânea de trabalhos em que J. Chasin  
examina a determinação ontonegativa da politicidade em Marx.  
4
Texto publicado originalmente em 1982, em que Chasin examina as primeiras eleições diretas para  
governadores depois do golpe militar.  
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amplamente esta questão, demonstrando as interligações entre o modo de objetivação  
do capitalismo brasileiro, o caráter autocrático do estado, em suas diversas formas, e  
o politicismo. Este, "forma natural de procedimento" da burguesia brasileira, passa a  
ser utilizado conscientemente, a partir de 64, como estratégia política.  
Autocracia e politicismo, longe de serem contingentes ou restritos a um  
momento histórico singular, são determinados pela atrofia histórica e estrutural do  
capital e da burguesia de via colonial, retardatária, conciliadora e subordinada,  
economicamente liberal mas sem aspirações democráticas. Estreiteza econômica e  
consequentemente política que lhe inviabilizam o exercício da hegemonia sob forma  
democrática que exigiria a integração e participação de todas as categorias sociais  
e deixam-lhe apenas duas alternativas para sua dominação: a "truculência de classe  
manifesta" o bonapartismo, expressão armada do politicismo , ou a "imposição  
de classe velada ou semivelada" a autocracia institucionalizada, expressão jurídica  
do politicismo. A alternância entre estes dois pólos pode ser observada tanto na última  
ditadura militar e sua posterior "abertura", quanto na sucessão do Estado Novo pela  
assim chamada "redemocratização" de 1945/46.  
O desvendamento das bases sociais do estado brasileiro reconfigura totalmente  
a questão da democracia, iluminando suas condições de possibilidade, as quais  
apontam para outro sujeito histórico o trabalho, ao invés do capital e, portanto,  
para outro conteúdo, não limitado as franquias institucionais, embora sem as  
desprezar. Elucidando a fonte efetiva dos males sociais a sociedade civil, na  
particularidade histórica de sua objetivação, recusa o seccionamento, característico da  
concepção liberal, entre as "partes" componentes da existência humana, e abre  
caminho para a crítica radical da política, concomitantemente à crítica radical do capital  
em suas diversas entificações, inclusive aquela derivada das tentativas frustradas de  
transição socialista5. Em outros termos, essa abordagem substitui a perspectiva  
quimérica, hoje dominante, do aperfeiçoamento do estado e da domesticação do  
capital pela da superação do capital e da política, com vistas à emancipação humana.  
5
Não por acaso Chasin publica, em 1983, ano do centenário da morte de Marx, Da Razão do Mundo  
ao Mundo Sem Razão (Revista Ensaio n° 11/12. São Paulo, Ensaio, 1983), primeiro trabalho em que  
alcança a determinação das formas societárias pós-capitalistas como formas que. abolindo a  
propriedade e os proprietários privados, não atingem, entretanto, a apropriação e gestão sociais dos  
meios de existência, mantendo o capital em uma configuração inusitada: o capital coletivo/não social,  
gerido, embora não apropriado, pelo estado - razão da permanência e ampliação deste parasita que  
sufoca o corpo social. O mesmo tema será retomado, com amplos desdobramentos, em A Sucessão na  
Crise e a Crise na Esquerda, incluído neste volume.  
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Não se deixando embair por aquela quimera, e tendo por horizonte a emancipação  
humana, tornou-se possível, a partir da análise das condições objetivamente  
existentes, visualizar os passos concretos que permitiriam vincular a solução das  
carências mais prementes ao percurso em direção àquele objetivo.  
Trata-se de questão nodal, para a qual, entretanto, as esquerdas não haviam  
ainda atentado, e que permanece, ainda hoje, desconsiderada por elas. O que vem  
levando à perda constante de oportunidades históricas de encetar um caminho menos  
desfavorável às massas subordinadas.  
O trânsito do bonapartismo à institucionalização da autocracia burguesa, em  
seus passos políticos assim como em seu fundamento efetivo a crise econômica e  
a busca de uma nova equação nesse plano que permitisse a retomada da acumulação  
em ritmo mais intenso , foram cuidadosamente acompanhados, sempre mantido o  
eixo de que a ruptura com o politicismo e com este trajeto adstringente é uma tarefa  
das forças do trabalho, e não do capital.  
Nesse sentido foram tratados a campanha pelas Diretas-Já, a eleição indireta  
de Tancredo Neves, sua morte às vésperas da posse e o estabelecimento da Nova  
República sob a égide de Sarney e do Plano Cruzado. No âmbito deste penúltimo  
passo da reconversão do bonapartismo à autocracia institucionalizada, o Plano  
Cruzado6 é lapidarmente determinado como "o segredo desvendado da democracia  
de proprietários no Brasil". E fundamental atentar para o fato de que sua debilidade  
não dizia respeito a este ou aquele problema técnico, e sim a defasagem entre, de um  
lado, a grandeza dos desafios que deviam ser enfrentados para o capital,  
estabelecer as bases de uma nova fase de acumulação, e para o trabalho, eliminar a  
superexploração e a mesquinhez do programa adotado. Defasagem, grifava Chasin,  
de caráter qualitativo, uma vez que a resolução efetiva desses desafios exigiria uma  
alteração profunda no padrão de produção, embora não estivesse em jogo,  
imediatamente, uma transformação no modo de produção.  
Esse diagnóstico tomava por base a já aludida crise do "milagre", para a qual o  
capital e seus prepostos ainda não haviam sido capazes de encontrar uma alternativa.  
Uma vez que os mecanismos que engendraram os elevados índices de acumulação do  
"milagre" foram também os responsáveis por seu esgotamento, qualquer alternativa  
demandaria uma reformulação da equação econômica existente, sinteticamente pela  
6 Cf. A Miséria da República dos Cruzados.  
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redefinição das relações com o imperialismo e reordenamento do padrão monopólico  
interno de acumulação reformulação incompatível com o modo de existência do  
capital atrófico: uma burguesia que "assumiu sua miséria" vê na mera perspectiva de  
transformação uma dupla ameaça: teme o "mais forte, que lhe deu a vida", e os "de  
baixo, que podem toma-la". Nesse quadro, e "já que só admite transformações na  
ordem e pelo alto, aos cochichos com seus pares, num rodeio autocrático", a resposta  
ao desafio foi o Plano de Estabilização Econômica, que buscava apenas reequilibrar o  
quadro já existente, sem tocar em seu perfil estrutural. O problema vital do  
financiamento dos investimentos que abririam para uma expansão prolongada não foi  
sequer aflorado. Financiamento que, dado o caráter parasitário do capital atrófico,  
deveria ser garantido pelo estado ou pelo capital externo, alternativas inviabilizadas  
pelo crescente endividamento, que, desde os estertores do "milagre", atingira níveis  
alarmantes.  
Embora não tenha passado disso, o Plano Cruzado foi, entretanto, para o  
capital, uma "compressa reconfortante". Já para o trabalho, foi a "configuração perversa  
do esbulho de sempre". Mantida intacta a organização produtiva, o congelamento dos  
preços no pico (logo convertido em ágios e desabastecimento) e dos salários na "média  
semestral de cinco meses" perpetuou as perdas salariais anteriores. Em outras  
palavras, tratou-se da consolidação do arrocho: "este é o coração concreto da  
democracia de proprietários no Brasil'' ou seja, uma "democracia" assentada sobre  
a manutenção da exclusão.  
Chasin levanta ainda, em torno da análise do Plano Cruzado, um problema  
crucial, que se manifestará com maior evidência e clareza alguns anos depois, na  
campanha sustentada por Collor de Mello quando das eleições diretas para a  
presidência da república: o problema da manipulação. Abrangendo muito mais do que  
a mera demagogia, ou do que um mero ato ou posição subjetivos, já havia sido  
aflorado por ocasião da eleição indireta e posterior morte de Tancredo Neves, elevado  
naquele momento a "mito mudancista", quando não era senão a expressão do  
conservantismo civilizado e da transição pelo alto. Indo além, em todos esses casos,  
da superfície imediata do problema, Chasin alcança a dilucidação de seu fundo  
objetivo: a incapacidade do capital atrófico de se pôr como agente transformador,  
motivo pelo qual a transformação se converte em seu contrário, a manipulação. Esta,  
reduzindo a prática ao sentido da imediaticidade, "opera o rearranjo tópico eficiente  
dos fatores em presença", do que resulta uma "mudança que sustenta e reafirma a  
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natureza da estrutura e os fatores que a integram, reproduzindo os lugares sociais dos  
atores no complexo".  
A "inteligência da manipulação" é comum a toda a burguesia contemporânea,  
entretanto importa frisar que, para as burguesias centrais, tal inteligência substitui hoje  
a inteligência da transformação que teve anteriormente, enquanto "para as burguesias  
periféricas é a expressão de sua única inteligência", na exata medida em que estas  
jamais puderam se por como agentes de transformação. A manipulação é a inteligência  
possível do capital atrófico, não uma debilidade ou defeito de caráter deste ou daquele  
indivíduo ou organização, mas sim uma determinação social da incompletude de classe  
do capital atrófico, cujo processo de objetivação não se dá por transformações  
superadoras do historicamente velho, mas por sucessivas modernizações do arcaico.  
Essa constituição do capitalismo brasileiro pela via colonial vai dando seus  
últimos passos em fins da década de 80, em conformidade, mais uma vez, com as  
alterações que se verificavam no plano internacional. Esses passos finais, bem como  
as alternativas ainda presentes de infletir seus rumos, foram exaustivamente  
examinados por Chasin às vésperas das eleições presidenciais de 1989, em A  
Sucessão na Crise e a Crise na Esquerda. Trabalho que sintetiza e se apóia sobre os  
resultados do intenso esforço analítico realizado nos anos anteriores, tanto no sentido  
de dilucidar a realidade brasileira, quanto no de recuperar o pensamento de Marx, e  
que abrange das determinações objetivas às manifestações ideológicas, nos planos  
interno e internacional.  
O texto abre com a indicação de que estávamos, então, vivendo uma situação  
histórica muito diversa daquela em que haviam se dado as últimas eleições  
presidenciais diretas. A situação brasileira é abordada no interior do complexo de  
problemas postos pela crise nos dois subsistemas do capital o capitalismo, que  
enfrentava a crise do capital super-produzido, e o capital coletivo/não social, que, já  
em seus estertores, exibia a crise do capital estagnado , bem como pela morte da  
esquerda. Chasin investiga a crise planetária, objetiva e subjetiva, vivida pela  
humanidade tendo por suposto a perspectiva da emancipação humana, o que obriga  
e permite trazer à luz as necessidades históricas que determinaram sua gênese e  
desenvolvimento, as contradições que a permeavam e as alternativas para a lógica do  
trabalho que abrigava.  
O exame das eleições presidenciais de 1989 e das circunstâncias em que  
ocorreram evidencia que configuravam o último passo tanto da reconversão da  
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ditadura bonapartista em autocracia institucionalizada, quanto do percurso da via  
colonial.  
Interessa, aqui, ter claro o sentido dessas afirmações. Ou seja, de uma parte,  
entender que a finalização da transição pelo alto significava a vitória das forças  
conservadoras que haviam engendrado o golpe militar e a própria transição (em que  
pese o fato de terem sido afastadas suas componentes mais truculentas), vitória que  
se desenhava primordialmente pela manutenção da estrutura econômica que as  
sustentava, a qual, entretanto, deveria ser devidamente modernizada para poder,  
diante das transformações internacionais que se punham, continuar se reproduzindo  
como receptor do capital subordinante. Em outros termos, Chasin aponta que esse  
último passo na direção da autocracia institucionalizada, assim como toda a caminhada  
que levara até aí, tinha caráter eminentemente social, e não estritamente político.  
Retomando uma das determinações centrais da via colonial, a ausência de processos  
revolucionários para a objetivação do capitalismo verdadeiro, e a ojeriza às  
transformações que ela engendra, Chasin mostra a vinculação entre o acabamento da  
transição à autocracia e do próprio processo de constituição do capitalismo no Brasil,  
indicando que, nesses seus passos finais, a burguesia brasileira abandona  
definitivamente qualquer ilusão ou veleidade de autonomia que pudesse ter  
alimentado antes, para aspirar exclusivamente à "boa parceria" com o capital externo,  
em outros termos, para assumir plenamente sua condição subordinada.  
De maneira que, se o golpe de 64 fora dado para barrar movimentos e  
propostas de mudança, o percurso da ditadura bonapartista à autocracia  
institucionalizada não trouxe de volta, nem poderia fazê-lo, um quadro semelhante de  
propostas de transformação. Ao contrário, pôs na ordem do dia somente a  
modernização do arcaico, sua manutenção sob outra roupagem, adaptada às novas  
formas e necessidades do capital mundial.  
É justamente a reviravolta no panorama internacional que marca e induz os  
momentos finais da via colonial, ou do processo de objetivação do capitalismo  
brasileiro. Reviravolta que tem por eixo o movimento de mundialização do capital, que  
já então se evidenciava. A análise chasiniana da dupla crise do capital o capital  
superproduzido no ocidente e o capital estagnado no leste constitui a base para a  
compreensão da especificidade do momento brasileiro. No que se refere ao capital  
superproduzido, importa frisar aqui que o alargamento constante de sua reprodução  
ampliada, alavancada pelo desenvolvimento tecnológico acelerado e já então exigindo  
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uma forte concentração de capital, impôs a este a necessidade premente de expansão  
de seus próprios espaços em outros termos, impôs a necessidade da mundialização,  
cujas primeiras manifestações, ao longo da década de 80, foram as aventuras do  
capital financeiro. O neoliberalismo, seja enquanto prática efetiva do capital, seja  
enquanto ideologia, se confunde com este período em que a superprodução de capital  
aparece como superabundância de capital financeiro, que, em busca de espaço de  
reprodução, arrebenta os limites que o constrangem, para isto rompendo as barreiras  
comerciais e políticas que pudessem emperrá-lo. A desregulamentação e a restrição  
do papel econômico dos estados nacionais foram suas manifestações mais evidentes.  
A derrocada, já então iminente, do capital estagnado do leste veio completar o  
processo de mundialização que então se desenvolvia, ao mesmo tempo em que, no  
plano ideológico, e graças a sua identificação com a transição socialista, reforçou a  
aparentemente inexpugnável vitória do capital, e jogou a última pá de cal sobre a  
sepultura da esquerda.  
É sob o influxo da mundialização do capital que a via colonial vive seu  
encerramento. A vitória de Collor em 89 significou a vitória dos ideais profundos de  
64. Apesar de seu fracasso em realizar os ajustes necessários para a "modernização"  
requerida pela nova etapa de integração subordinada, o panorama que se desenha  
poucos anos depois revela uma realidade bastante distinta, marcando o encerramento  
de um período de seis décadas, ao longo do qual, com todas as vicissitudes, o  
capitalismo industrial brasileiro se objetivou.  
O avanço da mundialização, com a derrocada definitiva do capital coletivo/não  
social, a aceleração do desenvolvimento tecnológico e a quebra das barreiras nacionais  
à circulação do capital, integra muito mais estreitamente do que em qualquer momento  
anterior os espaços nacionais sob a égide do capital, de tal forma que a não integração  
se torna sinônimo de retrocesso e degradação humanos, inviabilizando qualquer  
encaminhamento de soluções no âmbito nacional. O encerramento da via colonial pela  
trilha de suas próprias determinações, e não pela ruptura com elas, deu-se, assim como  
todas as anteriores alterações significativas na vida nacional, por influxo e sob o  
domínio dos movimentos dos capitais subordinantes.  
A dupla transição  
A intelecção da constituição do capitalismo brasileiro expõe as alternativas nele  
presentes para a perspectiva do trabalho. A compreensão de cada momento desse  
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processo em seu vínculo com as raízes históricas que o engendraram e de cada  
acontecimento com os nexos da totalidade na qual se insere permite evitar tanto o  
escolho de brandir apenas com críticas e propostas abstratas quanto o de deixar-se  
afogar pela imediaticidade, gerando reações que não visualizam nem encaminham para  
o horizonte mais generoso da emancipação humana. Ao contrário, Chasin sempre  
buscou apontar caminhos que unissem intrinsecamente esse horizonte à solução das  
demandas mais imediatas das massas trabalhadoras.  
Assim, tanto A Politicização da Totalidade: Oposição e Discurso Econômico  
quanto Conquistar a Democracia pela Base apresentam os lineamentos fundamentais  
da realidade brasileira à época (e a crítica às oposições, por sua incapacidade de  
apreendê-los), expondo a determinação de que a democracia, no Brasil, só poderia ser  
visualizada da perspectiva do trabalho, o que implicava ultrapassar os estreitos limites  
políticos em que a confina o pensamento liberal e ascender a seus fundamentos sociais  
a esfera da produção e reprodução da vida, a organização socioeconômica. Esses  
artigos foram produzidos no momento em que eram lançados, pela própria ditadura,  
os primeiros sinais da "abertura", e imediatamente antes do ressurgimento do  
movimento sindical na cena política do país. Momento em que Chasin volta sua atenção  
para os limites de uma abertura que, comandada pelos mesmos agentes sociais que  
haviam forjado a ditadura, apoiados pelas mesmas classes, não ultrapassava os  
contornos de alterações estritamente político-institucionais, e mantinha intacta a base  
econômica e o caráter autocrático do estado. Das oposições legais e clandestinas  
cobrava-se a ultrapassagem desses limites pelo desenvolvimento de uma crítica  
teórica e prática que ferisse a ditadura militar em seus alicerces, opondo-lhe um  
programa econômico alternativo que, desmontando a lógica do desenvolvimento  
nacional contraposto ao progresso social, reestruturasse o conjunto da vida nacional  
a partir da perspectiva do trabalho, de sorte a integrar as massas populares  
tradicionalmente excluídas, em todos os planos. Os pontos centrais de um programa  
dessa natureza, capaz de aglutinar e cativar para a luta política as massas  
trabalhadoras, são indicados, negativamente, por aqueles suportes da organização  
produtiva vigente que deveriam ser desmontados, por serem a base da exclusão social,  
e positivamente pelas carências mais prementes da classe operária: ampliação da  
produção de bens de consumo populares, investimento estatal e privado nacional na  
indústria de base, reforma agrária que combinasse a tradicional distribuição de  
pequenas glebas para os casos em que a produção assim o permitisse com a criação  
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de grandes empresas públicas (não necessariamente estatais) exemplares pela  
produtividade e pela relação salarial, e redefinição das relações com o capital externo  
(o que, frise-se, não implicava qualquer isolacionismo). Os sujeitos históricos de uma  
transformação dessa ordem só poderiam ser os trabalhadores, que, entretanto,  
arrastariam consigo amplas parcelas da classe média e mesmo setores da pequena e  
média burguesia, excluindo os monopólios nacionais e internacionais. Esse caminho  
exigiria e possibilitaria a derrota do mando autocrático em todas as suas formas,  
ditatorial ou institucionalizada. Simultaneamente, por reordenar o conjunto das  
relações sociais sob a perspectiva do trabalho, abriria caminho para a superação do  
capital. E este processo que Chasin denominou de "dupla transição": a classe  
trabalhadora, premida por carências básicas que podem ser resumidas pelo  
imperativo de resgatar da fome organizada em torno de um programa que atinja e  
transforme as raízes geradoras desta, ao mesmo tempo em que rearranja o  
desenvolvimento nacional e o centra no progresso social, ainda sob o modo de  
produção capitalista, acumula forças, objetivas e subjetivas, para a superação deste  
último.  
Uma tal proposição supera o equívoco de propor a completação do capital, seja  
pela busca de um capitalismo nacional autônomo, seja pelo aperfeiçoamento da  
política. As oposições, no entanto, foram incapazes de se alçar a esta altura, mantendo-  
se no nível rasteiro da luta estritamente político-institucional.  
Panorama que não se alterou quando do ressurgimento do movimento sindical  
a partir de 1978, no qual as oposições não viram nada além do que o acréscimo de  
"mais um" setor social ao caudal oposicionista. Em contrapartida, As Máquinas Param,  
Germina a Democracia!, artigo de 1979, saúda aquela retomada com a afirmação de  
que a história finalmente retomava o curso que o golpe de 64 havia interrompido, bem  
como com uma análise acurada do plano e das condições em que a luta operária se  
movera em 1978 e 79 e um balanço das forças do movimento e de suas debilidades  
ainda não superadas.  
Se nos textos anteriores Chasin já indicava que a presença popular seria a  
virtualidade do novo, neste artigo fica consignada a retomada do curso da história  
pela reemergência deste, que se repõe após longo período 14 anos de lenta  
recuperação e acumulação de forças, tocando de imediato no cerne do problema que  
avassala os trabalhadores: a fome, em cuja raiz encontramos o arrocho salarial, ou a  
superexploração da força de trabalho.  
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As greves de 78 e 79, vitoriosas já pelo simples fato de terem acontecido, eram  
a negação viva de algumas concepções que grassavam no interior das oposições: as  
"especulações sobre o espontaneísmo" e a separação entre luta econômica e luta  
política, já que, tendo a reivindicação salarial por alvo, o movimento paredista obteve  
resultados políticos em diversos níveis: derrubou de fato a lei de greve e alterou a  
correlação de forças, até então francamente favorável à ditadura e sua transição pelo  
alto, ao pôr em xeque um de seus pilares: o arrocho salarial, a superexploração da  
força de trabalho. Ultrapassando em muito os partidos políticos, o movimento dos  
trabalhadores questionou o sistema de produção responsável tanto pela iníqua  
distribuição de renda, quanto pela autocracia.  
O exame chasiniano desvenda as condições específicas que, aproveitadas pelo  
movimento operário, possibilitaram sua reemergência e afirmação, geradas pela crise  
do "milagre econômico" e o consequente esgarçamento do tecido social pelas lutas  
entre as frações do capital, incapazes, até então, de encontrar uma alternativa que  
permitisse um novo ciclo de acumulação, determinando a redução do teor bonapartista  
do poder. De sorte que duas componentes, de sentidos opostos, determinaram a  
dilatação do tecido social: "o desencontro dos setores do capital" e o "encontro dos  
setores do trabalho". A reação brutal dos governos Geisel e Figueiredo às greves, em  
pleno processo de "abertura política", confirmou a defesa da política econômica como  
o principal objetivo e sustentáculo da ditadura.  
Os trabalhadores, retomando seu movimento, perspectivaram e demandavam a  
"recomposição completa da equação do sistema produtivo brasileiro", atacando-o pela  
raiz e apontando para a ultrapassagem da fronteira de seus interesses corporativos na  
direção da luta contra a equação econômica da ditadura e, portanto, contra a própria  
existência dela. Em outros termos, pela sua atuação concreta os trabalhadores  
evidenciaram a "indissolubilidade da ligação entre as questões nacional e  
democrática". A resolução desta última não poderia apoiar-se apenas na afirmação  
genérica de sua importância e validade, mas demandava a pergunta por suas  
condições de possibilidade. Ancorado na compreensão de que, no Brasil, a democracia  
é o historicamente novo e que deveria ser criada, não recuperada, Chasin mostra que  
seu sujeito histórico também não é aquele que classicamente a gerou a burguesia,  
já que sua encarnação brasileira jamais teve condições e disposição para isso; aqui, o  
sujeito histórico da democracia só poderia ser o proletariado, razão pela qual esta  
deixa de se reduzir a um conjunto de franquias e instituições políticas, para se  
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consubstanciar na integração dos trabalhadores em todos os planos. Donde a posição  
central ocupada por um programa econômico alternativo, que vertebraria uma ampla  
frente nucleada pelo operariado e que agregaria outros setores da população,  
excluídas as encarnações do historicamente velho: o latifúndio voltado à exportação,  
o imperialismo e a modernização monopolística.  
A volta à cena das forças do trabalho abriu as portas e deu o passo inicial  
naquela direção. Entretanto, os movimentos grevistas não deixaram de apresentar  
debilidades, em parte próprias de períodos de crescimento e maturação, em parte,  
entretanto, indicativas da interferência e assimilação pelo operariado de concepções  
vesgas. Estas últimas vieram a se manifestar de forma aguda nos embates de 1980,  
assim como na figura de sua maior liderança, já cindida em Lula liderança sindical,  
figura essencialmente positiva e Luís Inácio da Silva militante partidário, cujos  
traços problemáticos fazem-se notar ainda no decorrer da campanha salarial daquele  
ano, e se acentuam cada vez mais daí em diante: a assimilação de "uma certa maneira  
de ver e contar a história brasileira", que desemboca na desconsideração da  
experiência das lutas sindicais e operárias anteriores a 78, especialmente as do pré-  
64; a defesa de um basismo incongruente com sua própria experiência como líder  
sindical; a incapacidade de compreender a necessidade de ampliação da base social e  
política das greves, insistindo em dizer que na greve não há como evitar o isolamento  
político, ao mesmo tempo em que afirma como objetivo da greve de 80 desbancar a  
política salarial vigente, assentando a possibilidade de vitória numa fé tecnicista na  
excelência da organização; finalmente, o desconhecimento de que, além de  
independência sindical e política, a classe trabalhadora necessita de independência  
ideológica.  
Chasin encontra a raiz desses traços no desencontro entre o movimento de  
massas que ressurgia e os descaminhos das teses e propostas político-partidárias,  
sempre inferiores às possibilidades daquele. Estas, uma vez assimiladas pela parcela  
mais organizada da classe operária, o que já se patenteava nos equívocos da  
campanha de 1980 e nas concepções expressas por Lula, serão as principais  
responsáveis pelo rápido descenso de um movimento que surgira com tanta pujança  
e abrira tantas possibilidades. Refluxo visível já na campanha salarial de 81, que se  
consolida a partir de 82, juntamente, e não por acaso, com a ascensão do A  
retração do movimento sindical, arrastado pela emergência do PT na condição de  
"esquerda não marxista", incapaz, como os demais partidos posicionados à esquerda,  
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de enxergar o que Chasin então designava como a "centralidade operária na questão  
democrática", e de vincular esta última com a questão nacional, ou de apreender a  
determinação da organização da produção sobre a estrutura política, fez com que  
perdêssemos a maior das oportunidades surgidas desde 64 para infletir os o  
progresso social.  
Das eleições para governadores em 1982 (as primeiras eleições diretas para  
esse cargo desde a implantação da ditadura), passando pela campanha das Diretas-Já,  
pelo posicionamento dos congressistas do PT na eleição indireta para a presidência  
em 84 e sua perplexidade diante do Plano Cruzado, assistimos à cristalização daquelas  
debilidades, de sorte que um partido nascido da demanda de um pujante movimento  
operário, ao invés de atende-la, instrumentaliza-o para as finalidades muito mais  
mesquinhas de aperfeiçoamento da esfera político-institucional. Ou, em termos mais  
gerais, assistimos à substituição da velha perspectiva pecebista de completar o capital  
no plano econômico pela de completá-lo no plano político, buscando o  
aperfeiçoamento do estado e da democracia, desconsiderando, mais uma vez, a  
pergunta sobre as condições de possibilidade desta no Brasil, e limitando o horizonte  
posto para a classe trabalhadora aquele aperfeiçoamento, isto é, abandonando, ou não  
reconhecendo, a meta da superação do capital e do estado.  
Nesse quadro de doloroso retrocesso, Chasin insiste na proposta da dupla  
transição, devisando as possibilidades concretas ainda presentes para isso, embora já  
bastante mais estreitas em relação as que se haviam mostrado no período anterior de  
avanço dos trabalhadores. Quadro que desemboca nas primeiras eleições diretas para  
a presidência da república, em 1989, momento no qual Chasin, em A Sucessão na  
Crise e a Crise na Esquerda, submete a um amplo exame assim a situação nacional  
como a internacional, demarcando-a como crucial para os rumos que, daí por diante,  
assinalariam a história brasileira.  
Chasin vê naquela ocasião a última oportunidade de encetar o desmonte dos  
pilares mais gravosos, para as massas populares, do ordenamento produtivo ainda  
vigente, e para cuja defesa fora estabelecida a forma bonapartista da autocracia e  
vinha sendo encaminhada, já há quase quinze anos, a transição pelo alto para sua  
forma institucionalizada, passagem da qual as eleições de 89 eram o último ato.  
Aquela oportunidade, ainda que desgastada em relação à de dez anos antes,  
tinha seus fundamentos tanto na permanência da mesma organização econômica  
assentada sobre a superexploração do trabalho. quanto na irresolução, até aquela  
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data, da crise que ela própria gerara, e para a qual as frações do capital não haviam  
ainda encontrado uma solução de sua ótica. Nessas condições, a ocorrência de um  
pleito presidencial, pondo em jogo encaminhamentos de âmbito nacional, abria um  
espaço importantíssimo para a atuação política da perspectiva do trabalho.  
Considerando, já agora, o processo acelerado de mundialização do capital, e o novo  
fôlego então obtido pela proposta de integração subordinada, representada, na  
campanha sucessória, fundamentalmente por Collor, mas também, em sua versão mais  
civilizada, pelo PSDB. Chasin reexpõe os nódulos essenciais da primeira transição,  
ainda viável, nucleada pelas forças do trabalho que, em sua afirmação defensiva,  
estabeleceriam uma sociedade moldada pelo capital socialmente controlado: 1)  
redefinição positiva das relações internacionais, superando a falsa dicotomia entre  
subsunção a relações subordinantes e reclusão autárquica da economia, pela via da  
redefinição do aparato produtivo; 2) mudança do sistema de produção, eixo central da  
primeira transição: também aqui não se tratava de optar entre as disjunções economia  
exportadora versus economia de mercado interno, e/ou estatismo versus privatismo, e  
sim de desenvolver as forças produtivas de acordo com as necessidades humano-  
societárias, impondo restrições ao capital externo e interno, com vistas a desativar as  
relações desiguais e subordinantes e a superexploração do trabalho, e dessacralizar a  
propriedade privada, iniciando o longo processo de sua substituição pela propriedade  
social; 3) resolução da questão agrária, ultrapassando a estreiteza das propostas de  
reforma agrária estritamente parcelária pela combinação de fórmulas diversas, de  
acordo com cada situação: parcelamento, ajustamento das disposições relativas a  
salário e condições de trabalho, e introdução germinal da propriedade social, nos  
casos em que o parcelamento significasse retrocesso na produtividade ou a  
superexploração do trabalho não pudesse ser desmontada sob a forma privada. Frise-  
se que propriedade social não deve ser confundida nem com propriedade estatal, em  
que o estado é proprietário e gestor da produção, nem com cooperativa, em que os  
trabalhadores são proprietários; trata-se de uma forma de apropriação comunal, em  
que o estado teria somente a obrigação do investimento, cabendo a gestão, mas não  
a propriedade, aos trabalha-dores; deveria distinguir-se pela excelência das condições  
tecnológicas e de trabalho e salário; 4) a globalização do capital e a formação de  
blocos regionais impunham-se como mudanças significativas no panorama das  
relações internacionais, mas, ressalta Chasin, não significavam abolição de fronteiras  
ou supressão das unidades nacionais, nem eliminavam a objetivação de vínculos  
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desiguais entre elas. Entretanto, nessa nova realidade mundial, mesmo a primeira  
transição só seria viável se desencadeada, não no âmbito estritamente nacional, mas  
sim em um plano ao menos regional, por um bloco centrado em um pequeno grupo  
de países latino-americanos Argentina, Brasil e México que, atravessando todos  
a objetivação do capitalismo pela via colonial, haviam alcançado um nível significativo  
de industrialização e de capacidade produtiva em geral, bem como de experiência de  
lutas sindicais e políticas e de densidade de produção teórica, e poderiam atrair para  
sua órbita as demais nações do subcontinente. Apenas a intervenção da lógica do  
trabalho tornaria viável essa integração latino-americana, possibilitando não apenas  
iniciar a ruptura mas prosseguir pelo caminho da primeira transição, cujo andamento  
repercutiria nos planos continental e internacional, sacudindo a monotonia dos cantos  
de sereia da vitória e eternidade do capital e contribuindo para reabrir, portanto, não  
apenas para si, mas para a humanidade, a alternativa da emancipação humana.  
Se a ausência de uma esquerda real, demonstrada por Chasin pela análise dos  
vários partidos que se reivindicavam essa posição, e de um movimento operário de  
peso limitavam e estreitavam os caminhos que levavam à primeira transição, estes  
entretanto não deixavam de existir. Distinguindo a posição de esquerda alicerçada  
na potência onímoda da lógica do trabalho e perspectivando a superação da  
sociabilidade do capital das posições na esquerda postadas no pólo mais  
progressista no interior da lógica do capital , Chasin esclarece a relação virtualmente  
complementar dos principais partidos de oposição que então concorriam  
PDT, PT, PSDB no que tange tanto a suas bases sociais quanto às  
propostas que cada qual enfatizava, visto que fincavam os pés na esquerda do  
gradiente possibilitado pela lógica do capital.  
Propugnando por uma confluência eleitoral na esquerda já no primeiro turno  
das eleições, Chasin consigna as qualidades de cada um dos partidos, insuficientes,  
em seu isolamento, mesmo apenas para vencer a pugna eleitoral, e com maior razão  
ainda para encaminhar a ruptura com o velho e direcionar os rumos do país pela senda  
do historicamente novo, mas cuja conjunção, pela multiplicação das forças que  
engendraria e pelo potencial de mobilizar e elevar a consciência e a organização das  
massas populares, abriria aquela alternativa. Assim, somar-se-iam: o vigor da proposta  
nacional-popular, defendida por Brizola, com sua ênfase na necessidade de "quebrar  
as pernas" do modelo econômico redefinindo as relações com o capital externo e  
reordenando a produção industrial; a parcela mais combativa do movimento sindical,  
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representada pelo PT, que vertebraria e especificaria, pela centralidade das demandas  
e da posição dessa classe, a proposta brizolista, ao mesmo tempo que a amplitude  
desta permitiria a superação das reivindicações estritamente corporativas dos  
trabalhadores ou estreitamente político-institucionais do PT; por último, e como a  
parcela mais débil, agregar-se-iam a classe média e parcelas do empresariado nacional,  
representados pelo PSDB.  
A análise chasiniana esclarece, seja negativamente, pela especificação das  
debilidades próprias de cada um desses candidatos, seja positivamente, pela  
clarificação de suas forças e grandezas próprias, que a confluência eleitoral na  
esquerda, efetivada em torno de um programa econômico alternativo e congregando  
a maioria da população brasileira, seria a única chance, ainda que mais frágil do que  
outras já perdidas, de infletir favoravelmente aos trabalhadores o curso da história  
brasileira nos marcos ainda da proposta da "dupla transição", ou seja, da ruptura com  
o processo de objetivação do capitalismo pela via colonial, este já em seus momentos  
finais.  
No momento em que Chasin escrevia esse artigo (meados de 1989), já estava  
fora de dúvidas que a confluência eleitoral na esquerda fora descartada, com  
resultados perversos para as massas populares. Boa parte desse trabalho é dedicada  
à dilucidação das razões que a impediram, iluminando os percalços teóricos e práticos  
das "esquerdas" no Brasil, seja a do pré-64, seja a assim chamada "nova esquerda".  
Perdida em todos os planos aquela eleição, perpetrados os descalabros  
conhecidos durante o exercício da presidência por Collor, desaguando no  
impeachment, desenhou-se pela última vez, embora desta feita com muito menor  
densidade, uma proposição que ecoava a necessidade de ruptura com o historicamente  
velho: Itamar Franco representante mais frágil da mesma tendência de que Brizola  
foi o herdeiro mais robusto reacende o debate econômico sugerindo redirecionar a  
produção industrial para bens de consumo populares. Proposta que,  
compreensivelmente, não encontrou eco entre as facções da burguesia brasileira, nem  
o que pode ser compreendido, mas nunca justificado entre as "esquerdas", de  
sorte que Itamar Franco ficou, como aponta Chasin em A Resistência ao Neoliberalismo,  
paradoxalmente isolado no interior da mais ampla confluência de forças já montada  
na história brasileira, responsável pela deposição de Collor e por sua própria ascensão  
à presidência, com o que também essa ocasião foi, tal como as demais, malbaratada.  
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O capital atrófico: da via colonial à mundialização  
A crítica ao politicismo e à analítica paulista  
Indicamos acima que boa parte do artigo A Sucessão na Crise e a Crise na  
Esquerda se volta para a análise das razões que impossibilitaram a confluência eleitoral  
na esquerda, deixando campo livre para que o lento, gradual e seguro trânsito do  
bonapartismo à autocracia burguesa institucionalizada pudesse chegar a seu final. E  
nesse texto que Chasin desdobra mais detalhadamente a crítica a certos ramos da  
analítica paulista as teorias da dependência, do populismo, do autoritarismo e do  
marginalismo. Entretanto, a denúncia de seus limites e das consequências desastrosas  
de seu predomínio, bem como do politicismo, no âmbito das esquerdas, data dos  
primeiros trabalhos incluídos neste volume.  
A burguesia forjada pela via colonial é politicista por força de sua atrofia, de  
sua impossibilidade, tanto maior quanto mais avança em sua objetivação, de alcançar  
a completude e a autonomia; incapaz de propor alterações superadoras do  
historicamente velho e que integrem as classes subalternas, forceja por separar os  
planos político e econômico, resguardando as definições sobre o último à esfera  
restrita de seu próprio círculo, e constituindo o primeiro sob forma autocrática. A  
medida que amadureceu historicamente, a burguesia passou a utilizar conscientemente  
o politicismo como tática política, restringindo o debate público às mudanças  
institucionais, a fim de garantir a imutabilidade do plano econômico e, por esse meio,  
seu projeto global.  
Entretanto, as constantes vitórias que as forças do capital vêm obtendo desde  
o golpe militar de 64 não se devem somente a seus próprios méritos em levar adiante  
esta tática, mas fundamentalmente à subordinação das oposições a ela. Chasin vem  
chamando a atenção para este fenômeno desde 1977, quando publica A Politicização  
da Totalidade: Oposição e Discurso Econômico. Assumindo uma posição politicista,  
restringindo sua discussão ao plano estritamente político, as oposições vêm sendo  
arrastadas ao campo ideológico da burguesia. Desligando-a e autonomizando-a  
arbitrariamente em relação ao metabolismo social em que mergulha suas raízes, a  
esfera política é ao mesmo tempo hiperacentuada e esvaziada de seus significados  
concretos, de sorte que, ao tomar as formas político-institucionais como o plano  
privilegiado da discussão, e desconsiderar os fundamentos socioeconômicos da  
ditadura, as oposições são de antemão derrotadas. Essa derrota se evidencia desde o  
início da ditadura militar pelo abandono do debate, que marcou o período pré-64, em  
torno de projetos econômicos, e se torna mais clara pela ausência de crítica à  
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organização produtiva que gerou o "milagre", silêncio ainda mais estridente quando  
este mostra os sinais inequívocos de seu esgotamento.  
À época em que o texto supracitado foi produzido, as forças oposicionistas  
tinham como campo legal de atuação política, no interior do sistema bipartidário  
imposto, apenas o MDB. Que este, composto majoritariamente por representantes de  
segmentos da própria burguesia, não escapasse do politicismo próprio dessa classe  
não é fenômeno que possa espantar. Entretanto, lembramos que, sob a bandeira do  
MDB, agrupavam-se também individualidades que se pretendiam associadas a uma  
perspectiva mais generosa. É primordialmente a estas que Chasin se dirige, e é o seu  
politicismo que causa espécie.  
Em Conquistar a Democracia pela Base o problema vem novamente à tona, no  
que se refere especificamente à ausência de uma avaliação crítica do "milagre"  
econômico, diante de cujo "sucesso" tanto as forças mais generosas da oposição legal  
quanto as da oposição clandestina se mostraram perplexas, incapazes de compreender  
tanto seu fracasso geral quanto seu fracasso restrito, bem como de encaminhar uma  
crítica global à ditadura, malgastando suas forças no campo delimitado pelo próprio  
inimigo.  
Também já nestes primeiros textos Chasin menciona o predomínio das teorias  
da dependência e do populismo como óbices seja para a apreensão da realidade, seja  
para o encaminhamento de uma ação prática eficiente de combate à ditadura,  
indicando que a primeira "desarmou para a compreensão do imperialismo", e a  
segunda para as "concretas equações políticas". De sorte que esses braços de um  
conjunto teórico que, anos mais tarde, abrangeu sob a denominação de "analítica  
paulista" aparecem já aqui em estreita vinculação com o politicismo, componente  
significativo daquelas teorias.  
À reemergência do movimento sindical a partir de 1978, centrado no combate  
ao arrocho salarial e desnudando, assim, um dos pilares básicos do ordenamento  
econômico da ditadura, ao tempo que evidenciava o laço indissolúvel e determinante  
entre os planos socioeconômico e político, despertou a esperança de que "aqueles que  
tentam, há 15 anos, reinventar o mundo", os que buscaram "apagar com esponja de  
conceitos vesgos" a realidade do anos 45-64, sairiam finalmente de foco. Entretanto,  
lastimavelmente não foi o que ocorreu. Ao contrário, o próprio movimento operário  
nascente foi, em curto tempo, engolfado e instrumentalizado pelo politicismo e pela  
analítica paulista, em sua versão já mais rebaixada. E o veículo desse processo foi, não  
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os representantes da situação, nem apenas os antigos integrantes do velho MDB, mas  
o partido que nasceu da necessidade da própria classe trabalhadora de ir além do  
movimento sindical, restrito à defesa de interesses corporativos, e alcançar a condição  
de movimento operário o PT.  
O descompasso entre a vitalidade do movimento dos trabalhadores e a  
fragilidade das teorias predominantes sobre a realidade brasileira já se fazia sentir ao  
longo da campanha salarial de 1980, e em 1982 já se consolidara o suficiente para  
causar o refluxo do movimento sindical e mergulhar o recém-nascido Partido dos  
Trabalhadores no mesmo politicismo que caracterizara as oposições antes de 1978.  
Daí para frente, o PT vem perdendo substância, na medida em que se torna  
representante e espaço privilegiado da chamada "nova esquerda", ou esquerda não  
marxista, herdeira do politicismo e das teorias do populismo, da dependência e do  
autoritarismo, que enformam suas análises e sua prática política, restritas ambas,  
assim, aos limites próprios do capital. Ou seja, a debilidade, detectada por Chasin em  
Luís Inácio da Silva, de desconsiderar a necessidade de independência ideológica, e  
não somente organizacional e política, dos trabalhadores aprofundou-se não apenas  
na figura do ex-líder sindical, mas engolfou o partido, ou talvez fosse mais correto  
dizer que aquele subordinou-se à falta de independência ideológica que marcou o PT  
desde suas origens.  
Os artigos de Chasin acompanham a trajetória dessa agremiação desde sua  
formação até suas manifestações mais recentes. Em todos os momentos cruciais da  
história brasileira, as posições tomadas pelo PT têm sido marcadas pelo politicismo,  
de modo que um partido nascido das necessidades da classe trabalhadora, e  
pretendendo superar os equívocos da esquerda tradicional, descendeu à condição de  
esquerda meramente nominal, ou, mais especificamente, de fantasma da esquerda  
ausente.  
A fim de não alongar por demais esta apresentação, aludimos aqui somente a  
alguns textos em que esta problemática aparece de modo mais desdobrado, e com  
referência a momentos extremamente significativos.  
Em Hasta Cuando? A Propósito das Eleições de Novembro, Chasin mostra que,  
independentemente dos resultados numéricos, aquelas eleições já estavam de  
antemão perdidas para os trabalhadores, enquanto instrumento para derrotar a  
ditadura, graças à sua politicização, levada a cabo por iniciativa do sistema e pela  
submissão ideológica das oposições. Ignorando a necessidade de solapar a ditadura  
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em suas bases pela crítica da organização produtiva que a sustentava e  
consequente proposição de um programa econômico alternativo da perspectiva do  
trabalho , as esquerdas "desembocam na condição de colaboracionistas da  
politicização das eleições", e portanto colaboracionistas do processo de auto-reforma  
da ditadura, em direção à institucionalização da autocracia, determinada como a  
legalização da negação da democracia. Enquanto, como já dissemos, a situação utiliza  
conscientemente o politicismo como tática para garantir a manutenção de seu nódulo  
central o ordenamento produtivo , as oposições, subsumindo-se ao politicismo,  
"afastam a questão econômica para 'garantir as eleições' e 'conquistar a democracia'.  
Com o que confundem e desarmam, desorganizam e desmobilizam o movimento de  
massas".  
Este, pondo-se na prática à frente dos partidos, ferira o cerne da ditadura: o  
arrocho salarial, e com ele pusera em xeque toda a base econômica daquela, portanto  
sua própria existência. As oposições partidárias, inclusive o recém-nascido Partido dos  
Trabalhadores, não souberam, entretanto, sintetizar os interesses sociais e econômicos  
da maioria da população brasileira, e levar às eleições a perspectiva delas. Ao  
contrário, voltadas às lutas estritamente políticas, abandonam o movimento operário,  
e tratam mesmo de o brecar, na suposição de que este poderia gerar tensões que  
viessem a impedir ou obstaculizar a "abertura" política e a "conquista da democracia".  
Após seu refluxo, as oposições canalizaram-no para as eleições, convertendo o  
movimento de massas em "pletora dos eleitores da massa". Em suma, e nas palavras  
de Chasin, "em vez de levar às eleições a perspectiva das massas, levaram às massas  
a perspectiva das eleições", politicizando-as; adiando a luta por um programa  
econômico de transição democrática, afastaram e desmobilizaram as massas, e,  
paradoxalmente apenas para as próprias oposições, não alcançaram reverter o  
processo de auto-reforma do bonapartismo.  
Embora a crítica ao politicismo recaia sobre todos os partidos de oposição,  
incide mais fortemente sobre aquele que pretendia ser o representante de uma  
novidade histórica: o PT, determinado como o "encontro infeliz entre o melhor do  
movimento operário do pós-64" e um "produto ideológico de baixa qualidade",  
"resíduo da crise ideológica de nossos tempos", que configura um "salto ideológico  
para trás", recusando a razão e a história "e, em última análise, o próprio proletariado",  
redundando numa sorte de liberal-radicalismo. Resulta daí uma obsessão pelas formas  
de organização e procedimento, já que, assumindo uma concepção basista e  
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espontaneista, supõe que o conteúdo seria secretado pelas próprias massas, eximindo-  
se da responsabilidade de reconhecer e suprir as carências, manifestadas pela classe  
trabalhadora, de orientação e esclarecimento.  
A negatividade dessa concepção fez sentir seu peso desde os primórdios da  
formação do PT, levando a greve de 1980 "ao impasse e à derrota", e chegando, em  
82, a uma campanha eleitoral sem a vertebração de um programa econômico de  
transição democrática, de cuja necessidade nem sequer suspeita, desvinculada do  
movimento de massas, não escapando da inversão acima apontada de levar a este a  
perspectiva das eleições. "O PT sucumbiu quando, posto entre viabilizar-se pela rota  
do movimento de massas ou através da via eleitoral, não soube articular os dois,  
embaraçando-se no jogo eleitoral e sucumbindo a este", de sorte que, em seu  
nascedouro, contribuiu para manter um traço negativo da história dos movimentos de  
massa no Brasil: sua subordinação à ideologia burguesa pelos partidos que pretendem  
representa-los.  
Três anos depois, derrotado o movimento de 1984 pelas eleições diretas para  
a presidência, derrota devida, novamente, à continuidade do politicismo, vem à luz a  
assim chamada "Nova República", com a eleição indireta de Tancredo Neves e, dada  
sua morte inesperada, a ascensão de José Sarney à presidência; nessa ocasião, em A  
Esquerda e a Nova República, Chasin volta a tratar da subordinação ideológica das  
esquerdas, ampliando significativamente a análise ao abordar sua gênese histórica,  
lançando luz, assim, sobre as determinantes daquela subordinação, relacionadas à  
incompletude de classe do capital.  
Diferentemente dos países em que o capitalismo se objetivou pela via clássica,  
revolucionária, nos quais a esquerda nasceu contra a figura integralizada, material e  
espiritualmente, da burguesia, no Brasil e nos demais países em que a objetivação  
capitalista se deu pela via colonial, sem qualquer tipo de revolução, em que o capital  
e a burguesia são incompletos e incompletáveis, a esquerda nasceu em face de um  
inacabamento; diante deste, desconhecendo a especificidade da burguesia e do  
capitalismo brasileiros, e portanto não atinando para as tarefas que esta demandaria,  
a esquerda se converte em empreiteira do acabamento do capital, acreditando em sua  
necessidade e possibilidade. Com o que se submete "aos nexos mortos do que fora a  
lógica do capital concluso", "à lógica extinta do ideário liberal".  
Presa a esses nexos, a esquerda tradicional oscilou entre o revolucionarismo  
abstrato e o ativismo caudatário, assentado este último na crença na conclusibilidade  
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do capital, e tomando a forma teórica do economicismo; enquanto a nova esquerda se  
mantém a braços com a defesa do democratismo e a crítica ao autoritarismo, fundada  
na crença na totalização do poder liberal ininstaurável, expressa pelo politicismo e  
participacionismo. Ambas, pois, empenhadas em completar, em níveis distintos, um  
capitalismo incompletável.  
A crença na vontade, tomada como fundante do ato político, é o traço que hoje  
as une na confluência pela democracia, de modo que nenhuma das vertentes da  
esquerda organizada oferece alternativa à política econômica, descaindo todas para a  
vala comum do politicismo.  
De sorte que, se no Brasil o capital é incompleto, o trabalho também não se  
integralizou; entretanto, se o primeiro é incompletável, o mesmo não ocorre com o  
segundo. Mas iniciar sua integralização exige a ultrapassagem do universo teórico do  
capital e a compreensão de que se trata, não de buscar finalizá-lo, em qualquer nível,  
mas de principiar sua desmontagem. E o que a esquerda organizada brasileira jamais  
compreendeu, e é o que a tornou incapaz de oferecer alternativas concretas e  
aproveitar as oportunidades históricas.  
Em A Sucessão na Crise e a Crise na Esquerda, Chasin retoma a investigação  
das raízes históricas e teóricas dos partidos especialmente PT e PSDB , que,  
ocupando posições de radicalidade no arco do capital, transgrediram a lógica de  
realidade e suas próprias funções partidárias ao se negarem à confluência eleitoral na  
esquerda.  
Uma vez que a esquerda tradicional, pela crença na possibilidade de alcançar  
um capitalismo nacional autônomo, desemboca em um ativismo caudatário centrado  
na defesa da aliança de classes, a reação a tais práticas, iniciada nos entornos do golpe  
de 64 e fundada na exigência de recuperar a radicalidade operária, incidirá,  
fundamentalmente, em dois núcleos problemáticos: a crítica à busca de um capitalismo  
nacional autônomo, implicando o reexame do desenvolvimento brasileiro, em especial  
em suas relações com o imperialismo, e a crítica à política de aliança de classes, vista  
como responsável pela submissão da classe operária às finalidades burguesas.  
Entretanto, a questão central que mobilizou a reação a busca da radicalidade  
operária , questão que só faz sentido na esfera da esquerda e só pode ser resolvida  
no âmbito do marxismo, foi respondida com a incorporação de um conjunto de  
conceitos oriundos do ideário liberal, consubstanciados nas teorias da dependência,  
do populismo, do autoritarismo e do marginalismo, recuando a resposta para o interior  
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do arco político do capital.  
Traço comum ao que Chasin denomina ironicamente, neste artigo, de  
"quadrúpede teórico", base da reflexão da "nova esquerda" e portanto de seus  
descaminhos práticos, é o seccionamento entre a matriz da produção e reprodução da  
vida humana e a esfera política, que ganha, assim, não apenas autonomia, mas a  
condição de determinante das relações sociais, em outras palavras, o politicismo.  
Construída cada uma de suas pernas como um tipo ideal fundado naquela  
disjunção e tendo por paradigma e objetivo prático a democracia, cujas condições de  
possibilidade não são objeto de investigação, já que é apreendida na forma de seu  
arquétipo liberal, fundado na concepção do "homem justo e racional", o quadrilátero  
teórico em questão desarmou para a compreensão da particularidade brasileira e para  
a visualização do que fora seu próprio impulso inicial: a recuperação da radicalidade  
dos trabalhadores.  
A teoria da dependência, no justificado afã de elucidar a lógica interna da  
formação brasileira, faz desaparecer da análise o nexo da relação desigual entre as  
formações capitalistas, suprimindo, além do imperialismo, a "identidade do capitalismo  
como sociedade erigida sobre a contradição estrutural entre capital e trabalho",  
entendendo-a como "a interatividade dos homens moldada pelo engenho tecnológico,  
cuja feição social passa a ser uma questão política", esfera da qual ficam também  
eliminadas as clivagens de classe. Sobre tal base se erige a secção entre os planos da  
produção da vida material, reduzido aos limites do egoísmo racional, e da política,  
entendido como o âmbito da vontade ativa; é o que sustenta a luta pela democracia,  
identificada, sem mais, à liberdade.  
A teoria do autoritarismo tem por fundamento os mesmos pressupostos: a  
autonomização do âmbito político e o arquétipo liberal da democracia como critério  
de verdade e como finalidade, bases para o enquadramento classificatório do  
totalitarismo a negação absoluta da democracia e do autoritarismo a ausência,  
em graus diversos, porém não absoluta, da liberdade política. Democracia,  
totalitarismo e autoritarismo desvendam-se como tipos ideais estritamente formais,  
incapazes tanto de dizer ou de acolher os conteúdos concretos relativos as formas  
particulares de dominação em cada formação capitalista específica, como de orientar  
quanto às condições de possibilidade de instauração da democracia pretendida.  
A teoria do populismo, por sua vez, oferecendo-se, tal como a teoria da  
dependência, como uma teoria do desenvolvimento do capitalismo brasileiro entre  
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1930 e 1964, mas incapacitada, por seus pressupostos os mesmos acima aludidos  
de apreender a particularidade brasileira, supõe ter apanhado a causa da falta de  
radicalidade do movimento operário, num quadro de ausência de hegemonia da  
burguesia industrial, numa suposta "artimanha" o populismo urdida por esta  
para atar a si as massas. Artimanha configurada pela aliança de classes, ou pacto  
policlassista, no interior do qual a classe trabalhadora, manipulada pelo partido ou  
líder "populista", se torna incapaz de reconhecer a clivagem da sociedade em classes,  
substituídas pelos conceitos de povo ou nação e, portanto, pela identidade de  
interesses. A esquerda, por sua vez, teria sido igualmente aprisionada pelo "ardil do  
populismo", reforçando-o e impedindo o desenvolvimento de uma política de classe,  
revolucionária.  
Ora, sendo a aliança de classes entendida como forma em que  
necessariamente o trabalho é manipulado pelo capital a consubstanciação do ardil  
do populismo, o grande vilão a ser combatido, a solução redunda na mera afirmação  
da necessidade da independência política do movimento operário, reduzida à "arte e  
vontade do isolamento". Tanto a problemática relativa à independência teórica dos  
trabalhadores, quanto a questão concreta das alianças e frentes, tão fundamental na  
história brasileira, são totalmente malbaratadas.  
Ao longo de seu desenvolvimento, a teoria do populismo, assim como os  
demais ramos da analítica paulista aqui aludidos, distancia-se da preocupação com o  
resgate da radicalidade operária, para ajustar-se a seus próprios fundamentos: já que  
o "populismo", enquanto período de desenvolvimento capitalista e forma de  
dominação política, é também um tipo ideal construído a partir do arquétipo da  
democracia, esta se torna cada vez mais o horizonte e o objetivo a atingir, e a teoria  
do populismo cede espaço à teoria do autoritarismo para explicar o período pós-64  
quando o "colapso do populismo" dá lugar ao "estado autoritário"  
A teoria da marginalidade, última e mais frágil perna do "quadrúpede", não vai  
além da constatação da existência de uma massa de excluídos, não atinando para a  
necessidade de entendê-la como resultado da impotência do capital atrófico,  
reduzindo, politicisticamente, sua origem ao fracasso de uma política econômica. Não  
percebe que a exclusão é resultado de um modo de objetivação capitalista incapaz de  
integrar, de sorte que a solução desse problema estaria, não na alteração tópica de  
uma política econômica, mas na desmontagem daquela forma.  
A "nova esquerda" é a herdeira dos princípios teóricos destes ramos da analítica  
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O capital atrófico: da via colonial à mundialização  
paulista. Em suas vertentes teoricamente mais sofisticadas ou mais rústicas, PSDB e  
PT têm neles o esteio de sua prática política. Prática desarmada para enfrentar tanto  
o desafio de um desenvolvimento nacional balizado pelo progresso social, o que  
implicaria um projeto econômico alternativo que iniciasse a desmontagem da forma  
restringida do capitalismo, quanto o de uma efetiva aliança ou frente que pudesse  
viabilizá-la.  
O PSDB, assumidamente social-democrata, zelando pela "independência"  
política e repelindo o "populismo", configura a versão mais racionalística e tecnocrática  
do politicismo, com sua "megavalorização do partido e culto ao egoísmo racional", e  
anseia pela modernização capitalista, por elevar o país à condição de nação moderna  
e competitiva, racionalmente eficiente, para o que propugna a "boa parceria" com o  
capital metropolitano.  
O PT, embora posto, por seu perfil prático e ideológico, "na radicalidade política  
do capital", permite-se conviver com "a condição fantasiosa e hipotética de santuário  
possível da radicalidade do trabalho", tornando-se o "fantasma idolatrado da esquerda  
ausente". Originado do encontro entre a combatividade sindical de fins dos anos 70 e  
os representantes e a teoria do quadrilátero teórico mencionado, submerge no  
politicismo. Seu extremismo, que não ultrapassa o âmbito da radicalidade subjetiva,  
do voluntarismo, consubstanciado na "revolução dos procedimentos" e no  
participacionismo, expressões da radicalidade burguesa em sua forma plebéia, ressoa  
tanto mais radical pela ausência, no Brasil, da radicalidade burguesa propriamente  
dita, de sorte que o PT, na qualidade de fantasma da esquerda ausente, pode se  
"embrechar no oco político do capital atrófico, assumindo as vestes da esquerda sem  
abandonar sua posição na esquerda".  
Não tendo jamais aludido a um programa econômico alternativo, o PT  
desenvolve uma crítica moralista contra as "injustiças da riqueza" e a "ganância",  
redundando na proposição de um capitalismo "mais justo" e "honesto", realizável por  
atos de vontade política, com o que "sucumbe ao ardil de completar o sistema do  
capital, sob a peculiaridade do compromisso com o distributivismo". Este, conforme já  
mencionamos, fundamenta-se na desconsideração do vínculo determinante entre a  
produção e a distribuição, de sorte que propugnar por uma melhor distribuição de  
renda sem tocar nas alterações da produção que isso demandaria, assentando sua  
possibilidade apenas na vontade política, é não apenas inócuo como confunde e  
desmobiliza os trabalhadores. De sorte que o PT, "de negação de um projeto de  
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esquerda, se converte em obstáculo principal até para uma solução eleitoral na  
esquerda".  
Diferenciando-se fortemente tanto do PSDB quanto do PT, Chasin destaca a  
figura de Leonel Brizola. Destaque que se impõe, de imediato, pelo seu apelo, ao qual  
PT e PSDB não deram ouvidos, de uma aglutinação das forças progressistas, apelo  
que fez desde o início da campanha sucessória e manteve até seu final. Tanto sua  
insistência na confluência eleitoral quanto a negação dela pelos demais partidos na  
esquerda decorrem da consistência e dos méritos históricos e políticos de Brizola, os  
quais constituem "parte essencial da matéria prima desfigurada pela teoria do  
populismo". Brizola é o herdeiro mais radical das batalhas do pré-64, travadas em  
torno do duplo desafio que se põe desde 1930: "entificar o verdadeiro capitalismo (o  
capitalismo industrial) e assimilar à ordem nascente multidões cada vez maiores". A  
teoria do populismo sequer atinou para essa questão de fundo, restringindo-se  
politicisticamente a apanhar pela superfície apenas a manifestação política mais tópica  
dela.  
O resultado do processo de objetivação do capitalismo industrial, desenvolvido  
entre os anos de 1930 e 1990 "uma sociedade urbano-industrial incontemporânea  
e excludente", não deve empanar a descontinuidade efetiva real e ideológica que  
atravessa essas seis décadas, especialmente quando se trata do desafio da integração  
social, a respeito do qual o gradiente vai do "abandono e desprezo furioso pela  
questão até sua elevação a critério político básico". Brizola se tornou a expressão mais  
radical da vertente, gestada no âmbito das lutas em torno dos dois pólos daquele  
desafio, que se distancia do projeto de capitalismo nacional autônomo e passa a  
enfatizar a integração social, ou seja, toma o progresso social como princípio  
ordenador do desenvolvimento, ou como critério de identificação nacional. E é como  
tal que apresenta sua candidatura, buscando "retomar o fio condutor atalhado por 64",  
atualizando a "plataforma política de identificação nacional centrada no estatuto  
popular, ou no progresso social". Seus traços mais nítidos são as propostas de  
redefinição das relações económicas externas e reordenamento do aparato capitalista  
interno, responsabilizados pela produção da miséria e denunciados em sua crise  
terminal. E no que se constitui a plataforma popular-nacional, que, não projetando  
para além do capital, é também, e assumidamente, uma plataforma na esquerda, e não  
de esquerda. Assim como não mistifica sua plataforma política, também não incorre,  
diferentemente de PT e PSDB, na mistificação do partido.  
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O caráter nacional-popular de sua plataforma, a não mistificação do partido e  
sua capacidade de liderança são alvos da "crítica do populismo", que não vê aí nada  
além da suposta substituição das contradições de classes pela nação, e do partido  
pela relação direta entre o líder e a massa. Tal tipo de crítica manifestou-se ao longo  
de toda a campanha, e fundamentou a não aceitação da confluência eleitoral na  
esquerda, garantindo, assim, a vitória de Collor representante da continuidade do  
projeto da ditadura militar e da associação subordinada ao capital externo e  
deixando passar a última oportunidade para iniciar a primeira transição, da qual a  
plataforma de Brizola se aproximava, embora não tivesse os pressupostos ou a  
intenção de abrir caminho para a superação do capital.  
Perdida esta oportunidade, pela miopia das esquerdas organizadas,  
especialmente do PT (que, enquanto partido que se propõe representar os  
trabalhadores, tinha a responsabilidade maior de pôr os interesses destes em primeiro  
lugar), a história que passamos a viver possui já outras características, que tornam  
inviável o caminho da dupla transição.  
E isso fundamentalmente porque, dadas tanto as condições internas ao país  
quanto o avanço da mundialização do capital, a internacionalização econômica  
subordinada foi definitivamente imposta, alterando todo o perfil estrutural do Brasil,  
pela finalização de um processo que, frise-se novamente, vem se pondo desde 30,  
mas não se constituiu como fatalidade. Se o seu resultado é este que vivenciamos,  
devemo-lo não apenas aos méritos das forças que o impulsionaram, mas em grande  
medida aos deméritos e incapacidades daquelas que deviam e podiam tê-lo inflectido.  
O encerramento da via colonial  
O entendimento da situação atual do Brasil, bem como o dos passos que  
conduziram a ela, supõe a compreensão do processo histórico das últimas sete  
décadas, e mais especificamente, do período 1930-1990, ao longo do qual o  
capitalismo industrial brasileiro se objetivou.  
Consignamos acima a tensão em torno da qual se deram as lutas por aquela  
entificação. E importante atentar para os dois elementos aí presentes: a existência de  
choques entre propostas distintas de encaminhamento da industrialização (sem  
mencionar as tendências anti-industrialistas que, embora derrotadas, não deixaram de  
influenciar o processo posterior, já que sua derrota não se deu por via revolucionária.  
e sim pela conciliação), e o duplo desafio a que tais propostas buscaram responder:  
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entificar o capitalismo industrial e integrar a massa da população trabalhadora.  
Se atentamos para esse duplo desafio e para os diversos momentos desse  
andamento longo e contraditório, salta à vista que a tendência mais forte, determinada  
pela própria dinâmica da via colonial, era a efetivação da industrialização subordinada  
ao capital externo, o que implicava a "resolução" da questão agrária pela manutenção  
de sua estrutura básica forma e objetivos da produção e a necessidade da  
superexploração do trabalho, bem como as dificuldades assim antepostas à  
integralização da classe trabalhadora. Entretanto, que esta era apenas uma das  
tendências objetivamente presentes, que não havia qualquer fatalidade no curso da  
história, também se torna claro pela diversidade de respostas intentadas: desde as  
posições assumidas pelos setores dominantes da burguesia, que desnudavam sua  
atrofia, incapacidade e inapetência para o desenvolvimento de uma industrialização  
que integrasse as massas trabalhadoras, passando pelas manifestações práticas destas  
que, independentemente do nível de clareza alcançado por elas a respeito de sua  
própria situação, iluminavam as transformações socioeconômicas que suas  
necessidades exigiam e sua condição de único sujeito histórico capaz de as realizar,  
até as propostas, de graus de radicalidade distintos e apresentadas por setores  
societários diversos, que buscavam responder aquele desafio a partir de uma  
perspectiva mais generosa.  
As esquerdas organizadas, tanto a esquerda nominal do pré-64 quanto a  
pseudo-esquerda atual, se mostraram incapazes de apreender esta realidade,  
sucumbindo, como já indicamos, à veleidade de completar o capital, seja pelo nível  
econômico, seja pelo nível político. Essa incapacidade deita raízes num conjunto  
complexo de determinações: o caráter atrófico do capital e da burguesia brasileiros,  
que obstaculiza objetiva e subjetivamente a integralização das forças do trabalho, o  
desconhecimento e múltiplas distorções da obra marxiana, que as esquerdas  
brasileiras partilharam com a esquerda mundial, e o desenvolvimento da analítica  
paulista, dominante na reflexão nacional ao longo das últimas décadas, que tergiversou  
e acabou por eliminar até mesmo a simples menção aquele desafio e às lutas que  
gerou, contribuindo não pouco para a forma particular pela qual se deu a morte da  
esquerda no Brasil e para a vitória da tendência de desenvolvimento própria da via  
colonial. O encerramento desta é, pois, antes de mais nada, a finalização do processo  
de objetivação subordinada do capitalismo industrial.  
Em 1994, quando da eleição presidencial que assegurou a vitória de Fernando  
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Henrique Cardoso, o quadro internacional, e por decorrência o nacional, já era bastante  
distinto daquele configurado em 1989. Em O Poder do Real, Chasin delineia os  
contornos do novo panorama, balizado pela mundialização do capital. A  
universalização das relações dos homens entre si sob a égide do capital, portanto sob  
a forma da alienação, é a realização de uma tendência intrínseca ao capitalismo, já  
detectada por Marx há um século e meio: a globalização é a atualização da lógica do  
modo de produção capitalista a extensão planetária da acumulação ampliada de  
capital, impulsionada e exigida pelo desenvolvimento das forças produtivas. Como os  
anteriores momentos de inflexão no percurso dessa forma societária, também este traz  
consigo modificações em todos os âmbitos da vida humana.  
É fundamental ter em mente, como indica Chasin7, que "a determinação  
estruturante da sociabilidade provém das forças produtivas", de sorte que o  
desenvolvimento destas "ocasiona mudanças na organização do trabalho e na  
apropriação dos produtos, ou seja, na propriedade privada". O desenvolvimento sem  
precedentes das forças produtivas portanto das capacidades genéricas da  
humanidade e a quebra das barreiras à circulação do capital em todas as suas  
formas compõem o perfil da fase que estamos vivendo, a qual não realiza apenas uma  
"nova etapa da acumulação capitalista, mas, na vigência da ordem do capital e de suas  
contradições, se manifesta uma nova forma de existência humana".  
Nessa "nova (des)ordem internacional do capital", "mundo real a ser vivido por  
todos", as antigas formas imperialistas das relações internacionais, conformadas a uma  
escala de produção comparativamente modesta, e de circulação restrita ao âmbito  
bilateral de mercados cativos, são amplamente reconfiguradas. Longe de ser uma  
política, a globalização, pelo desenvolvimento das relações materiais entre os homens  
que está em sua base, expõe mais claramente do que nunca a determinação do estado  
e da política pela sociedade civil; ou, em outros termos, evidencia o estado como  
agente do capital, agente que se esvazia com a perda de muitas de suas anteriores  
funções, nomeadamente aquelas relativas à imposição, por forças extra-econômicas —  
políticas das relações econômicas capitalistas, seja no plano interno seja no das  
relações internacionais. O que não significa o desaparecimento das relações desiguais  
e da subordinação, entre países e no interior de cada um, mas sim uma metamorfose  
em seu modo de existência, que, entre outras consequências, relega ao nível de  
7 Cf. Rota e Prospectiva de um Projeto Marista, in. Ensaios All Hominem I - Tomo III - Política. São Paulo.  
Ad Hominem, 2000.  
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propostas regressivas todos os tipos de nacionalismos, já esgotados e vencidos nas  
distintas variantes sob as quais se manifestou ao longo do século. Pensar a partir do  
nacionalismo é, hoje, pôr-se contra a lógica do movimento histórico, é deixar-se "guiar  
pela lógica esgotada do passado, e não pela perspectiva de futuro".  
Geradora de "contraditoriedades sem precedentes, tanto por seu conteúdo  
quanto pelo gigantismo de seus efeitos", a globalização contém a potencialidade de  
repor na ordem do dia a necessidade de superação do capital, em condições objetivas  
mais favoráveis do que em outros momentos históricos. Resta, no entanto, por  
consubstanciar a subjetividade revolucionária, problema já bastante antigo, cuja  
irresolução não tem sido o menor obstáculo à realização da emancipação humana, e  
que hoje assume também um perfil distinto, dada a evidência de que o operariado  
industrial não se constitui mais na vanguarda do trabalho, e a nova vanguarda ainda  
não se configurou.  
É no quadro desse panorama mundial, extremamente complexo e ainda não  
desdobrado em sua plenitude, e por seu influxo, que o perfil histórico da vida nacional  
cobra novas características, encerrando-se o período iniciado em 1930 pela imposição  
definitiva da integração subordinada ao sistema mundializado do capital. Não se trata  
apenas de mais uma passada na mesma trilha anteriormente percorrida, embora o  
trânsito atual decorra dela, mas sim do fechamento de "um longo ciclo, cujas  
características dominaram a maior parte do cenário brasileiro neste século". Ciclo que  
fica definitivamente para trás, e com ele os contornos específicos dos desafios que  
gerou e das alternativas que abriu. Aquela inserção tornou-se agora uma necessidade  
inelutável (na ausência de condições para uma revolução do trabalho) sob pena de  
enfrentar tragédias humanas ainda mais graves do que as dela advindas. É importante  
ter em mente que o Brasil sempre esteve subordinado à dinâmica do capital externo,  
de sorte que, embora sua integração, nas condições atuais, demande, sem dúvida,  
ajustes e regulagens, não configura uma "reviravolta na essência das coisas". Ou seja,  
considerado o processo formativo do capitalismo brasileiro, o momento atual é "o  
desfecho imanente que perfaz seu pleno acabamento". Esse desfecho, efetivado no  
interior da mundialização do capital, implica o desaparecimento de quaisquer  
possibilidades de desenvolvimento capitalista autônomo, "mesmo como simples  
modernização subordinada, se restrito à dinâmica no interior das fronteiras nacionais";  
se mesmo a "simples modernização subordinada", para se efetivar, exige a integração  
do país ao processo de globalização, é evidente que qualquer alternativa da ótica do  
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trabalho não poderá ser sequer visualizada se restrita ao âmbito nacional. Se este  
continua sendo palco do "latejamento dos problemas", não mais podemos encontrar  
nele a "dinâmica das soluções".  
Não é ocioso ressaltar mais uma vez que para Chasin "o sistema produtivo  
nacional, desde sempre, encarnou seus perfis e o teor de suas modernizações  
subordinado aos empuxos dos pólos hegemônicos mundiais. Não é diverso o que se  
passa agora, diante da mais radical das revoluções tecnológicas, combinada ao quadro  
da globalização econômica. Todavia, dada a qualidade e a envergadura destas e o  
próprio grau de desenvolvimento material alcançado no país, as margens de manobra  
nos ajustes e seus efeitos possíveis também se diferenciam, ao mudarem de natureza".  
De modo que o "fim da via colonial" se deu em função da ultrapassamento da lógica  
do capital que a enformava, pois esta se realizava no interior de "contornos de uma  
produção de mercadorias ainda delimitada ou de escala relativamente modesta, cuja  
circulação era efetivada, em regra, no âmbito bilateral de mercados mais ou menos  
cativos, sob a regência das potências centrais". Agora, em face da "produção ampliada  
a grandezas sem limites e o intercâmbio comercial elevado ao primado das trocas  
infinitas e superpostas, sem embaraços de fronteiras", "crescer passou a supor a  
capacidade de ocupar nichos na infinitude da malha da produção atualizada, universo  
no qual os mercados interno e externo não mais se distinguem: ao capital social global  
corresponde agora o Mercado Único das trocas levadas ao paroxismo". Trata-se, pois,  
de importante determinação visualizada por Chasin já em 1994, cujos contornos ainda  
não totalmente evidentes alteram de modo fundamental, como já frisamos, a própria  
"dinâmica das soluções".  
Nessas condições, a perspectiva, anteriormente viável, de avançar para além do  
capital pela rota da dupla transição se tornou obsoleta, uma vez que esta pressupunha  
um nível de integração mundial muito inferior, e portanto a possibilidade, já agora  
inexistente, de percorrer ao menos os passos iniciais no caminho da superação do  
capital a primeira transição no âmbito nacional ou regional. Agregue-se ainda  
outro elemento fundamental: assim como a globalização foi a saída para a crise em  
que o capital vinha se debatendo há um quarto de século, o processo mesmo da  
mundialização e a integração do Brasil a ela, alicerçada e possibilitada pelo sucesso  
do Plano Real, bases da candidatura vitoriosa de FHC, significaram também o início da  
superação da longa crise iniciada com o fracasso restrito do "milagre" econômico, vinte  
anos antes. Ou seja, se até então as frações do capital não haviam encontrado o  
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caminho para uma nova rodada de acumulação, este agora se abria diante delas (aliás,  
entremostrara-se já em 89, mas a solução aventureira representada por Collor, então  
a única que haviam podido encontrar, adiara sua efetivação). De sorte que essas  
facções não se uniram em torno do vazio (nem muito menos em torno de uma abstrata  
democracia ou de um ainda mais abstrato clamor pela "ética na política") quando da  
deposição de Collor, e mais claramente ainda quando da eleição de FHC, mas  
confluíram em torno de uma nova alternativa, finalmente encontrada, para, de sua  
própria ótica, superar os óbices postos pelos mecanismos do "milagre", geradores da  
crise, e embicar num novo ciclo de crescimento e acumulação.  
A campanha sucessória de 94, realizada sob os novos parâmetros mundiais e  
nacionais, caracterizou-se pela "contenda entre a potência multiforme de FHC e a  
inferioridade polimorfa de Luís Inácio da Silva". Este e o PT evidenciaram a acentuação  
de suas piores debilidades e sua crescente inconsistência ideológica, desprezando os  
critérios objetivos de verdade e agudizando seu "feitio subjetivista" de atuação política.  
Incapazes de compreender a marcha dos acontecimentos, vêm se apegando à defesa  
extemporânea de um nacionalismo regressivo, estreito, reduzido ao estatismo e ao  
corporativismo; verberando contra um suposto complô ideológico neoliberal  
responsável pela globalização, dão as costas ao presente, "não distinguindo a atuação  
material das lógicas de realidade" desenvolvimento tecnológico e mundialização do  
mercado da mera "propositura maquiada de interesses". Ancorados nesse olhar  
regressivo, esquivam-se à efetivação mesmo das tarefas mais imediatas, as de procurar  
as alternativas para a inserção na economia mundializada menos penosas para as  
massas trabalhadoras.  
Em contrapartida, FHC, assumindo sua condição social-democrata, não  
pretendendo transgredir a ordem do capital, nem alimentando quaisquer ilusões nesse  
sentido, estabeleceu sua plataforma e vem efetivando seu governo, sobre a base do  
Plano Real, com vistas à inserção da economia nacional na globalização. Proposta  
coerente com a concepção exposta em toda sua obra sociológica, em que a solução  
para o desenvolvimento brasileiro é cifrada pela associação ao capital externo, sem  
que jamais emerja qualquer alternativa fundada na perspectiva do trabalho. Como  
Chasin explicita, as novas tendências, nacionais e mundiais, vieram ao encontro das  
convicções de FHC, "cujo senso de realidade e pertinência prática" se destacam sobre  
o pano de fundo da inconsistência das "esquerdas" e da veemência da globalização.  
O caráter ilusório de sua convicção de que a solução da miséria e da exclusão sociais  
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decorreriam da inserção na economia internacional, com a consequente modernização  
tecnológica, controlada e corrigida por um estado igualmente moderno e aperfeiçoado,  
se evidencia e materializa na "derrota honrosa" que vem sofrendo nesse campo.  
O drama da miséria brasileira salta à vista quando consideramos a recorrente  
perda de oportunidades históricas concretas, e mais ainda que um longo período se  
encerrou sem que tenha sido sequer compreendido pela esmagadora maioria das  
individualidades e organizações que pretenderam representar as forças do trabalho.  
Incompreensão que obstaculiza o entendimento do novo período que se abre, e  
decorrentemente a visualização das novas alternativas existentes ou que venham a se  
por.  
Repor no horizonte a revolução social, e desentranhar da realidade os caminhos  
a percorrer em sua direção sintetizam o desafio multiforme a enfrentar. Mas para isso  
é preciso olhar para a frente, para o futuro, e não para trás, para o passado. Pois,  
"quando a esquerda não rasga horizontes, nem infunde esperanças, a direita ocupa o  
espaço e draga as perspectivas: é então que a barbárie se transforma em tragédia  
cotidiana".  
***  
Este volume inclui, ainda, um Apenso Arqueológico, composto de uma série de  
artigos abordando temas diversos, que se estendem dos princípios da década de 60  
aos meados da década de 80.  
Os quatro primeiros artigos deste Apenso datam do período em que Chasin era  
ainda estudante da Faculdade de Filosofia da Universidade de São Paulo. No primeiro  
deles, debruça-se sobre a figura de Jânio Quadros, esboçando-lhe o perfil ideológico  
e o percurso político, pondo a nu o conservantismo e a inconsistência que o  
caracterizaram. Os dois artigos seguintes abordam o movimento estudantil, e nos  
oferecem uma análise que abrange desde os traços essenciais de sua gênese e  
configuração desde 1945, até a avaliação de sua situação naquele momento e a  
determinação de sua tarefa primordial: a luta ideológica. Decorridos quase quarenta  
anos, e em que pesem todas as alterações da realidade, essas análises ainda guardam  
em grande medida sua validade, especialmente na denúncia do isolamento das cúpulas  
em relação à massa do estudantado e na ênfase posta na luta ideológica. E importante  
lembrar que, ainda enquanto estudante, Chasin participou ativamente na luta contra a  
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privatização da educação nacional, assumindo a vice-presidência da Campanha pelo  
Ensino Público, ao lado de seu amigo Florestan Fernandes, então presidente.  
O último trabalho desse período é o resultado de uma ampla pesquisa,  
coordenada por Chasin, com vistas à obtenção de dados sobre a situação dos  
trabalhadores rurais, e levada a cabo no Primeiro Congresso Nacional dos Lavradores  
e Trabalhadores Agrícolas, realizado em novembro de 1961, em Belo Horizonte-MG.  
Por este trabalho, é o único autor citado em A Revolução Brasileira, de Caio Prado  
Júnior, a cujo grupo de intelectuais, articulado na Revista Brasiliense, vinculou-se,  
buscando aprimorar a herança positiva de nosso historiador e criticando o dogmatismo  
e sectarismo das facções comunistas, que ironizavam a antevisão do golpe de estado,  
que de fato ocorreria em 64.  
Os demais artigos versam fundamentalmente sobre o movimento dos  
professores, no âmbito do qual Chasin chegou a ocupar a vice-presidência da seção  
nordestina da Andes Associação Nacional dos Docentes do Ensino Superior, que  
ajudou a fundar. São textos que avaliam momentos significativos do movimento  
docente, sempre em conexão com o quadro mais amplo da vida nacional, e tendo em  
vista a necessidade para as forças do trabalho, das quais os professores são um  
segmento, da ampliação qualitativa e quantitativa da pesquisa e do ensino.  
A leitura dos materiais incluídos neste Apenso Arqueológico nos mostra, por  
um lado, que a preocupação chasiniana em apreender a realidade brasileira data de  
seus tempos de estudante; e, por outro, nos dá a conhecer sua inserção na política  
estudantil e, mais tarde, no movimento docente. Em ambos os casos, e guardados os  
distintos graus de maturidade pessoal e intelectual, evidencia-se a permanente  
preocupação em exercer uma prática racionalmente orientada para a superação da  
sociabilidade regida pelo capital, prática que o desenvolvimento de seus estudos sobre  
Marx e a mundaneidade contemporânea demonstrou que só pode ser metapolítica.  
Como citar:  
COTRIM, Lívia. O capital atrófico: da via colonial à mundialização. Verinotio, Rio das  
Ostras, v. 30, n. 1, pp. 60-100, Edição Especial: A miséria brasileira, 2025.  
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