REVISTA VERINOTIO  
NOVA FASE  
EDIÇÃO ESPECIAL  
A crítica do Direito  
em Marx  
junho  
2024  
VERINOTIO REVISTA ON-LINE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS  
ISSN 1981-061X v. 29 n. 1 - junho 2024  
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SUMÁRIO  
Editorial: 100 anos depois ou 100 anos atrás? ............................ IX  
Vitor Bartoletti Sartori  
A crítica do Direito em Marx  
Edição Especial  
Sobre as formas e figuras econômicas diante das formas jurídicas em  
Marx: um embate com Pachukanis ...................................................... 01  
Vitor Bartoletti Sartori  
Estado e Direito em Marx: uma análise dos escritos da  
Gazeta Renana .................................................................................... 64  
Murilo Leite Pereira Neto  
A questão judaica e as Glosas Críticas: Estado, direito e crítica  
da economia política na obra de Karl Marx entre 1843 e 1844 .............. 103  
Lucas de Oliveira Maciel  
A posição dos juristas na divisão do trabalho e suas ilusões em  
A Ideologia Alemã .............................................................................. 129  
Gabriel Müller de Jesus Pinheiro Machado  
O direito sem história e o Estado como comunidade ilusória: Marx e  
Engels sobre história em A ideologia alemã ....................................... 154  
Edmundo Barboza Filho  
O papel do terreno jurídico na Prússia revolucionária:  
uma análise da função ideológica do direito nos escritos  
marxianos da Nova Gazeta Renana .................................................... 182  
José Roberto Almeida Sales Júnior  
A batalha pelos significados dos Grundrisse e o labirinto criativo  
de leituras marxistas sobre o direito ............…………………...........213  
Moisés Alves Soares  
Marx e o movimento do Direito nos textos econômicos tardios  
(18571879) ....................................................................................... 238  
Lucas Almeida Silva  
Forma de aparecimento que torna invisível a relação efetiva e mostra  
precisamente o oposto dessa relação: Marx diante do salário e a crítica  
marxiana ao direito .........………...................................................... 267  
João Lucas Sales Prates  
De pré-marxiano a propriamente marxiano: o tratamento do crime  
e da punição em dois momentos da obra de Marx ……………………….. 305  
Nayara Rodrigues Medrado  
Os direitos humanos à luz de O capital  
Elementos para uma aproximação (Parte 01) ……………………………….. 336  
Vinícius Casalino  
Crítica da ideia de justiça em Marx a partir das glosas marginais ao  
Programa de Gotha …………………………………………………..……………….. 367  
Arthur Bastos Rodrigues  
O terreno do direito achado na renda fundiária: introdução a uma  
crítica jurídica a partir do livro III, de O capital de Marx ………..…….. 388  
Ricardo Prestes Pazello  
O conceito de “justiça” em Marx: seus elementos, contextos  
e debates …………………………………………………….……....................…….. 412  
Thiago Aguiar Simim  
Alexandre, o pequeno: Marx e a abolição da servidão na Rússia …….. 433  
Gabriella M. Segantini Souza  
A crítica ao direito nos “assim chamados” Cadernos Etnológicos  
de Karl Marx: os comentários a Henry Sumner Maine …………..……… 465  
Ana Carolina Marra de Andrade  
Tradução  
Quem escreveu o artigo Socialismo dos juristas? Problemas para  
estabelecer a autoria na edição do Volume I/31 da MEGA-2 ................. 493  
Renate Merkel-Melis  
Resenhas  
A gênese da crítica marxista ao direito: um convite à leitura d’  
O papel revolucionário do direito e do Estado, de Piotr Stutchka ......... 502  
Matheus Daltoé Assis  
Continuando com o direito insurgente ………….………….............……. 514  
Marina Marques de Sá Souza  
Pachukanis e o estreito horizonte do Direito ....................................... 521  
Antonio Ugá Neto  
A reconstrução em construção da crítica do Direito de Karl Marx  
por Vinícius Casalino ......................................................................... 536  
Rayan Thales Araújo Maia  
Honoré Daumier  
Avant Audience [Antes da audiência]  
Tipo: Caneta; Tamanho do desenho: 23cm × 8,9 centímetros  
Data: 1860-1865  
EDITORIAL  
DOI 10.36638/1981-061X.2024.29.1.701  
Editorial  
_____  
100 anos depois ou 100 anos atrás?  
Vitor Bartoletti Sartori*  
Qualquer marxista em sã consciência que se envolva com a temática do direito  
é obrigado a reconhecer a grandiosidade da obra pachukaniana. Certamente ele não  
tem a estatura de autores do século XX como Lênin, Lukács e Rosa Luxemburgo (para  
que mencionemos os grandes marxistas desse século); porém, é um autor de enorme  
importância para o marxismo como um todo, e não só para aqueles que estudam a  
esfera jurídica. Ao analisar a crítica marxista ao direito, não levar em conta a obra do  
autor denota desconhecimento ou, pode-se mesmo dizer, má-fé.  
No mesmo sentido, é preciso deixar claro que a recepção da obra de Pachukanis  
no Brasil deve muito a um autor em específico: Márcio Bilharinho Naves, a quem a  
crítica marxista ao direito brasileira deve muito. Em um momento em que, por aqui, o  
ecletismo teórico e a falta de rigor imperavam no tratamento marxista do tema, Naves  
foi o farol de toda uma geração. Não é exagero dizer que o filósofo althusseriano foi  
o principal responsável pela maior seriedade e compromisso teórico da geração  
presente, na qual grande parte dos autores que escreveram nesse número da Verinotio  
se enquadra. Também é preciso destacar que, ainda hoje, o autor de Direito e  
marxismo é a maior referência na temática.  
Nunca é demais destacar: a dívida dos brasileiros que realizam a crítica marxista  
ao direito diante de Márcio Naves e de sua leitura da obra pachukaniana é enorme.  
Sem isso, nesse campo, talvez estivéssemos ainda patinando em leituras  
instrumentalizadas e absolutamente parciais da obra de Marx. Certas hermenêuticas  
lí(y)ricas talvez ainda dessem a tônica do marxismo jurídico ou, o que acaba sendo o  
mesmo, dos juristas marxistas. Não que seja de estranhar que um professor de filosofia  
* Professor adjunto da Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil. Mestre  
em história social pela PUC-SP e doutor em teoria e filosofia do direito pela USP. E-  
mail: vitorbsartori@gmail.com.  
Verinotio  
ISSN 1981 - 061X v. 29 n. 1 jan.-jun., 2024  
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Vitor Bartoletti Sartori  
(e não do curso de direito) fosse aquele a explicitar a falta de cuidado generalizada  
dos juristas-filósofos ou dos juristas-sociólogos; antes, isso parece bastante óbvio se  
pensarmos no tipo de formação disponível nos vetustos cursos jurídicos. Naves  
explicitamente colocou os marxistas como críticos do direito, e não como juristas  
autoproclamados marxistas, críticos etc. Seu ponto de partida, com isso, parece-nos  
acertado e necessário.  
Nesse cenário, é preciso também assinalar a importância de uma obra como  
Teoria geral do direito e o marxismo, que faz 100 anos em 2024. Desde que Márcio  
Naves se colocou aos estudiosos do direito no Brasil, essa tem sido a obra de cabeceira  
da crítica marxista ao direito. Os méritos dessa tradição (em sua maior amplitude)  
devem muito à obra cuja efeméride motiva o presente número da Verinotio. No  
entanto, também é preciso se perguntar: há algum problema se uma obra centenária  
se configura ainda como ponto de partida (e de chegada) para a crítica marxista ao  
direito? Não falamos de marxismo jurídico aqui; em verdade, em nossa opinião, não  
há como levar a sério essa possibilidade desde que ficou claro que se trata de uma  
crítica ao âmbito jurídico; Engels criticou fortemente o socialismo dos juristas; o  
próprio Pachukanis (e Naves enfatiza a questão) critica enfaticamente o raciocínio  
jurídico. Porém, tal expressão tem ganhado força. Isso não seria preocupante? Essas  
perguntas precisam ser respondidas com algum zelo.  
Para isso, é importante notar que, há 100 anos, a posição de Pachukanis é  
análoga àquela dos grandes autores do marxismo da época. Ele não se curva diante  
dos teóricos oficiais da II Internacional e nem reduz sua teoria às simplificações e  
esquematismos de autores russos como Plekhânov. Trata-se, portanto, de um autor  
com uma envergadura intelectual que não é desprezível. Ele também tal como  
importantes teóricos da época, como Isaac Rubin e György Lukács desenvolve suas  
obras apreendendo elementos muito importantes da obra marxiana, como a relação  
das formas econômicas com a crítica da economia política e, portanto, com o  
tratamento da luta de classes e das diferentes esferas da sociedade. A temática do  
fetichismo da mercadoria (e, de modo menos incisivo, do dinheiro) também é muito  
presente em Teoria geral do direito e o marxismo. Assim, problemas que eram pouco  
abordados na época, e que hoje sabemos ser essenciais para o início da conversa  
sobre qualquer análise da obra de Marx, ganham relevo na grande obra de 1924. Ou  
seja, Pachukanis juntamente com outros autores da década de 1920 abre uma  
porta importante para os marxistas.  
Verinotio  
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ISSN 1981 - 061X v. 29, n. 1, pp. IX-XIX jan.-jun., 2024  
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Editorial: 100 anos depois ou 100 anos atrás?  
A impossibilidade de uma leitura baseada no entendimento rudimentar da  
famigerada metáfora do “Prefácio” de 1859 é um mérito de autores como Korsch,  
Lukács, Gramsci, Luxemburgo e Bloch, entre outros. Pelo que dizemos, é possível  
colocar Pachukanis em meio a esses pensadores revolucionários. E isso não é pouco.  
Assim, tal qual tais famosos marxistas, é imprescindível ler o autor soviético ainda hoje.  
Mesmo que não se possa pretender que ele tenha a mesma estatura dos mencionados  
autores, pode-se dizer que, como o mencionado Rubin, a leitura pachukaniana ainda  
é relevante.  
A década de 1920, na esteira dos acontecimentos da Revolução Russa de  
outubro de 1917, foi profícua em teorizações marxistas críticas. Aliás, algo que precisa  
ser destacado é: tal complemento pleonástico mostrou-se necessário já na época.  
Diante da formação de um marxismo oficial agora com uma espécie de oxímoro ,  
isso se mostrou imprescindível ao desenvolvimento de uma genuína tradição  
revolucionária. Tratou-se de uma época em que ser marxista trazia como referência  
obrigatória o socialismo e uma posição firme diante da Revolução Russa, mas que já  
precisava de qualificativos tais quais aqueles mencionados acima. Ou seja, a separação  
entre o marxismo vulgar e aquele minimamente digno de tal nome começa a ganhar  
muito destaque na época; tem-se um tempo de grandes expectativas e em que a  
confiança na possibilidade da supressão das sociedades classistas era generalizada,  
mesmo entre os mais evolucionários dos marxistas. Ser marxista trazia claramente um  
sentido colocado, mesmo que de modo meandrado, na realidade objetiva. O básico a  
se dizer e a se colocar era a necessidade da superação do modo capitalista de  
produção. Esse era o primeiro passo na década de 1920, diferenciando-se os  
expoentes sofisticados do marxismo daqueles escolares e vulgares não tanto devido a  
uma questão de princípio (ao menos no sentido que trazemos aqui), mas pelo maior  
rigor, sofisticação, cuidado na análise da realidade e, também, da obra do próprio  
Marx. A leitura correta do autor de O capital e a prática revolucionária caminhavam  
lado a lado nos autores que mencionamos, sendo preciso dizer que Pachukanis  
(principalmente em sua obra do começo da década de 1920) é um desses autores que  
trazem o melhor possível da leitura marxista na época com uma posição decidida na  
prática, em que se colocou como vice-comissário do povo para a justiça na União  
Soviética, tendo como comissário Piotr Stutchka (também autor relevante da área).  
Há dois pontos a serem destacados agora: o primeiro deles diz respeito à  
atuação prática de Pachukanis em meio à Revolução Russa. Ela não se divorcia de sua  
Verinotio  
ISSN 1981 - 061X v. 29 n. 1, pp. IX-XIX jan.-jun., 2024 | XI  
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Vitor Bartoletti Sartori  
elaboração teórica. O segundo ponto diz respeito à leitura pachukaniana de Marx e ao  
modo pelo qual a tradição althusseriana a analisou no Brasil, fazendo-se hegemônica  
entre nós.  
Sobre o primeiro ponto, vale destacar aquilo que alguém como Wendy  
Goldmann mostrou de modo bastante convincente: a atuação do autor soviético e  
daquele que hoje é tido (por vezes, de modo absolutamente acrítico) como seu  
antípoda pela grande maioria da crítica marxista ao direito foi bastante convergente.  
Ou seja, o embate teórico de Pachukanis e de Stutchka foi aquele de dois autores  
(segundo eles mesmos) complementares, envolvidos nos rumos da recém-fundada  
União Soviética e profundamente comprometidos com a superação do direito, da  
família patriarcal, do estado e da propriedade privada. Trata-se de teóricos  
revolucionários e cuidadosos.  
Assim, se hoje não é raro que se traga uma brutal oposição entre as teorizações  
desses autores, bem como entre suas práticas, isso talvez precise ser questionado ou,  
ao menos, visto em suas nuances. Ainda sobre esse ponto: até o ano de 2023, os  
textos posteriores a Teoria geral do direito e o marxismo não estavam disponíveis no  
Brasil. Agora, sob o título O marxismo revolucionário de Pachukanis, é possível ler  
diversos artigos que o autor soviético escreveu até o final de sua vida. Trata-se de  
algo essencial para o estudo do próprio Pachukanis; e, assim, se certamente é  
necessário levar em conta a análise histórica realizada por Naves sobre tais textos em  
seu Direito e marxismo, igualmente importante é analisar o material de que o filósofo  
tratou e que, até então, não estava disponível no Brasil. É preciso deixar claro: por  
mais que, de um modo ou de outro, por aqui, sejamos sempre ao menos um pouco  
pachukanianos na crítica marxista ao direito, ainda nos falta muito estudo sobre o  
próprio autor soviético. Também são muito incipientes os estudos sobre sua relação  
com Stutchka, sendo igualmente necessário conhecer com mais desvelo a obra do  
comissário do povo para a justiça, algo propiciado somente agora, quando uma edição  
cuidadosa de sua obra principal (não temos acesso a muitas outras obras do autor) foi  
organizada por Ricardo Pazello e Moisés Soares, também autores de textos para o  
presente número da Verinotio. Ou seja, 100 anos depois da publicação da Teoria geral  
do direito e o marxismo, no Brasil, ainda há muito a desvendar sobre a obra, a posição  
e os embates do próprio Pachukanis.  
Sobre o segundo ponto que mencionamos, é preciso deixar claro que o autor  
soviético passa por obras menos debatidas na época, como Sobre a questão judaica  
Verinotio  
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ISSN 1981 - 061X v. 29, n. 1, pp. IX-XIX jan.-jun., 2024  
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Editorial: 100 anos depois ou 100 anos atrás?  
e o “Prefácio” de 1857, e dá grande valor à Crítica ao Programa de Gotha. Ele aborda,  
portanto, obras de diferentes momentos do itinerário marxiano. E, nesse ponto,  
precisamos destacar certo percalço na recepção do autor no Brasil: a tradição  
althusseriana não tarda a colocar Sobre a questão judaica como um texto de juventude,  
marcado por uma “problemática ideológica” e “não científica”. Isso, em nossa opinião  
(amparada por autores como Chasin e Lukács), prejudica a leitura da obra do próprio  
Marx, certamente. Porém, também corre o risco de trazer um Pachukanis bastante  
peculiar. Outro problema sobre a obra pachukaniana e sobre a recepção dela no Brasil:  
o autor põe grande ênfase em O capital e, em especial, na relação entre a crítica da  
economia política e a teoria do valor (nesse sentido, traça passos similares aos de  
Rubin). Com isso, relaciona a crítica ao valor com a crítica ao direito, dando bastante  
destaque aos capítulos I e II da obra magna de Marx. Também nesse ponto há certo  
alerta ao se olhar a recepção do autor no Brasil: Althusser não tardou a acusar a  
exposição do Capítulo I de O capital de conter traços hegelianos e, portanto,  
condenáveis. Ao se ter isso em mente, percebe-se que, novamente, a leitura de Teoria  
geral do direito e o marxismo que daí decorre não tem como deixar de ter várias  
particularidades. Em verdade, certas ênfases como aquela no sujeito de direito –  
trazem uma afinidade eletiva muito grande com a crítica althusseriana ao (S)sujeito (e  
não tanto com a relação entre pessoas e coisas, ligada ao fenômeno da reificação); o  
destaque do caráter exclusivamente capitalista do direito, em detrimento da análise  
das formas jurídicas embrionárias, também denota o apego a uma leitura baseada em  
uma espécie de corte (aqui parece não se tratar propriamente de um corte  
epistemológico ainda). Por fim, tem-se a posição segundo a qual Pachukanis teria sido  
o primeiro a aplicar corretamente o método de Marx no tratamento do direito; no  
limite, ele teria sido o primeiro a ler as passagens marxianas sobre a esfera jurídica  
com o mínimo de cuidado (e essa afirmação é absolutamente temerária, diante da obra  
de Stutchka, de 1921). O autor soviético, assim, parece criar o “continente” (para que  
se use a dicção de Althusser sobre Marx e a história) da crítica marxista ao direito,  
trazendo uma descoberta científica que o coloca como o fundador de uma tradição. E,  
assim, no Brasil, a crítica marxista ao direito se tornou a crítica pachukaniana (e  
althusseriana) ao direito.  
Os méritos da tradição iniciada por Naves são enormes. A dívida da crítica  
marxista ao direito diante do filósofo também nunca é demais destacar. Porém, o  
mínimo a se ponderar é que a leitura althusseriana (e maoísta) da obra de Pachukanis  
Verinotio  
ISSN 1981 - 061X v. 29 n. 1, pp. IX-XIX jan.-jun., 2024 | XIII  
nova fase  
Vitor Bartoletti Sartori  
pode não ser a única possível. Porém, hoje, com a alcunha de marxismo jurídico (termo,  
no mínimo, problemático, em nossa opinião), as determinações mais gerais da leitura  
de Naves são divulgadas, principalmente, por Alysson Mascaro e por seus seguidores.  
Ao passo que a leitura de Naves é explícita e honesta em suas fundamentações  
althusserianas, Mascaro nem sempre traz suas referências e, com isso, populariza a  
exposição da crítica marxista ao direito, ao mesmo tempo em que dificulta o debate  
teórico, em que as fundamentações mesmas podem e devem ser colocadas em  
questão em um debate franco.  
Ou seja, 100 anos depois da publicação da grande obra pachukaniana, pode-  
se dizer que estamos em um terreno que poderia ser mais sólido e rigoroso. Os  
embates de fundo sobre a crítica ao direito poderiam ser mais ricos e, é preciso dizer:  
a leitura da posição do próprio Marx sobre o direito poderia estar mais desenvolvida.  
Se nos livramos do ecletismo por meio da leitura althusseriana de Pachukanis, na  
ausência de outra tradição sólida nos estudiosos do direito ficamos reféns de uma  
leitura específica.  
Em verdade, 100 anos depois, ainda estamos buscando compreender 100 anos  
atrás e sem sucesso, já que não temos sequer acesso a importantes textos de  
Stutchka e Pachukanis; em verdade, a tarefa básica (mas não suficiente) para qualquer  
marxista não foi realizada: falta muito para que se tenha um terreno suficientemente  
consolidado por debates rigorosos sobre os textos do próprio Marx sobre o direito.  
Isso se dá até mesmo porque há muitas obras do autor de O capital sobre as quais o  
autor da Teoria geral do direito e o marxismo não pôde se debruçar. Algumas delas,  
por uma questão simples: A ideologia alemã e os Grundrisse, só para que fiquemos  
nos exemplos mais marcantes, ainda não haviam sido publicados. Porém, mesmo  
quando olhamos para outros textos importantes de Marx (e que trazem várias  
referências sobre o direito) há, para dizer o mínimo, lacunas: Pachukanis se dedica  
sobretudo ao Livro I de O capital, ao passo que as referências ao direito e às formas  
jurídicas são abundantes nos livros II e III da principal obra de Marx. Ou seja,  
precisamos ainda revolver o passado para que possamos dar passos para a frente no  
presente. Em geral, ficamos repisando temáticas pachukanianas, sendo que muitas  
delas nem sequer foram destacadas pelo autor com ênfase. Mais que isso, pode-se  
mesmo dizer que grande parte delas já estão no próprio Marx, porém, de modo  
distinto. O trabalho de olhar tais temas no autor de O capital ainda é necessário.  
Tanto ao se olhar para 150 anos atrás quanto ao mirar 100 anos atrás percebe-  
Verinotio  
XIV |  
ISSN 1981 - 061X v. 29, n. 1, pp. IX-XIX jan.-jun., 2024  
nova fase  
Editorial: 100 anos depois ou 100 anos atrás?  
se: há muito o que fazer. O cenário, nesse sentido, é bom e é ruim. Ruim porque nem  
sequer estamos no ponto em que fomos deixados há um século. Ele é bom porque,  
havendo muito a desenvolver, podem existir possibilidades muito maiores na crítica  
marxista ao direito do que aquelas que hoje são visíveis. O momento presente é  
dúplice. E oferece dificuldades grandes também, as quais, mesmo que desanimadoras,  
precisam ser explicitadas.  
Além daquilo colocado acima, tem-se algumas diferenças muito grandes entre  
a década de 1920 e a de 2020. Para começar, é visível que o projeto de socialismo  
do século XX está morto. Tomar a Revolução Russa como modelo hoje é um disparate;  
e mais: se isso é verdade, o debate entre Pachukanis e Stutchka é importante para que  
se compreenda o mundo de 100 anos atrás; mas não pode ser trazido sem as devidas  
mediações para o presente. Repisar esses dois importantes teóricos pode até ser  
essencial para se pensar as bases da crítica marxista ao direito, mas não é mais que  
isso, um começo. Defender a bandeira de um autor ou de outro como resolutiva para  
hoje beira a insanidade.  
Estudamos dois autores que participaram ativamente da Revolução Russa e  
cujas teorias estiveram ligadas intimamente às suas atividades em meio a tal  
acontecimento do século XX. Ficar remoendo as teorias de tais autores e os eventos  
de 1917 só mostra que, quer se queira, quer não, ainda estamos presos na década de  
1920. 100 anos depois de Teoria geral do direito e o marxismo, não há qualquer  
desenvolvimento superior àquele do começo do século passado. E isso significa que,  
de novo, nada há de novo no front.  
O avanço consistente da crítica marxista ao direito é uma ficção. O melhor que  
se tem nesse campo é a leitura althusseriana de Pachukanis, a qual, como  
mencionamos, pode ser questionada. Precisamos ainda de muito esforço e, para isso,  
é necessário que percamos as ilusões quanto à possibilidade de simplesmente resgatar  
a obra pachukaniana.  
Mesmo os esforços de autores presentes nesse número no sentido de um  
direito insurgente (Moisés Soares e Ricardo Pazello); ou na leitura rigorosa de Marx  
por meio de Ruy Fausto e Jorge Grespan (Vinícius Casalino); ou a partir da análise  
imanente chasiniana (Vitor Sartori, Murilo Pereira Leite Neto e Nayara Medrado, só  
para que se mencionem os mais velhos no presente número) são apenas passos  
iniciais. Ainda estamos presos àquilo desenvolvido há 100 ou 150 anos porque ainda  
não conseguimos explorar os nossos próprios fundamentos de maneira satisfatória.  
Verinotio  
ISSN 1981 - 061X v. 29 n. 1, pp. IX-XIX jan.-jun., 2024 | XV  
nova fase  
Vitor Bartoletti Sartori  
Sem admitir isso, não há como avançar. Imaginar que desenvolvemos tradições  
alternativas no grau de maturidade colocado nesse momento a essas teorizações  
significa buscar aplausos momentâneos por meio de um otimismo, mesmo que  
contagiante, ingênuo, para se dizer o mínimo. É preciso admitir: as razões para esse  
fato não são relacionadas simplesmente às falhas intelectuais (e práticas) de cada um  
desses autores mencionados. Há determinações históricas essenciais ligadas a uma  
mudança significativa dos anos de 1920 para o ano de 2024.  
O projeto socialista do século XX está morto e o melhor da crítica marxista ao  
direito (Pachukanis e Stutchka) esteve ligado a ele. E não temos algo suficientemente  
radical para colocar no lugar desse projeto ou das teorizações do comissário e do vice-  
comissário do povo para a justiça da União Soviética. O socialismo do século XXI de  
que falava Chávez, na melhor das hipóteses, solapou com Maduro. Os governos  
progressistas na América Latina (Morales, Correa, entre outros) não foram muito longe.  
O marxismo, em geral, está desacreditado para o senso comum. Por vezes, é preciso  
dizer: mesmo autores marxistas falam com muito embaraço que é preciso suprimir o  
modo de produção capitalista. Se Korsch, Lukács, Gramsci, Rosa e outros eram autores  
sofisticados, que se colocavam na esteira do acontecimento da Revolução Russa, nós  
nem sequer somos uma sombra desses grandes autores, tanto prática quanto  
teoricamente. Nossas perspectivas, não raro, colocam-se de modo extremamente  
defensivo, de maneira que o terreno para a crítica marxista ao direito parece ser o pior  
possível: aquele do avanço da extrema-direita, inclusive, diante das concessões  
conquistadas pela classe trabalhadora e colocadas na figura dos direitos sociais. Em  
meio a um cenário de perda de direitos, estamos trazendo à tona a necessidade de  
uma crítica radical ao capitalismo, ao estado e ao direito.  
É preciso que se percam as ilusões do passado; para isso, é necessário admitir  
as derrotas que o movimento socialista sofreu. Sem isso, na melhor das hipóteses,  
ficamos presos a um tempo que não existe mais. Mas a situação é muito pior: há o  
risco de fingirmos que vivemos em uma situação análoga àquela do começo do século  
XX e, com isso, deixarmos claro que não compreendemos absolutamente nada do que  
se passa na história. O marxismo, dessa maneira, longe de buscar a apreensão das  
determinações do real, passa a caracterizar-se por um tipo de nominalismo, em que o  
mais “marxista” é aquele que grita mais alto palavras de ordem do passado como se  
elas fizessem algum sentido ainda hoje. Por outro lado, a atitude de Marx diante da  
derrota das jornadas de fevereiro de 1848 não foi a da negação da realidade; ele  
Verinotio  
XVI |  
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nova fase  
Editorial: 100 anos depois ou 100 anos atrás?  
reconheceu que a revolução estava morta. E é preciso que façamos o mesmo,  
urgentemente. Porém, ele também viu que as ilusões também poderiam morrer com a  
revolução de fevereiro. E, por isso, seria preciso deixar claro que a morte da revolução  
de fevereiro é a condição para uma revolução vindoura. O autor já dizia: a revolução  
está morta. Vivas a revolução!  
Sem uma atitude similar, estamos fadados ao nominalismo marxista... à defesa  
de uma teoria que, na melhor das hipóteses, nos ajuda a entender o que se passou na  
década de 1920. Desse modo, tornamo-nos seitas que juntam o pior do romantismo  
com o utopismo. Não se compreende nada do presente e não se abrem perspectivas  
para o futuro sem o reconhecimento da própria derrota e sem uma autocrítica  
constante. Marxismo e, em específico, a crítica marxista ao direito não pode ser a  
defesa de uma teoria de um século atrás contra outra teoria da mesma época. Caso a  
publicação cuidadosa da obra de Stutchka redunde em um fla-flu entre pachukanianos  
e “stutchkianos”, significa que já fomos para a lata de lixo da história, que não temos  
qualquer importância teórica e prática.  
Uma pergunta: seria trazer a necessidade da crítica ao direito em um cenário  
de perda de direitos fundamentais e sociais fazer o jogo da extrema-direita? Seriam  
os comunistas, como quer Jameson, iguais aos neoliberais em diversos aspectos,  
menos os essenciais? A estas perguntas é necessário responder com um retumbante  
não.  
É preciso dizer, porém, que as tarefas que se colocam diante disso são enormes.  
Primeiramente, porque o legado teórico de Marx, na maior parte do tempo, foi  
apropriado em um momento em que as possibilidades de revoluções socialistas  
pareciam estar claramente presentes. Nesse sentido, os marxistas (Anderson e  
Eagleton, só para que citemos alguns célebres), em grande parte, tiveram uma atitude  
de negação diante da crise do marxismo; se alguém como Lukács falava, no final da  
década de 1960 e no começo da década de 1970, da necessidade de renascimento  
do marxismo, podemos dizer que ele raramente foi ouvido, portanto. Em verdade,  
muitos daqueles que admitiram as derrotas do movimento socialista se tornaram  
antimarxistas, geralmente, conformando-se nas piores posições políticas possíveis  
(Coletti), em uma espécie de liberalismo de esquerda, ou buscando teorizações  
próprias de proveito duvidoso (Habermas e Heller, por exemplo). No caso da crítica  
marxista ao direito, no Brasil, isso não ocorreu, pois os autores antimarxistas ou  
supostamente pós-marxistas foram conhecidos antes de Pachukanis. E, com isso, tudo  
Verinotio  
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se passa como se ainda estivéssemos no momento imediatamente posterior à  
Revolução Russa. As leituras ecléticas e pouco rigorosas de Marx já são parte do  
passado quando se fala do debate teórico sério, porém, o marxismo jurídico (sic!)  
aparece como quase uma unanimidade. Nesse sentido, os desafios teóricos são  
enormes ainda; o debate sério sobre o direito em Marx e em grandes autores marxistas  
ainda precisa ser feito com mais cuidado. Mesmo que existam esforços nesse sentido,  
tal qual o que ocorre atualmente na crítica marxista ao direito, ainda se têm somente  
passos iniciais, os quais precisam ser desenvolvidos com cuidado.  
A resposta à questão acima, porém, não envolve somente a elaboração teórica,  
por óbvio. E, nesse ponto, é preciso primeiramente admitir que não pode haver uma  
mente sã que reconheça que não se pode abandonar simplesmente o terreno do  
direito em uma situação em que o avanço do capital se dá retirando direitos sociais.  
Mesmo o mais obstinado crítico das formas jurídicas precisa admitir que é necessário  
que haja um advogado popular em uma situação de reintegração de posse em uma  
ocupação. Ou seja, salvo em raros casos de autores imbuídos de uma espécie de bela  
alma, não está em questão qualquer abstencionismo diante da atividade jurídica. A  
defesa diante do avanço da extrema-direita passa necessariamente pelos juristas, bem  
como pelos sindicatos e pelos partidos políticos. E, com isso, a própria realidade faz  
com que uma crítica ao direito e à política não possa se colocar como uma posição de  
abandono do direito ou da política, simplesmente. O primeiro ponto a ser esclarecido  
é este. E, dessa maneira, estamos em um cenário de necessário uso de mediações  
políticas e jurídicas. Ao mesmo tempo, a elaboração teórica inspirada em Marx,  
também em Pachukanis e em Stutchka, leva à crítica à política e ao direito, tendo por  
base a crítica à economia política.  
E aí tem-se um ponto importante: é possível uma crítica marxista ao direito sem  
uma crítica à economia política? Se formos minimamente coerentes com Marx, não.  
A compreensão do presente leva, assim, à necessidade de abordar com cuidado  
o movimento das formas e das figuras econômicas no capitalismo atual. No que diz  
respeito ao direito, é extremamente necessário ver como as formas jurídicas se ligam  
a este movimento. Sem isso, não é possível começar a se falar de uma crítica marxista  
ao direito que não fique restrita a 100 anos atrás. 100 anos depois, é preciso  
compreender o capitalismo contemporâneo e, em meio a ele, a política e o direito. No  
título das obras de Pachukanis e de Stutchka consta a expressão teoria do direito; em  
nossa modesta opinião, por mais que seja preciso retomar e estudar tais autores, não  
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Editorial: 100 anos depois ou 100 anos atrás?  
há como apoiar-se em qualquer teoria do direito, mesmo que marxista. Marx não  
procurou uma economia política crítica, mas uma crítica da economia política. Não  
podemos procurar desenvolver simplesmente uma teoria crítica do direito, é preciso  
uma crítica ao direito. Isso, porém, não é simplesmente um jogo de palavras. Os passos  
e os desafios teóricos que mencionamos são urgentes. Mas aquilo que os completa (e  
mesmo propicia) é uma análise cuidadosa da realidade, em nosso caso, do capitalismo  
contemporâneo.  
Se a crítica marxista ao direito se isola desses problemas, ela adota certo tom  
quase corporativo; no limite, desenvolve-se uma espécie de socialismo dos juristas  
críticos e autoproclamados marxistas. Há quase 150 anos, Engels já alertou para esse  
problema. E, assim, novamente, ao se ter a hegemonia da denominação “marxismo  
jurídico” em tela, há de se considerar que precisamos pensar a situação teórica e  
prática 100 anos depois de Teoria geral do direito e o marxismo. Porém, talvez ainda  
estejamos, não 100, mas 150 anos atrás sob diversos aspectos. Os textos  
apresentados no presente número, com todas as limitações levantadas acima,  
representam uma tentativa de romper com essa situação. Como disse J. Chasin, a  
esquerda está morta; podemos dizer sem contradizê-lo: vivas à esquerda e ao  
socialismo. E somente é possível adotar essa posição reconhecendo nossas limitações,  
bem como as possibilidades do futuro.  
Como citar:  
SARTORI, Vitor Bartoletti. 100 anos depois ou 100 anos atrás? Verinotio, Rio das  
Ostras, v. 29, n. 1, pp. IX-XIX; jan-jun, 2024  
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ISSN 1981 - 061X v. 29 n. 1, pp. IX-XIX jan.-jun., 2024 | XIX  
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DOI 10.36638/1981-061X.2024.29.1.702  
Sobre as formas e figuras econômicas diante das  
formas jurídicas em Marx: um embate com  
Pachukanis  
Economic forms and figures towards juridical forms in  
Marx: a discussion with Pachukanis  
Vitor Bartoletti Sartori*  
Resumo: A partir da correlação existente entre a  
forma-mercadoria e a forma jurídica do  
contrato, analisaremos o tratamento marxiano  
do Direito. Procuramos demonstrar que essa  
ligação mencionada está presente no autor, mas  
não basta para a crítica marxiana. São essenciais  
ao tratamento de Marx sobre a esfera jurídica a  
relação existente entre as formas econômicas da  
mercadoria, do dinheiro e do capital, bem como  
seus respectivos fetichismos. Também se tem  
que a análise, principalmente no livro III de O  
capital, das figuras econômicas, como a renda e  
os juros, e de seu papel na distribuição do mais-  
valor. Nesse momento, aparecem menções às  
formas jurídicas, que somente podem ser  
compreendidas ao se trazer a ligação entre o  
processo imediato de produção e as figuras que  
aparecem no tratamento marxiano do processo  
global de produção. Desse modo, pode-se dizer  
que o tratamento clássico da crítica marxista ao  
Direito, aquele de Pachukanis, é, no mínimo,  
insuficiente quando se trata da compreensão da  
obra de Marx.  
Abstract: From the correlation between the  
commodity form and the legal form of the  
contract, we will analyze the Marxian treatment  
of Law. We try to show that this connection is  
present in the author, but it is not enough for  
the author's criticism of Law. Essential to Marx's  
treatment of the legal sphere is the relationship  
between the economic forms of commodity,  
money and capital, as well as their respective  
fetishisms. There is also an analysis, especially  
in book III of Capital, of economic figures, such  
as income and interest, and their role in the  
distribution of surplus value. At that moment,  
mentions of legal forms appear, which can only  
be understood by bringing the connection  
between the immediate process of production  
and the figures that appear in the Marxian  
treatment of the global process of production.  
Thus, it can be said that the classic treatment of  
the Marxist critique of Law, that of Pachukanis,  
is, at the very least, insufficient when it comes  
to understanding Marx's work  
Keywords: Marx; The Capital; Juridical Forms;  
Marxist Critic of Law; Pachukanis.  
Palavras-chave: Marx;  
O
capital; Formas  
jurídicas; Crítica marxista ao Direito, Pachukanis.  
Introdução  
Aquilo de mais consolidado na tradição de crítica marxista ao Direito está  
certamente caracterizado na obra de Pachukanis. Seu Teoria geral do Direito e o  
marxismo (2017), de 1924, é um marco e vem sendo tomado como ponto de partida  
* Professor adjunto da Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil. Mestre  
em história social pela PUC-SP e doutor em teoria e filosofia do direito pela USP. E-mail:  
vitorbsartori@gmail.com.  
Verinotio  
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Vitor Bartoletti Sartori  
por importantes estudiosos de Marx e do marxismo no Brasil. Por aqui, Naves (2000,  
2014), Mascaro (2012, 2018), Kashiura (2009, 2014), Almeida (2016), Casalino  
(2011, 2019), Pazello (2021), entre outros, têm como ponto de partida a teorização  
pachukaniana sobre a forma jurídica e sua relação com a forma-mercadoria. E, assim,  
seja com autores de inspiração althusseriana como Naves, Mascaro, Kashiura e  
Almeida, ou com formações filosóficas bastante diversas, como Casalino (mais ligado  
às teorizações uspianas sobre Marx, como aquelas de Jorge Grespan e de Ruy Fausto)  
e Pazello (próximo da crítica marxista à dependência e à leitura latino-americana do  
marxismo, em que prevalecem Dussel e Marini), o horizonte pachukaniano se afirma  
de modo decisivo. Todos esses autores mesmo que com divergências entre si na  
interpretação da obra do próprio autor soviético trazem em suas teorizações o ponto  
de partida na abordagem delineada em Teoria geral do Direito e o marxismo: a relação  
entre a forma jurídica e a mercantil.  
Assim, parece haver uma espécie de consenso sobre a correlação existente  
entre a forma jurídica e a forma-mercadoria, o que estaria presente já em Marx, como  
afirmam, com ênfases diversas, os autores mencionados acima. Aqui, a partir do que  
José Chasin chamou de análise imanente1, pretendemos demonstrar que tal ponto de  
partida pode ser questionado. A análise pachukaniana, focada, sobretudo, no livro I de  
O capital, traz uma menção importante de Marx à forma jurídica. Na correlação entre  
circulação mercantil, forma-mercadoria, proprietários, relação jurídica, pessoa e  
contrato ter-se-ia a chave para a crítica marxista ao Direito. Como pretendemos  
mostrar aqui, porém, além dessa menção de Marx à forma jurídica há outras, e cujo  
significado é distinto. Também há uma relação mais mediada do que parece haver à  
primeira vista entre o Direito e as formas econômicas. Aqui, tentaremos remeter a uma  
compreensão mais ampla das formas jurídicas que aquela consolidada no Brasil;  
tentaremos fazer isso ao mostrar que a análise marxiana traz por central a correlação  
entre forma-mercadoria, dinheiro e capital.  
Para tratar de fenômenos centrais a Pachukanis, como a consolidação da  
1 Como diz Chasin: “tal análise, no melhor da tradição reflexiva, encara o texto – a formação ideal em  
sua consistência autossignificativa, aí compreendida toda a grade de vetores que o conformam, tanto  
positivos como negativos: o conjunto de suas afirmações, conexões e suficiências, como as eventuais  
lacunas e incongruências que o perfaçam. Configuração esta que em si é autônoma em relação aos  
modos pelos quais é encarada, de frente ou por vieses, iluminada ou obscurecida no movimento de  
produção do para-nós que é elaborado pelo investigador, já que, no extremo e por absurdo, mesmo se  
todo o observador fosse incapaz de entender o sentido das coisas e dos textos, os nexos ou significados  
destes não deixariam, por isso, de existir [...]”. (CHASIN, 2009, p. 26)  
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Sobre as formas e figuras econômicas diante das formas jurídicas em Marx  
igualdade entre as pessoas na sociedade capitalista, seria essencial primeiramente  
passar por uma análise mais detida da correlação existente entre as próprias formas  
econômicas. Ao tratar das formas jurídicas, pretendemos demonstrar, é preciso  
remeter às figuras econômicas do processo global de produção capitalista, vistas,  
sobretudo, no livro III de O capital.  
Formas econômicas e formas jurídicas  
Uma primeira ressalva a ser feita é que Pachukanis fala também de formas  
jurídicas no plural. Ele menciona as formas jurídicas da propriedade, do contrato, por  
exemplo. Porém, sua ênfase está certamente no que chama de “forma jurídica geral”,  
que estaria ligada intimamente à forma-mercadoria. E, assim, ele diz que se tem a  
formação da “forma jurídica como tal”: “a evolução histórica traz em si não apenas  
uma modificação no conteúdo das normas jurídicas e uma modificação das instituições  
do Direito, mas também o desenvolvimento da forma jurídica como tal” (PACHUKANIS,  
2017, p. 86). Ou seja, tratar-se-ia de considerar, não só as mudanças de conteúdo do  
Direito, mas também da própria especificidade dessa esfera social, que, segundo o  
autor soviético, conforma-se somente na sociedade capitalista. Nessa última, ainda de  
acordo com Pachukanis, haveria uma correlação entre trabalho abstrato incorporado  
nas mercadorias a partir da produção baseada na autovalorização do valor, a igualação  
dos trabalhos no mercado e a troca equivalente. Daí, resultaria que a especificidade  
do Direito se desenvolveria somente com o valor, e na vigência do modo de produção  
capitalista.  
De acordo com o autor, “Marx revela a condição fundamental, enraizada na  
própria economia, da existência da forma jurídica” (PACHUKANIS, 2017, p. 79); no que  
se nota: aquilo que estamos trazendo aqui como especificidade da esfera do Direito  
Pachukanis chama de forma jurídica, mais precisamente, de “forma jurídica como tal”  
(PACHUKANIS, 2017, p. 86). No que ele continua ao comentar sobre a condição  
fundamental para a existência da “forma jurídica como tal” de acordo com Marx: “que  
é justamente a igualação dos dispêndios do trabalho segundo o princípio da troca de  
equivalentes, ou seja, ele descobre o profundo vínculo interno entre a forma do Direito  
e a forma da mercadoria” (PACHUKANIS, 2017, p. 79). Direito e valor (ligado por  
Pachukanis e por Marx às mercadorias), portanto, seriam indissociáveis; sendo a  
vigência da lei do valor algo específico do capitalismo (Cf. RUBIN, 1987). De acordo  
com o autor soviético, somente no sistema capitalista de produção haveria Direito,  
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portanto.  
Antes disso, não haveria, para que se use a dicção pachukaniana, “existência da  
forma jurídica” (PACHUKANIS, 2017, p. 79). É verdade que, em Teoria geral do Direito  
e o marxismo, diz-se sobre a forma jurídica: “uma forma desenvolvida e acabada não  
exclui formas embrionárias e rudimentares; pelo contrário, pressupõem-nas”  
(PACHUKANIS, 1988, p. 9). Ou seja, seria preciso tratar da gênese do Direito também  
quanto à sua forma e, assim, continua o autor: “na sociedade burguesa, a forma  
jurídica, em oposição ao que ocorre nas sociedades edificadas sobre a escravatura e a  
servidão, adquire uma significação universal” (PACHUKANIS, 1988, p. 9). No que se  
vê: a posição do autor é meandrada. Fala-se, inclusive de graus em que se coloca a  
forma jurídica. Não há, portanto, uma maneira única pela qual essa forma tenha sempre  
se apresentado.  
A menção às formas jurídicas embrionárias e rudimentares leva à necessidade  
de se estudar aquilo que, segundo o autor, viria a se tornar a esfera do Direito. Ao se  
falar da significação universal da forma jurídica, também se admite sociedades em que  
isso não se dá, mas há algo similar a essa forma, mesmo que sem o alcance presente  
no capitalismo. O vínculo interno entre a forma do Direito e aquela da mercadoria,  
portanto, precisaria ser desenvolvido e estudado também em seus elementos  
transicionais. E, com isso, a posição de Pachukanis não é aquela que traz a forma  
jurídica como algo pronto e acabado; antes, tem-se o oposto, mesmo que o autor não  
tenha podido desenvolver tal aspecto de sua teoria. Isso levaria a uma análise em que  
a vigência da lei do valor é estudada também em seus elementos transicionais e na  
íntima relação existente entre as formas econômicas tratadas no livro I de O capital,  
mercadoria, dinheiro e capital.  
O trabalho pachukaniano, assim, talvez precise ser complementado, até mesmo  
porque, de acordo com o próprio ator soviético: “foi preciso um longo processo de  
desenvolvimento, no qual as cidades foram o principal palco, para que as facetas da  
forma jurídica pudessem cristalizar-se em toda a sua precisão” (PACHUKANIS, 1988,  
p. 23). Um estudo sobre a relação e o desenvolvimento da ligação entre a cidade, o  
dinheiro, as mercadorias, o capital e o Direito seria necessário para tratar da forma  
jurídica de modo cuidadoso. E, com isso, não há como tomar a obra pachukaniana  
como um ponto de partida acabado e consolidado; a própria obra do autor é  
incompleta e lacunar.  
Assim, ao tratar da obra do autor soviético, tanto é preciso reconhecer seus  
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Sobre as formas e figuras econômicas diante das formas jurídicas em Marx  
méritos e rigor quanto se deve dizer que sua obra magna não tem o grau de  
acabamento que muitas vezes se supõe. Diz-se em Teoria geral do Direito e o  
marxismo que “o presente trabalho não pretende ser de jeito nenhum fio de Ariadne  
marxista no domínio da teoria geral do Direito; ao contrário, pois em grande parte foi  
escrito objetivando o esclarecimento pessoal” (PACHUKANIS, 1988, p. 1). Ou seja,  
tomar, sem as mediações necessárias, Pachukanis como referência pode ser  
equivocado. O próprio autor, ao tratar da teoria geral do Direito, diz que não há como  
tomar seu livro como a única referência, ou como o guia único. E, assim, a concepção  
pachukaniana sobre a ligação entre forma jurídica e forma-mercadoria precisa ser vista  
nesses meandros, em que se tem descobertas importantes, mas que não esgotam a  
crítica marxista ao Direito. Essa última precisaria de desenvolver, pelo que vemos,  
inclusive, ao tratar de outras formas econômicas que a forma-mercadoria e de outras  
formas jurídicas que o contrato, amplamente abordado.  
O contrato vem a ser central no livro do autor soviético, bem como para a  
tradição pachukaniana que se desenvolveu no Brasil. Porém, se é verdade o que  
dizemos, a partir do que diz o próprio Pachukanis, seriam necessários estudos  
complementares.  
Assim, por mais que a categoria forma jurídica apareça também no plural em  
Pachukanis, há uma ênfase maior do autor no singular ao tratar do tema. Isso se dá,  
inclusive, ao passo que a “forma jurídica como tal” somente se desenvolveria no  
capitalismo, ou seja, sob a vigência da lei do valor. O autor soviético trata das formas  
jurídicas distintas, como contrato e propriedade (que são analisadas por Marx no livro  
I de O capital). Porém, geralmente, ao analisar a forma jurídica, está falando de algo  
diferente: daquilo que caracteriza a esfera jurídica como tal, tanto no conteúdo quanto  
em sua forma. Daí, o autor falar da “forma jurídica como tal”. O enfoque pachukaniano,  
assim, está no ato de troca, em que a forma jurídica em geral apareceria de modo mais  
claro a partir da forma jurídica do contrato. Para ele, “somente em situações de  
economia mercantil nasce a forma jurídica abstrata, ou seja, a capacidade geral de  
possuir direitos se separa das pretensões jurídicas concretas” (PACHUKANIS, 2017, p.  
125)2. E, assim, a autonomização relativa do Direito, e dos direitos, diante da economia  
já se coloca na própria troca mercantil, de acordo com o autor. Ao falar dos conceitos  
do Direito, ele diz:  
2 Aqui há de se notar que, tal qual Rubin (1987), Pachukanis fala de algo como uma economia mercantil  
quase que como sinônimo de economia capitalista. Para uma crítica a tal posição, Cf. SARTORI, 2020b.  
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No contrato, esses conceitos recebem seu movimento autêntico e, ao  
mesmo tempo, no ato da troca, recebem seu fundamento material, a  
forma jurídica em seu aspecto mais puro e simples. O ato de troca,  
consequentemente, constitui o momento mais essencial tanto da  
economia política quanto do Direito. (PACHUKANIS, 2017, p. 127)  
Na leitura do autor soviético, a troca acaba sendo o momento fundamental tanto  
da economia política quanto do Direito; a forma jurídica se expressaria nesse campo  
de modo mais acabado, portanto. Ela receberia sua conformação mais clara por meio  
do contrato manifestando-se em sua figuração mais pura e simples. E sobre esse ponto  
são necessários alguns comentários, já que Pachukanis atribui tal posicionamento a  
Marx.  
O primeiro aspecto a ser destacado é que, para o autor de O capital, não é a  
troca o momento mais essencial. Marx sempre deixou claro em textos como o  
prefácio de 1857, que Pachukanis conhecia e menciona em seu Teoria geral do Direito  
e o marxismo que a produção que se encontra em tal situação. Segundo o autor dos  
Grundrisse, produção, distribuição, circulação, troca e consumo certamente se  
relacionam. Porém, todas essas esferas “aparecem em todo caso como momentos de  
um processo no qual a produção é o ponto de partida efetivo, e, por isso, também o  
momento predominante [übergreifende Moment]” (MARX, 2011, p. 68). A produção,  
nesse sentido, “é o ponto de partida da realização e, por essa razão, também seu  
momento predominante, o ato em que todo o processo transcorre novamente” (MARX,  
2011, p. 68). Ou seja, creditar a Marx o posicionamento segundo o qual a troca é o  
momento essencial da (crítica da) economia política e do Direito é equivocado. Em  
verdade, o autor alemão critica tal posicionamento, típico da crise da economia política  
clássica (Cf. MARX, 1980).  
Outro ponto a ser levantado quanto a isso é que Marx está a criticar tanto o  
Direito como a economia política. E, assim, no autor, não se tem tanto a busca por  
categorias jurídicas, como sujeito de direito, em meio ao funcionamento concreto da  
circulação.  
O autor alemão sempre está a mostrar como que a circulação não pode ser  
explicada por si mesma; ela traz, ao mesmo tempo, o modo pelo qual as categorias  
aparecem na troca e a maneira pela qual essas formas de aparecimento são ilusórias  
e precisam ser explanadas a partir doutras esferas, que remetem à produção.  
No que é preciso deixar claro: Pachukanis procura correlacionar teoria geral do  
Direito com a crítica da economia política e, mesmo concebendo a teoria geral do  
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Sobre as formas e figuras econômicas diante das formas jurídicas em Marx  
Direito como uma disciplina3, traz a crítica à economia política e à teoria geral do  
Direito. Porém, os meandros de seu texto, por vezes, denotam certa proximidade com  
termos centrais da teoria jurídica. Claro que o autor está criticando o modo pelo qual  
tais categorias funcionam na teoria do Direito; ele também está trazendo uma crítica à  
própria teoria do Direito e ao Direito mesmo (Cf. SARTORI, 2015). Porém, ao atribuir  
a Marx certa centralidade da crítica ao sujeito de direito, talvez o autor eclipse alguns  
elementos essenciais da correlação entre a categoria pessoa, o processo de produção  
capitalista, o “sujeito automático” do capital e a reificação. Na esteira de Rubin (1987),  
Pachukanis considera esses fenômenos. Porém, a centralidade da categoria sujeito de  
direito, bem como a atribuição a Marx dessa centralidade, deixa parte substancial da  
análise marxiana presente em O capital oculta (Cf. SARTORI, 2019a). Ali, o autor  
alemão fala da relação jurídica. Ele trata da vontade comum das pessoas na compra e  
venda na medida em que há reconhecimento das pessoas como proprietárias: “apenas  
mediante um ato de vontade comum a ambos, se aproprie da mercadoria alheia  
enquanto aliena a própria. Eles devem, portanto, reconhecer-se reciprocamente como  
proprietários privados” (MARX, 1996a, p. 79). Porém, Marx não menciona a categoria  
sujeito de direito (Cf. SARTORI, 2019a).  
Dizemos isso porque a teorização sobre a forma jurídica em Pachukanis tem  
por central justamente a categoria sujeito de direito: ele fala sobre “a crítica de Marx  
do sujeito de direito, que deriva imediatamente da análise da forma-mercadoria”  
(PACHUKANIS, 2017, p. 61). E é preciso destacar: esse caráter imediato, bem como a  
ligação direta entre sujeito de direito e forma-mercadoria precisa, no mínimo, ser  
questionada. Mesmo pachukanianos inteligentes como Casalino (2019) acreditam ser  
necessário complementar tal análise do autor sobre o sujeito de direito. Ou seja,  
estamos diante de um ponto em que o consenso que parece pairar na crítica marxista  
ao Direito brasileira precisa ser colocado em xeque para que se possa avançar.  
3 Para o autor soviético, “não se pode objetar à teoria geral do Direito, como a concebemos, que esta  
disciplina trate unicamente de definições formais, convencionais e de construções artificias. Ninguém  
duvida de que a economia política estuda uma realidade efetivamente concreta, ainda que Marx tenha  
chamado a atenção a fatos como o Valor, o Capital, o Lucro, a Renda, etc. não podem ser descobertos  
‘com ajuda de microscópios e da análise química’. A teoria do Direito opera com abstrações que não  
são menos ‘artificiais’: a ‘relação jurídica’ ou o sujeito de direito’ não podem igualmente ser descobertos  
pelos métodos de investigação das ciências naturais, embora por detrás destas abstrações escondam-  
se forças sociais extremamente reais” (PACHUKANIS, 1988, pp. 23-24). Para a correlação, em  
Pachukanis, entre teoria do Direito e marxismo, Cf. SARTORI, 2015. Para essa ligação em Marx, Cf.  
SARTORI, 2017.  
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nova fase  
 
Vitor Bartoletti Sartori  
Continuemos.  
Para o autor soviético, “o vínculo social da produção apresenta-se,  
simultaneamente, sob duas formas absurdas: como valor de mercadoria e como  
capacidade do homem de ser sujeito de direito” (PACHUKANIS, 2017, p. 121). Ou seja,  
o Direito, bem como a categoria sujeito de direito, seriam, no limite, essencial para a  
própria crítica da economia política de Marx. Tal posicionamento tem um aspecto  
dúplice, que precisa ser visto com calma: de um lado, mostra que, de modo algum,  
Pachukanis é um circulacionista, como querem alguns autores como Poulantzas  
(2000). Assim, fica claro que, por mais que o autor enfoque, e tome como essencial a  
esfera da troca, ele remete à produção.4 Trata-se, inclusive, de alguém que, tal qual  
Isaac Rubin (1987), é bastante atento para a necessidade da crítica do valor. Ou seja,  
o autor de Teoria geral do Direito e o marxismo coloca-se a tratar de algo essencial à  
crítica marxiana da economia política entendida com rigor. Por outro lado, o que se vê  
é que da crítica ao valor deriva-se quase que imediatamente a crítica ao sujeito de  
direito, que é, por sua vez, trazido ao centro da conceituação pachukaniana sobre a  
forma jurídica como tal.  
Nesse sentido específico, acreditamos poder dizer que tal ênfase é uma  
inovação do autor soviético (Cf. SARTORI, 2015). E, o que pretendemos demonstrar é  
que algo muito similar se dá quando Pachukanis fala da “forma jurídica como tal”. Para  
passa continuamente de uma forma  
Marx, no modo de produção capitalista, o valor “  
para outra, sem perder-se nesse movimento, e assim se transforma num sujeito  
automático” (MARX, 1996a, p. 273). Ou seja, a referência marxiana ao sujeito em O  
capital está noutro campo que o destacado pelo autor de Teoria geral do Direito e o  
marxismo.5 Os meandros do valor passam não só pela relação entre mercadoria e  
Direito, mas pelas formas econômicas e pelas metamorfoses dessas formas, como  
mercadoria, dinheiro e capital. Ao tratar do valor, e das metamorfoses das formas  
econômicas, não há uma relação imediata com o Direito; o essencial aqui é o papel do  
valor e das metamorfoses das formas econômicas. E é em meio a tal análise que Marx  
fala da relação e das formas jurídicas.  
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Naves destaca esse aspecto, utilizando a categoria althusseriana de sobredeterminação. (Cf. NAVES,  
2000)  
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Aqui não trataremos do tema com cuidado, mas há menções de Marx à categoria sujeito nos  
Grundrisse, obra não analisada pelo autor de Teoria geral do Direito e o marxismo, publicada  
posteriormente. Também nesse caso a categoria se desenvolve modo distinto do que em Pachukanis.  
(Cf. SARTORI, 2020a)  
Verinotio  
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ISSN 1981 - 061X v. 29, n. 1, pp. 01-63 jan.-jun., 2024  
nova fase  
   
Sobre as formas e figuras econômicas diante das formas jurídicas em Marx  
Com isso, a conceituação pachukaniana da forma jurídica em geral,  
supostamente presente já em Marx, fica extremamente dependente da centralidade do  
sujeito de direito em O capital. Seria necessário que a categoria de pessoa, que Marx  
utiliza em O capital, ou que a categoria de sujeito, que o autor traz nos Grundrisse,  
bem como em sua obra magna, correspondessem imediatamente à categoria jurídica  
de sujeito de direito. A questão, no entanto, como estamos mostrando, é passível de  
discussão (Cf. SARTORI, 2019a, 2020). Para os fins do presente escrito, basta a nós  
explicitar que fica claro, primeiramente, que o percurso da crítica da economia política  
à crítica ao Direito é mais mediado em Marx do que parece a Pachukanis. Também se  
pode afirmar que, para que a teorização sobre uma forma jurídica como tal, ou geral,  
seja possível, é central que Marx tenha por essencial o contrato, o sujeito de Direito e  
a troca na caracterização do Direito.  
passa continuamente de uma  
Marx diz em O capital, como vimos, que o valor “  
forma para outra, sem perder-se nesse movimento, e assim se transforma num sujeito  
automático” (MARX, 1996a, p. 273). Ou seja, em meio à produção capitalista, a  
metamorfose das formas econômicas se dá com a autovalorização do valor impondo-  
se.  
Isso vale para o processo capitalista compreendido como um todo. Na troca, no  
entanto, não é tanto o valor ou o valor de troca que domina as pessoas de imediato.  
Como diz Marx ao criticar Wagner:  
“sr. Wagner também esquece que nem ‘o valornem  
o valor de troca’ são para mim os sujeitos, mas sim a mercadoria” (MARX, 2017, p.  
255). Ou seja, já que a vontade das pessoas reside nas mercadorias e já que os homens  
são dominados pelas coisas em meio ao processo de circulação, o sujeito aqui não é  
tanto a pessoa, mas a mercadoria. O autor de O capital, portanto, traz a categoria  
sujeito à tona. Porém, isso não ocorre ao se valorizar o aspecto jurídico da relação,  
mas ao tratar da maneira pela qual há uma inversão entre pessoas e coisas no processo  
capitalista. E mais: dependendo da esfera que se trata, aquilo que aparece como sujeito  
é distinto. E, assim, de modo algum é possível trazer uma centralidade da categoria  
sujeito de direito.  
Nesse sentido específico, somos obrigados a discordar de autores como  
Vinicius Casalino, que, ao tratar de O capital de Marx, pretende trazer mais dimensões  
ainda para o sujeito de direito. Para o autor paulista, no limite, o próprio capital  
apareceria como sujeito de direito em determinado momento (Cf. CASALINO, 2019).  
Continuemos.  
Verinotio  
ISSN 1981 - 061X v. 29 n. 1, pp. 01-63 jan.-jun., 2024 | 9  
nova fase  
Vitor Bartoletti Sartori  
Nos Grundrisse, o autor alemão fala, no contexto da troca, das “pessoas cuja  
vontade impregna suas mercadorias” e logo depois menciona que “aqui entra de  
imediato o momento jurídico da pessoa e da liberdade” (MARX, 2011, p. 296). E,  
assim, ele traz à tona elementos que também foram importantes no capítulo II de O  
capital e que foram tomados por base para a concepção pachukaniana de forma  
jurídica e de sujeito de direito (Cf. PACHUKANIS, 2017). E mais: ao tratar da troca e  
da propriedade, diz Marx que  
“pelo próprio ato da troca, o indivíduo, cada um dos  
indivíduos, está refletido em si mesmo como sujeito exclusivo e dominante  
(determinante) do ato da troca” (MARX, 2011, p. 297). Desse modo, a remissão à  
categoria pessoa é acompanhada da referência ao sujeito. Nos Grundisse, obra cujo  
prefácio de 1857 Pachukanis conhecia, parece haver de imediato proximidade da  
análise marxiana com a pachukaniana. Um olhar rápido manifesta uma proximidade  
grande entre o texto que o autor de Teoria geral do Direito e o marxismo não pode  
conhecer (pois ainda não havia sido publicado) e a sua abordagem.  
Porém, se olharmos com cuidado, notamos que o essencial nas citações acima  
não está em qualquer relação direta com a categoria sujeito de direito. O primeiro  
aspecto a ser deixado claro é que não há uma equivalência entre a categoria pessoa e  
a categoria sujeito de direito. Mesmo que fosse verdade que o momento jurídico da  
pessoa e da liberdade fossem equivalentes ao sujeito de direito, há de se notar que  
existem outros momentos que o jurídico que permeiam a pessoa (Cf. SARTORI, 2020a).  
Ou seja, não se pode, em hipótese alguma, trazer uma relação imediata e direta entre  
a forma-mercadoria e aquilo que Pachukanis chama de forma jurídica como tal. E mais:  
nos próprios Grundrisse, Marx traz a categoria sujeito; e isso se dá noutro contexto  
que o tematizado e destacado pela tradição pachuakaniana brasileira (Cf. KASHIURA,  
2014).  
Ao falar da relação das pessoas com as mercadorias, Marx explicita como que  
há uma subordinação das primeiras às últimas. As coisas no caso, as mercadorias,  
que se colocam como tais em meio a determinadas relações sociais de produção –  
dominam os homens. Para que se utilize a dicção das Notas sobre Wagner