DOI 10.36638/1981-061X.2024.29.2.733  
Os 180 anos dos Manuscritos de 1844 de Marx:  
Materialismo, subjetividade e o debate com Hegel*  
180 Years of Marx’s 1844 Manuscripts: Materialism,  
subjectivity and the debate with Hegel  
Maurício Vieira Martins**  
Resumo: Em 2024, comemoram-se os 180 anos  
da redação dos Manuscritos econômico-  
filosóficos de 1844 de Marx. Diferentemente da  
escola althusseriana, a hipótese do presente  
artigo é que os Manuscritos - mesmo com seus  
limites apresentam vetores que elucidam certos  
traços filosóficos do pensamento de Marx. Com  
este intuito, foram destacados três aspectos do  
texto: a tomada de posição materialista por parte  
de Marx (que envolve uma crítica de fundo ao  
pensamento religioso); no âmbito desta posição,  
Abstract: This article revisits Marx’s Economic  
and Philosophic Manuscripts of 1844, marking  
its 180 years. Contrary to Althusserian  
interpretations, the article argues that the  
Manuscripts - despite their limitations present  
valuable  
insights  
that  
clarify  
certain  
philosophical traits of Marx's thought. With this  
aim, three key themes have been explored:  
Marx's adoption of a materialist position (which  
involves a fundamental critique of religious  
thought); within this position, the emergence of  
a subjectivity that is uniquely human (which  
a
emergência  
de  
uma  
subjetividade  
propriamente  
humana  
(que supera  
progressively  
surpasses  
its  
natural  
progressivamente sua determinação natural). E o  
debate com a filosofia de Hegel, debate  
necessário tendo em vista o surgimento de uma  
bibliografia contemporânea que parece não ter  
compreendido adequadamente a distância entre  
os dois pensadores. O artigo se encerra  
localizando em O capital algumas marcas (por  
certo complexificadas) da investigação realizada  
nos Manuscritos de 1844.  
determination); and the debate with Hegel's  
philosophy, arguing that a renewed debate is  
crucial in light of contemporary interpretations  
that seem not to have sufficiently understood  
the distance between the two thinkers. The  
article concludes by locating in Marx’s Capital  
echoes (certainly complexified) of the  
investigation presented in the Manuscripts of  
1844.  
Palavras-chave: Marx; Manuscritos econômico-  
filosóficos de 1844; materialismo; subjetividade;  
Hegel.  
Keywords:  
Economic  
and  
philosophic  
manuscripts of 1844; Marx; materialism;  
subjectivity; Hegel.  
Em 1806, Ludwig van Beethoven concluiu a composição dos três quartetos de  
cordas do opus 59 de sua obra, que ficaram conhecidos como os quartetos  
Razumovsky. Seus estudiosos relatam que os músicos profissionais encarregados da  
primeira execução destas peças tiveram grande dificuldade na apreensão de sua  
*
Este artigo absorve e atualiza a reflexão desenvolvida pelo autor no capítulo 6 de seu livro Marx,  
Espinosa e Darwin: pensadores da imanência (MARTINS, 2017). Contudo, a seção inicial, a final, bem  
como a dedicada a Hegel do presente artigo são inteiramente novas. As demais passaram por um  
processo de atualização e revisão.  
**  
Doutor em Filosofia. Professor aposentado do Instituto de Ciências Humanas e Filosofia da  
Universidade Federal Fluminense. Membro em atividade do Niep-Marx/UFF.  
Verinotio  
ISSN 1981 - 061X v. 29 n. 2 jul.-dez., 2024  
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Os 180 anos dos Manuscritos de 1844 de Marx  
sonoridade: conversando entre si, supunham inicialmente que, ao invés de tratar-se da  
realização da encomenda comissionada pelo conde Andreas Razumovsky ao  
compositor, estavam apenas diante de um jogo musical aleatório feito por ele (o que  
aliás provocou uma das conhecidas explosões de raiva de Beethoven)1. Contudo, no  
nosso século XXI, os quartetos Razumovski ocupam um lugar privilegiado entre os  
píncaros da produção musical do Ocidente: marcam uma revolução sobre a estrutura  
clássica dos quartetos de cordas, elaborada por músicos da estatura de Haydn e  
Mozart2.  
Pouco menos de 40 anos depois do episódio envolvendo Beethoven e a  
execução de seus quartetos, Marx redigiu o texto que veio a ser conhecido como os  
Manuscritos econômico-filosóficos de 1844 (doravante referido apenas como  
Manuscritos de 44). Aqui, pouco importa saber se Marx tinha ou não conhecimento do  
referido episódio: interessa é frisar que nos Manuscritos de 44 encontram-se vários  
elementos para o que se costuma hoje nomear como uma teoria da subjetividade. Com  
efeito, é ali que podemos ler que “A formação dos cinco sentidos é um trabalho de  
toda a história do mundo até aqui.” Razão pela qual, prossegue o texto, “para o ouvido  
não musical a mais bela música não tem nenhum sentido” (MARX, 2004, p. 110). As  
considerações de Marx procuram colocar em evidência que, uma vez constituído, o  
aparato sensorial humano (“ver, ouvir, cheirar, degustar, sentir, pensar, intuir, perceber,  
querer, ser ativo, amar”, nos termos do texto [MARX, 2004, p. 108]) intervém  
ininterruptamente sobre a realidade. Contra os que enxergavam neste aparato apenas  
um legado da natureza (sem dúvida sua base incontornável), Marx evidencia o sentido  
ativo que está nele presente, decerto em profunda interação com um mundo objetivo  
progressivamente alterado. Destarte, se levarmos em conta que por volta de 1806 a  
surdez de Beethoven já avançava e motivava grande angústia no compositor,  
precisaremos concordar com Marx que, mais do que fazer apenas uma reprodução do  
mundo circundante, nossos sentidos dispõem também de uma atividade própria,  
remanejam material adquirido previamente na história dos sujeitos: não apenas  
reproduzem a realidade, mas criam sobre ela.  
1 O relato mais minudente deste episódio pode ser encontrado em: GREENBERG, Robert. Music History  
Monday: M’Lord Falstaff. 2020. Disponível em: <https://robertgreenbergmusic.com/music-history-  
monday-mlord-falstaff/>.  
2 Vale dizer que a execução dos quartetos de cordas mais tardios de Beethoven, compostos em 1825  
e 1826 (também conhecidos como os quartetos Galitzin), é ainda mais complexa, demandando grande  
concentração de seus músicos e ouvintes. Neles, o compositor prossegue em sua exploração dos confins  
de uma subjetividade musical.  
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Por uma dessas injunções curiosas que por vezes ocorrem na história do  
pensamento, esse texto em que Marx desenvolve uma concepção da subjetividade  
humana é também onde ele afirma o primado da objetividade que não deve ser  
confundido como um objetivismo, conforme veremos adiante , entendido como o  
primado das condições objetivas, que antecedem e moldam nossa entrada nas relações  
mundanas. Cabe então investigar mais de perto o denso entrelaçado entre categorias  
objetivas e subjetivas que os Manuscritos de 1844 apresentam. No nosso 2024,  
completados 180 anos da escrita do texto, vale revisitá-lo, num esforço de evidenciar  
suas aquisições mas, adiantemos desde já, também os seus limites.  
Quem conhece o debate marxista sabe que esta retomada dos Manuscritos de  
44 não é uma tarefa fácil: desde sua publicação tardia ocorrida apenas em 1932,  
anos após a morte de Marx o texto provocou os mais ásperos debates entre seus  
leitores. De início, eles foram saudados como uma reflexão que mostrava um Marx bem  
diferente daquele já conhecido, pois mais preocupado com questões fortemente  
filosóficas e humanistas. Pensemos em Herbert Marcuse, que já num ensaio da década  
de 1930 elogiou o texto de modo superlativo, por conseguido colocar “toda a teoria  
do ‘socialismo científico’ numa nova base” (MARCUSE, 1972, p. 3).  
Mas ao longo do século XX esta avaliação positiva foi se transformando, sendo  
o exemplo mais famoso desta mudança o juízo emitido por L. Althusser e pelos  
intelectuais reunidos ao seu redor. Para eles, os Manuscritos de 44 padeciam de males  
irremediáveis: texto pré-científico, comprometido com um humanismo burguês, a ser  
definitivamente superado na maturidade de Marx (ALTHUSSER, 2005, pp. 220-41).  
Entretanto, note-se que o próprio Althusser, a rigor, nem sempre observou suas teses  
referentes à periodização da história da ciência quando analisou a obra de outros  
autores. Apenas como exemplo, o filósofo francês valorizava positivamente o  
pensamento de Espinosa que viveu no século XVII , o que em termos estritos  
contradizia as afirmações dos textos althusserianos referentes à instauração de uma  
racionalidade propriamente científica apenas em meados do século XIX (sendo a  
produção anterior condenada em bloco como pré-científica e ideológica). Restaria  
indagar-nos por que razão Althusser não lançou mão desta concepção mais matizada  
do pensamento a que nos parece mais interessante ao analisar os textos do jovem  
Marx.  
No presente artigo, a opção adotada foi a de pesquisar a vertente mais  
produtiva dos Manuscritos de 44. Seus limites serão devidamente mencionados, mas  
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a hipótese adotada foi a de que o texto apresenta um excesso de significação,  
propriedade de uma obra densa, que apresenta uma estratificação categorial em seu  
interior, sendo possível uma apropriação e um trabalho sobre algumas de suas  
categorias, mesmo não endossando sua totalidade. A ênfase aqui recairá em três  
tópicos distintos, mas a nosso ver interligados: a tomada de posição materialista por  
parte de Marx (que envolve uma crítica explícita ao pensamento religioso); no âmbito  
desta tomada, a constituição de uma subjetividade propriamente humana (que supera  
progressivamente sua determinação natural) e, finalmente, o debate com aspectos da  
filosofia de Hegel, tendo em vista tanto a posição materialista como a formação da  
subjetividade.  
Ao final do artigo, serão apresentadas algumas marcas dos Manuscritos de  
1844 nos textos da maturidade de Marx. O intuito será demonstrar que a reflexão de  
sua juventude embora não só enriquecida como alterada ao longo da vida do autor  
conseguiu deixar traços visíveis também na economia política marxiana.  
A crítica ao pensamento religioso  
Tendo em vista estes objetivos, iniciemos abordando brevemente um texto  
anterior aos Manuscritos de 44, a Introduçãoà Crítica da filosofia do direito de Hegel,  
de 1843. Nela, Marx escreve que “a crítica da religião é o pressuposto de toda crítica”  
(MARX, 1977, p. 1). Afirmação forte, que deve ser assumida em toda sua extensão: o  
pensamento religioso é o principal obstáculo a uma tomada de posição materialista,  
tendo em vista sua afirmação da existência de um Deus, que criou o homem à sua  
imagem e semelhança, com as várias consequências teóricas e práticas que um  
pressuposto desta ordem acarreta.  
O texto prossegue registrando os avanços então obtidos pela crítica da religião  
(que havia encontrado na Alemanha da época um representante de destaque em L.  
Feuerbach):  
O homem, que na realidade fantástica do céu, onde procurava um  
super-homem, encontrou apenas o reflexo de si mesmojá não estará  
inclinado a encontrar somente a aparência de si mesmo, o não-  
homem, onde procura e deve procurar a sua verdadeira realidade.  
(MARX, 1977, p. 1)  
Seguindo rota oposta a do senso comum, Marx sustenta que o super-homem  
afirmado pela religião é na verdade o reflexo ampliado de características humanas. Tal  
é o procedimento antropomórfico recorrente no pensamento religioso, que atribui uma  
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forma humana reconhecível àquilo que na verdade desconhece e provoca temor na  
vida cotidiana. O resultado final desta projeção antropomórfica será a afirmação de um  
Deus que habita nos céus, e que passa a governar imaginariamente a vida humana. O  
texto marxiano de 1843 impressionou seus leitores ao formular a religião como “o  
ópio do povo”, imagem sem dúvida forte, apontando para o anestesiamento  
provocado por ela diante de uma realidade hostil e difícil de ser suportada3. Menos  
comentada, porém, é a referência do texto ao “espírito da situação sem espírito”  
(MARX, 1977, p. 2) [der Geist geistloser Zustände], metáfora particularmente nítida ao  
designar a contraditoriedade complementar existente entre o mundo real e uma  
religião agora esvaziada de sentido.  
Marx lembra também que o homem4 não é um ser abstrato, na verdade ele é  
“o mundo dos homens”. Tal qualificação é decisiva: ela indica o distanciamento de uma  
concepção atemporal de essência humana, direcionando a análise para as  
características do mundo terreno responsáveis pelas projeções antropomórficas  
cotidianas. A “crítica do céu” deve se transformar em “crítica da terra” (MARX, 1977,  
p. 2), crítica do direito e da política; será preciso então ultrapassar o recinto do  
discurso religioso para buscar o solo mundano onde ele lança raízes. Não por acaso,  
a sequência da Introduçãopassa a fazer uma análise ainda que com os limites  
conceituais deste texto da juventude de Marx das diferentes classes e frações de  
classe existentes na Alemanha naquele momento.  
Já estas breves indicações evidenciam que a investigação de Marx, mesmo em  
1843, apesar de iniciar-se invocando algumas aquisições da crítica religiosa  
feuerbachiana, finda por apontar para um rumo algo distinto daquele trilhado por  
Feuerbach (pensador que lhe permitiu, num momento inicial de sua formação, formular  
3
Mas Marx certamente não foi o primeiro a associar a religião a um anestésico opiáceo. Dentre os  
pesquisadores que rastrearam os antecedentes desta associação, Michael Löwy aponta para os textos  
de, pelo menos, Heinrich Heine, Moses Hess e Ludwig Feuerbach (LÖWY, 2007, pp. 299-300).  
4 Acompanhando a terminologia marxiana de 1843-1844, a expressão o homem é usada aqui sem uma  
qualificação mais explícita. Já em A ideologia alemã, no âmbito da polêmica com Feuerbach, podemos  
ler: “ele [Feuerbach] diz ‘o homem’ em vez de os ‘homens históricos reais’” (MARX; ENGELS, 2007, p.  
30). Trata-se de um claro esforço para melhor circunscrever uma singularidade histórica: a generalidade  
‘o homem’ foi questionada, rumo às suas determinações temporais e sociais. Por outro lado, é uma  
conquista inegável do movimento feminista reivindicar, com toda a justiça, uma maior precisão dessa  
designação, convocando-nos a invocar homens e mulheres históricos e reais (bem como aqueles que  
não se reconhecem numa sexualidade binária). Se neste artigo a terminologia de Marx foi mantida, tal  
ocorreu pela razão evidente de que não nos cabia modificar a escrita de um texto produzido num outro  
momento histórico. Dito isso, talvez não seja excessivo lembrar que Eleanor Marx, filha de Marx, foi uma  
das muitas intelectuais e ativistas que aliaram produtivamente marxismo e feminismo (ao invés de vê-  
los como conflitantes).  
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uma primeira crítica a Hegel). Sintetizando um longo trajeto, é correto afirmar que,  
embora mantendo o núcleo mais produtivo da categoria feuerbachiana do  
estranhamento religioso duplicação do homem numa projeção antropomórfica, Deus,  
que passa a dominá-lo , Marx progressivamente se afasta do naturalismo de  
Feuerbach, que concebe o homem demasiadamente imerso em sua fundação natural.  
É o que nos dirá, em 1845, a I Tese ad Feuerbach: “o principal defeito de todo o  
materialismo é que “o objeto [Gegenstand], a realidade, o sensível, só é apreendido  
sob a forma do objeto [Objekt] ou da contemplação, mas não como atividade humana  
sensível, como prática; não subjetivamente”5. Em outras palavras, Marx nos convida a  
captar a dimensão ativa e subjetiva que existe no objeto, por mais que isso contrarie  
a imagem vulgarizada que posteriormente se formou de seu pensamento.  
Nos Manuscritos de 44, a necessidade da crítica religiosa é retomada. Momento  
relevante da argumentação é quando o texto se indaga pelas razões da prolongada  
permanência das representações religiosas em boa parte da população. Sua resposta  
aponta para a alienação mundana em que ela está mergulhada: “Um homem que vive  
dos favores de outro se considera como um ser dependente” (MARX, 2004, p. 113).  
O pano de fundo onde o discurso religioso exerce seu apelo encontra-se entrelaçado  
com as relações de trabalho do cotidiano, marcadas pelo estranhamento e pela  
hostilidade. Dito de outro modo: o estranhamento religioso encontra raízes no  
estranhamento vigente na própria sociedade civil.  
A criação é, portanto, uma representação [Vorstellung] muito difícil de  
ser eliminada da consciência do povo. O ser-por-si-mesmo  
[Durchsichselbstsein] da natureza e do homem é inconcebível para ele  
porque contradiz todas as palpabilidades da vida prática. (MARX,  
2004, p. 113)  
As palpabilidades da vida prática, longe de oferecerem uma experiência de  
autonomia para homens e mulheres, são o retrato vivo de uma heteronomia: perda do  
sentido de autoria da própria vida, que surge como um joguete movido por forças  
impessoais. Nesta última citação, Marx defende o ser-por-si-mesmo da natureza e do  
homem; uma concepção não intuitiva da realidade, que a enxerga em sua imanência  
própria. Este ser-por-si-mesmo envolve uma ruptura com a doutrina da criação  
5
As Teses ad Feuerbach marcam uma mudança na postura de Marx diante de Feuerbach, autor  
explicitamente criticado nelas. Pois antes disso, em sua maior parte, as referências ao autor de A  
essência do cristianismo eram elogiosas. Contudo, a pesquisa textual nos escritos marxianos mesmo de  
1843 e 1844 já evidencia núcleos temáticos no mínimo ausentes em Feuerbach. (MARX; ENGELS, 2007,  
p. 533)  
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religiosa, que mesmo um pensador da estatura de Hegel como veremos mais adiante  
abraçava sem hesitação. Para se contrapor a esta doutrina criacionista, o passo  
seguinte do texto invoca uma categoria oriunda das ciências da vida da época, que é  
hoje manifestamente equivocada, a generatio aequivoca: “A generatio aequivoca  
[geração espontânea] é a única refutação prática da teoria da criação.” (MARX, 2004,  
p. 113)  
Conforme é sabido, a geração espontânea supunha ser possível o surgimento  
de seres orgânicos a partir de inorgânicos. Foram apenas os experimentos de Louis  
Pasteur, num momento mais avançado do século XIX, que conseguiram infirmar a  
aceitação desta hipótese. Para quem se indaga sobre o motivo da invocação, por parte  
de Marx, de uma categoria da biologia, há que se ter em conta que, mesmo com seus  
equívocos, a geração espontânea era uma resposta disponível na época para aqueles  
que se opunham ao criacionismo religioso. Na década de 1840, embora alguns  
precursores proeminentes como Lamarck e Geoffroy Saint Hilaire já houvessem  
fornecido indicações preciosas, ainda não estava disponível a teoria da evolução das  
espécies publicada por Darwin em 1859 (e recepcionada positivamente, de um modo  
geral, por Marx6). Esta lacuna do conhecimento da década de 1840 gerava uma  
situação difícil para todos aqueles que detectavam os flagrantes equívocos da doutrina  
criacionista: a dificuldade em apresentar uma teoria afirmativa, que contrastasse os  
postulados religiosos do criacionismo. Sintomaticamente, em seus Manuscritos de 44,  
embora invoque a geração espontânea para contrapor-se à teologia, Marx na  
sequência do texto se interdita o prosseguimento de uma pesquisa sobre a origem do  
homem, afirmando que a própria pergunta é “um produto da abstração” (MARX, 2004,  
p. 114). Foi apenas em 1859, com a publicação darwiniana de A origem das espécies  
e, mais ainda, em 1871, com A descendência do homem que o milenar criacionismo  
teve sua ontologia religiosa consistentemente demolida em bases científicas.  
Feito este percurso, seria possível concluir que hoje, no nosso século XXI, falar  
na imanência da espécie humana ao cosmos seria apenas uma trivial obviedade para  
os pesquisadores e pesquisadoras com uma formação materialista? A resposta é  
negativa, e os exemplos são vários. Dentre os mais famosos, podemos citar o teólogo  
Roland Boer, vencedor do Deutscher Prize de 2014 (considerado o mais importante  
6
Abordei o tema da recepção de Marx da teoria darwiniana seu elogio a ela, mas também suas  
restrições em meu livro Marx, Espinosa e Darwin: pensadores da imanência (MARTINS, 2017, pp. 243-  
58).  
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Os 180 anos dos Manuscritos de 1844 de Marx  
prêmio na área teoria marxista), que em seus livros busca aproximar o marxismo da  
teologia (BOER, 2013). Mereceria um comentário à parte o fato do júri do Deutscher  
Prize optar por premiar, dentre a volumosa bibliografia marxista produzida  
internacionalmente a cada ano, precisamente a obra de um teólogo. Já na América  
Latina, temos nomes como o de Enrique Dussel, uma das referências da Teologia da  
Libertação (DUSSEL, 1999), e filósofo com várias obras publicadas também sobre  
Marx. Entretanto, apenas estas considerações iniciais do presente artigo já evidenciam  
que tal aproximação do marxismo com a teologia é francamente equivocada: ela não  
encontra amparo nos textos do próprio Marx. Ultrapassando o contexto histórico  
alemão em que foi produzida, a crítica marxiana à religião tem uma espessura filosófica  
incontornável: há questões ontológicas de fundo na afirmação marxiana da  
antecedência do ser material sobre as categorias ideais. É uma incompreensão do seu  
pensamento promover um amálgama entre filosofia e teologia que os textos de Marx  
explicitamente recusam.  
A tomada de posição materialista  
Estabelecida a distância de Marx em face da concepção religiosa, cabe abordar  
de modo mais explícito no que consiste sua posição materialista. Como já mencionado  
anteriormente, os Manuscritos de 44 texto que desenvolve elementos fecundos para  
uma antropologia e para uma teoria da subjetividade é também onde se afirma o  
primado da objetividade, conjunto de circunstâncias que nos antecedem e que  
determinam um espaço para a ação subjetiva. Este ponto historicamente deu margem  
a vários mal entendidos. De imediato, cabe esclarecer que tal primado em nada se  
assemelha a objetivismo, no pior sentido da categoria, aquele esvazia as capacidades  
humanas, transformando os sujeitos em receptáculos passivos de determinações  
oriundas de uma exterioridade monolítica. Nada mais distante do intento de Marx. Na  
verdade, a antropologia marxiana sua concepção peculiar do humano inscreve-se  
numa perspectiva mais geral que merece ser aqui previamente explicitada: o  
aprofundamento do estudo dos Manuscritos evidencia que é mesmo uma ontologia que  
está sendo ali afirmada. Em vários momentos do texto, o leitor se depara com  
proposições formuladas num nível alto de abstração e generalidade, proposições que  
têm a pretensão de referir-se não apenas ao ente humano, mas ao ser em geral7.  
7
O leitor observará que estamos nos referindo aos conceitos de ser e ente como denominações  
alternativas, a serem especificadas de acordo com o contexto em que são utilizadas. No século XX, é  
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Não sendo nosso intento enveredar pela ontologia marxiana tarefa que  
demandaria um inteiro livro forneceremos sobre ela algumas indicações que balizam  
um campo de debate. Foi György Lukács quem apontou para uma passagem de fun-  
damental importância a este respeito, aquela em que Marx afirma que um ser não-  
objetivo é um não-ser(LUKÁCS, 2012, p. 303). Antes de examinarmos a passagem no  
interior do próprio texto marxiano, sublinhemos que ela é desconcertante quando se  
tem em conta que boa parte da tradição filosófica anterior operava no sentido oposto de  
desvencilhar o ser do domínio da objetividade. Para tal tradição não seria o mundo  
objetivo, sensorial, o local mais apropriado para se perquirir as características do ser:  
aparência fugaz, domínio do mutável e do contingente, a sensorialidade deveria ser  
ultrapassada pela interpretação filosófica. Só através de uma elaboração que  
intencionalmente se punha como finalidade superar aquilo que o mundo objetivo nos  
apresenta é que seria possível ascender à região mais elevada do ser; eis a tarefa  
primordial da metafisica, essa modalidade de especulação que em sua própria etimologia  
traz as marcas de uma preocupação em ultrapassar a physis.  
Entretanto, nos diz Marx, “Um ser não-objetivo é um não-ser”8 (MARX, 2004, p.  
127), enunciado que afirma com decisão a firme tessitura em que todos os entes estão  
intimamente entrelaçados. Os exemplos desta tessitura são os mais abrangentes, como  
se pode ver a seguir: “O sol é o objeto da planta, um objeto para ela imprescindível,  
confirmador de sua vida, assim como a planta é objeto do sol, enquanto externação  
da força evocadora de vida do sol, da força essencial objetiva do sol.(MARX, 2004,  
p. 127)  
Sol e planta, homem e natureza; os seres estão imersos numa tessitura movente.  
Contra aqueles que enxergam na realidade apenas uma pulverização, uma fragmentação  
aleatória, Marx aponta para as relações fundantes em que os múltiplos seres estão  
postos. Daí a ênfase que o texto atribui a ter objetos fora de si mesmo e ser “objeto para  
um terceiro” como condições basilares para a emergência de qualquer ser. É uma trama  
de relações ontológicas que vai se tornando visível para quem se dispõe a investigar as  
conexões de alteridade nas quais se entrelaça um ente. Este é o pano de fundo em que  
bem conhecida a crítica de M. Heidegger à equiparação dos dois conceitos, que segundo ele  
caracterizaria um esquecimento do ser. Por sua vez, G. Lukács polemiza explicitamente com o que  
pareceu-lhe ser uma partição categorial excludente entre ser e ente feita por Heidegger: o filósofo  
húngaro sustenta que há trânsito, interpenetração, entre os entes e o ser mais geral que os constitui  
(LUKÁCS, 2012, pp. 82-100).  
8 “Ein ungegenständliches Wesen ist ein Unwesen” (MARX, 1968, p. 578).  
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se desenha a crítica àqueles que acreditam ser possível a vigência de um ser não objetivo:  
Um ser que não tenha sua natureza fora de si não é nenhum ser  
natural, não toma parte na essência da natureza. Um ser que não tenha  
nenhum objeto fora de si não é nenhum ser objetivo. Um ser que não  
seja ele mesmo objeto para um terceiro ser não tem nenhum ser para  
seu objeto, isto é, não se comporta objetivamente, seu ser não é  
nenhum [ser] objetivo. Um ser não-objetivo é um não-ser. [...] Mas um  
ser não objetivo é um ser não efetivo, não sensível, apenas pensado,  
isto é, apenas imaginado, um ser da abstração. (MARX, 2004, pp.  
127-8)  
Quando se desconhece tais considerações, quando implicitamente se acredita,  
por exemplo, que os sucessivos processos de abstração levados a cabo pelo  
pensamento podem engendrar entes reais, incorre-se numa metafísica que confunde a  
atividade do pensamento com a gênese do mundo real. Como se pode observar na  
última passagem citada, neste momento de sua obra Marx alimenta uma desconfiança  
em relação aos seres não-sensíveis, nomeando-os em contexto algo pejorativo como ser  
da abstração. Isso faz pensar que estamos diante de uma ontologia que associa o  
domínio da objetividade ao da sensorialidade9; um ser objetivo é também um ser  
sensorial, que manifesta sua presença no mundo real.  
Poderíamos acusar esta concepção de estar ainda sob a influência de Feuerbach,  
tendo em vista que ela acaba por tacitamente equiparar os seres não-sensíveis ao status  
de não-seres. Mais do que isso: poderíamos também legitimamente lembrar que o  
próprio Marx, anos mais tarde, vai empreender uma construção teórica que torna visível  
um ente que não tem características sensoriais, o mais-valor, que só pode ser  
determinado mediante um procedimento teórico que, com o auxílio de abstrações,  
compara grandezas heterogêneas. Quando tais questões são levantadas, torna-se  
transparente que existiram aquisições categoriais obtidas por Marx apenas num  
momento mais avançado de seu trajeto, particularmente a partir das décadas de 1850  
e 1860.  
Contudo, neste momento da presente exposição, talvez seja mais produtivo  
examinar o conteúdo polêmico existente na formulação de 1844. É um certo conceito  
de essência [wesen10] que Marx está interessado em questionar. Pois aquela ontologia  
9 A partir da palavra sinn (sentido), Marx compõe vários derivados, como Sinnlichkeit (“sensorialidade”),  
ou ainda “sinnliche, konkrete Tätigkeit” (“atividade sensorial e concreta”). Aqui, a opção foi traduzir  
Sinnlichkeit preferencialmente por “sensorialidade”. Alternativamente, seria possível optar por  
“sensibilidade”, ou “sensualidade”, palavras que carregam na língua portuguesa, contudo, ressonâncias  
algo distintas do debate em tela. Em tempo: as notas 11, 14, 15, 18 e 31 deste artigo também  
explicitam algumas opções de tradução aqui adotadas.  
10  
A depender do contexto filosófico, a palavra alemã wesen admite a tradução por essência, mas  
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que define o ente a partir de sua essência (entendida como coisa sua, determinação  
inalienável, que preexiste à existência) acaba supondo que ele prescinde de relações  
objetivas sensíveis, sustenta-se a si mesmo em sua essência, donde as características de  
perenidade e atemporalidade que lhe eram associadas. E não é apenas o platonismo o  
destinatário desta crítica; mesmo na Alemanha no século XIX era possível identificar  
elaborações teóricas de maior ou menor sofisticação que afirmavam um ser que habita  
apenas no “céu brumoso da fantasia filosófica11, desde o Único de Max Stirner,  
chegando até ao Eu autônomo. Temos então aqui uma primeira indicação de que, já na  
ontologia marxiana, encontram-se prefigurados os traços que repercutirão no  
entendimento do sujeito humano; a ênfase em seu caráter relacional desde a sua gênese,  
a recusa, portanto, em pensá-lo como realidade autocontida.  
Esta crítica a um determinado conceito de essência nos obriga a fazer um  
esclarecimento terminológico, tendo em vista que os Manuscritos de 44 utilizam  
largamente tal categoria: o texto faz alusão às “forças essenciais humanas”, à “essência  
humana”, à “essência humana efetiva” etc. Se, por um lado, este uso cria problemas para  
a afirmação de que ali se veicula uma crítica a uma concepção essencialista do ser, por  
outro lado, é preciso ter em vista que é sempre melhor determinar o sentido de uma  
categoria no interior da argumentação em que ela se insere (ao invés de adotar  
aprioristicamente seu sentido clássico). A este respeito, vale citar a oportuna observação  
de István Mészáros: “Marx rejeitou categoricamente a ideia de uma ‘essência humana’.  
Mas manteve o termo, transformando seu sentido original tornando-o irreconhecível”  
(MÉSZÁROS, 1986, pp. 13-4).  
Isso significa que em Marx a categoria essência (que de fato comparece inúmeras  
vezes nos Manuscritos) tem um sentido bem distinto daquele formulado pela filosofia  
clássica. Pois o que dizer de uma essência que se transforma, ou, em alguns casos, se  
constitui ao longo da história? O que dizer de uma essência que depende  
estruturalmente das relações objetivas em que está posta (o que implica que uma  
modificação de tais relações acarreta uma modificação da própria essência)? O que dizer  
de uma essência que tem sua “natureza fora de si”? E estas são algumas das  
características do ser (ou da essência, como visto anteriormente) que os Manuscritos  
nos apresentam. Não se tratando pois de uma realidade autocontida, o ser se objetiva,  
se exterioriza nas relações que o confirmam.  
também por ser. Este ponto será retomado mais adiante.  
11 Esta formulação é de um texto posterior, o Manifesto comunista (MARX; ENGELS, 2010, p. 63).  
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Entretanto, estas relações não são dadas, de forma alguma, de uma vez por  
todas; elas se transformam ao longo do tempo. Chegamos aqui a uma segunda  
característica nodal da ontologia de 1844: o mundo do ser, o mundo da objetividade,  
é formulado como processo, como fluxo que altera incessantemente sua malha  
constitutiva. É dessa transformação que o basilar conceito de atividade [Tätigkeit] dá  
conta.  
Nunca é demais frisar que a atividade é afirmada como o processo que caracteriza  
o ser vivo: “O que é vida senão atividade” (MARX, 2004, p. 83). Na trilha de um  
pensamento que sem dúvida tem raízes longínquas, ao se debruçar sobre o mundo  
objetivo, Marx acentua o caráter processual ali se fazendo. O ser é fluxo, atividade,  
transformação incessante que reflexiona seus pressupostos. Sua objetividade em nada  
se assemelha à da estrutura de um cristal: também a coisa é processo, ancestral vir-a-  
ser da efetividade. Porém, a partir da emergência da espécie humana, transformações  
reais e categoriais marcarão em profundidade o planeta. Já não estamos mais lidando  
com uma natureza originária; e nem são apenas as sucessivas transformações sofridas  
por ela o que aqui nos interessa prioritariamente. Pois este ser que a experiência hoje  
nos apresenta e no qual estamos imersos, este mutante conjunto de relações entre entes  
desiguais porém interdependentes, há muito se distanciou daquilo que coube  
originariamente como natureza à humanidade. E, conjuntamente à ação dos próprios  
fenômenos naturais, entrelaçou-se a decisiva presença do homem como coautor do  
referido distanciamento.  
Este é o momento adequado para ingressar na antropologia marxiana,  
estabelecida a sua necessária relação com a ontologia abrangente. O homem é  
concebido por Marx como um conjunto de capacidades, de aspirações, de necessidades  
e, talvez mais do que tudo, de “forças essenciais humanas” (MARX, 2004, p. 110),  
capacidades que só se desenvolvem mediante uma interação com os objetos do mundo  
sensível. “Objetos” no sentido mais geral do termo, no sentido de tudo o que está fora  
do eu, definição que certamente abrange não apenas os utensílios de forma  
determinada, mas também todo o perímetro da realidade, aí incluídos os outros homens  
e a própria natureza.  
O homem é formulado por Marx, num primeiro momento, como parte da natureza  
(MARX, 2004, p. 84) o que explica as referências que os Manuscritos fazem a ele como  
um ser natural. Mas ocorre que este ser posto pela natureza tem a peculiar capacidade  
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de interagir sobre ela e modificá-la. Estamos diante de uma singular automediação12: a  
natureza, através do homem (produto seu) interage sobre si mesma, passando por  
sucessivas modificações. Ali onde havia, inicialmente, apenas um mesmo, vai lentamente  
emergir uma diferença, uma separação entre objetividade e subjetividade (subjetividade:  
aquilo que cabe ao homem e à sua ação, uma “determinação do sujeito”, em sentido  
preciso). E o homem, agora parte distinta da natureza originária, não para de se  
automediar. Ele simultaneamente transforma a natureza (e é transformado por ela), a si  
mesmo e a seus semelhantes. A atualização contínua deste mediador de primeira ordem,  
a atividade - que medeia a relação entre sujeito e objeto provoca alterações radicais  
na “essência” da natureza e do homem. É uma história em aberto que vai se fazendo.  
Falar na relação entre sujeito e objeto, em nossa época de predomínio das  
abordagens epistemológicas sobre as ontológicas, pode ter algumas ressonâncias que  
estariam aqui deslocadas. Clarificando: não é do sujeito epistêmico que se está  
tratando neste momento, e nem é primordialmente o ato do conhecimento que está  
sob análise. Deve-se entender a afirmação anterior de que a atividade medeia a relação  
entre sujeito e objeto no seu sentido mais geral, que diz respeito a um sujeito  
produtivo na verdade, um agrupamento humano que, tomando a natureza como  
objeto de sua atividade, transforma-a incessantemente. É claro que esta mediação vital,  
produtiva, tem também repercussões cognitivas: os homens adquirem conhecimento  
na medida em que interagem com a objetividade. Mas separar o ato do conhecimento  
da situação histórica onde ele se enraíza é um procedimento alheio à ontologia  
marxiana e, mais do que isso, por ela criticado. Basta lembrar um passo da polêmica  
de Marx com Hegel, quando o primeiro afirma que o segundo, ao enfatizar em demasia  
a autoconsciência como a determinação fundamental do humano, finda por tacitamente  
expropriá-lo dos seus atributos corporais e sensíveis. A partir daí, ficaram dadas as  
condições para acreditar-se que “o ser humano mesmo só vale como ser abstrato  
pensante, como consciência-de-si” (MARX, 2004, p. 132).  
Distanciando-se desta perspectiva, Marx assume o pressuposto de uma  
corporeidade como base incontornável da atividade humana. É apenas mediante este  
12  
Para o conceito de automediação, remetemos o leitor ao estudo de lstván Mészáros: “A  
relação entre o homem e a natureza é ‘automediadora’ num duplo sentido. Primeiro, porque é a natureza  
que medeia a si mesma no homem. Segundo, porque a própria atividade mediadora é apenas um  
atributo do homem, localizado numa parte específica da natureza. Assim, na atividade produtiva, sob o  
primeiro desses dois aspectos ontológicos, a natureza faz a mediação entre si mesma e a natureza; e,  
sob seu segundo aspecto ontológico em virtude do fato de ser a atividade produtiva inerentemente  
social – o homem medeia a si mesmo com os homens.” (MÉSZÁROS, 1986, p. 82)  
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pressuposto que podemos melhor qualificar tal atividade:  
O animal é imediatamente um com a sua atividade vital. Não se  
distingue dela. É ela. O homem faz da sua atividade vital mesma um  
objeto da sua vontade e da sua consciência. Ele tem atividade vital  
consciente. Esta não é uma determinidade [Bestimmtheit] com a qual  
ele coincide imediatamente. A atividade vital consciente distingue o  
homem imediatamente da atividade vital animal. (MARX, 2004, p. 84)  
Não deixa de ser curioso verificar que, nas palavras daquele a quem seus críticos  
se referem como o defensor de um “materialismo reducionista”, o atributo da  
consciência singulariza a atividade humana encarnada em face da atividade animal. Na  
verdade, um dos contrastes que atravessam os Manuscritos é o do humano que vai  
superando aquilo que era apenas natureza (no sentido amplo de uma Aufhebung,  
superação que conserva algo do que está sendo superado). Neste processo, a  
formação da consciência imprime sua marca inequívoca, mas, insistimos, ela depende  
da corporeidade do sujeito para se desenvolver. Mediante sua interação com os  
objetos que o cercam, o homem adquire consciência, faz da própria atividade e dos  
outros homens, objetos de sua ação e de seu pensamento, diferencia-se deles. É este  
o sentido do progressivo desprendimento do humano em face ao que lhe coube  
originariamente como natureza (tanto externa como interna), face a tudo que foi  
recebido sem a sua intervenção e que ele, precisamente em sua condição de ativo ser  
consciente, se encarrega de profundamente modificar.  
Precisemos mais este basilar conceito de atividade. Já sabemos que ele se refere  
a uma mediação de primeira ordem, propriamente ontológica, entre o homem e a  
natureza. Sabemos também que, graças à sucessiva atualização deste mediador, o  
homem passa da condição de ser posto pela natureza para a de um ser que interage  
com ela e a transforma, adquirindo então as características de um sujeito ativo e  
consciente. A constituição do sujeito humano se processa, portanto, entrelaçada a uma  
forma de objetivação: todas as capacidades humanas, todas as forças e aptidões do  
homem são exteriorizadas, objetivadas mediante seu agir no mundo. Isso dá origem  
ao que Marx chama de “natureza humanizada” (MARX, 2004, p. 110), natureza que  
sofreu a intervenção do homem. Se em Manchester existem hoje “fábricas e máquinas  
onde cem anos atrás se viam apenas rodas de fiar e teares manuais” (MARX; ENGELS,  
2007, p. 31) conforme nos lembra um texto posterior, A ideologia alemã , tal  
ocorreu devido a uma gigantesca transformação do mundo sensorial operada pela  
atividade humana. Trata-se de uma simultânea exteriorização e atualização de  
capacidades humanas, é isso que o processo de objetivação desencadeia: trasladar da  
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potência do sujeito para o mundo real.  
Modificação da exterioridade, portanto (e vemos agora que exterioridade não  
é, a rigor, um conceito absoluto, pois existe trânsito, interpenetração, entre aquilo que  
existe no homem e o que vigora no mundo sensorial), e modificação também da  
interioridade, é assim que o sujeito humano se constitui. Entretanto, tal constituição  
se dá de forma particularmente problemática devido à vigência hegemônica de um  
certo tipo de atividade: o trabalho estranhado [Die entfremdete Arbeit13].  
O trabalho estranhado  
Até o momento, não nos referimos ao conceito de trabalho [Arbeit], mas apenas  
ao de atividade [Tätigkeit], concebida como uma forma progressiva de objetivação.  
Embora em autores posteriores a Marx os dois conceitos sejam utilizados  
frequentemente de forma intercambiável, um exame atento dos Manuscritos de 44  
mostra que existe uma distinção entre eles que merece comentário. Na verdade,  
atividade é uma categoria bem mais ampla do que a de trabalho, ela recobre um campo  
semântico mais extenso. Forma ampla de intercâmbio em que o sujeito interage com  
um objeto, a atividade se processa nas mais variadas manifestações da existência  
humana. E os exemplos dela que comparecem no texto atestam sua pluralidade: ouvir  
uma música é uma atividade vital consciente, assistir a um espetáculo também, bem  
como “sentir, pensar, intuir, perceber, querer, ser ativo, amar...” (MARX, 2004, p. 108).  
Quanto ao trabalho, ele é o particular modo de atividade que se exerce sob a  
pressão cotidiana para satisfazer as progressivas necessidades humanas; relaciona-se  
à luta da espécie para assegurar sua sobrevivência, com todas as consequências daí  
advindas. É o que sinaliza uma breve mas muito esclarecedora passagem dos  
Manuscritos de 44 quando eles afirmam que “toda a atividade humana até agora era  
trabalho, portanto, indústria, atividade estranhada de si mesma” (MARX, 2004, p. 111).  
Ligando-se esta afirmação com aquela outra em que pouco depois se enuncia que “O  
trabalho é apenas uma expressão da atividade humana no interior da alienação  
13  
A tradução da palavra alemã Entfremdung para o português é objeto de uma polêmica infindável e,  
a nosso ver, na verdade indecidível (inclusive por razões históricas e filológicas). No presente artigo,  
alternamos entre as duas traduções mais frequentes: estranhamento e alienação. O próprio Marx em  
diversas passagens dos Manuscritos de 44 aproxima fortemente os sentidos de Entfremdung e  
Entäußerung: “In der Entfremdung des Gegenstandes der Arbeit resümiert sich nur die Entfremdung,  
die Entäußerung in der Tätigkeit der Arbeit selbst” (MARX, 1968, p. 514). Recordemos que fremd, em  
alemão, significa “estranho” “estrangeiro”, “alheio”, o que reforça o sentido do “não se sentir em casa”  
por aquele que exerce o trabalho estranhado (ou alienado).  
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[Entäusserung], a externação da vida [Lebensäusserung] enquanto alienação da vida  
[Lebensentäusserung]” ilumina-se a distinção entre as duas categorias” (MARX, 2004,  
p. 149)14. O trabalho é entendido por Marx (por mais que isto se choque com a imagem  
que posteriormente se formou de seu pensamento) como uma atividade que envolve  
também uma alienação, que ocorre quando o homem se perde de si mesmo, não se  
reconhecendo nem em seu transcurso nem em seu produto15. Já a “atividade vital  
consciente” (MARX, 2004, p. 84), em contrapartida, é o conceito explicativo mais  
amplo: é ele, em seu alto grau de abstração e generalidade, que nos permite pensar  
sobre as suas modalidades particulares de efetivação. O trabalho é uma delas, especial  
porque predominante ao longo da história da humanidade, mesmo antes do  
surgimento da sociedade capitalista.  
É certo que para se chegar a uma configuração histórica que reúna as  
características precisas do trabalho estranhado que os Manuscritos de 44 descrevem,  
foi necessária a ocorrência de uma série de pressupostos objetivos que o texto alude  
apenas brevemente. Mas quando se conhece os escritos posteriores de Marx, fica claro  
que, já em 1844, ele está iniciando as determinações do sistema do trabalho  
assalariado, que é a contrapartida do “valor que se valoriza”, nas palavras de sua  
maturidade, o próprio capital. Sistema se caracteriza pelo engendramento de uma  
expressiva maioria da população que, a fim de assegurar sua sobrevivência cotidiana,  
se vê constrangida a vender sua força de trabalho para a classe minoritária de  
indivíduos detentora dos meios de produção. Ao invés da ênfase produtiva recair sobre  
os valores de uso (objetos consumidos preferencialmente no interior da própria  
unidade econômica, a exemplo do que ocorria em formações sociais anteriores),  
generaliza-se agora a produção de valores de troca, mercadorias, artigos que devem  
14  
Citação corrigida de acordo com o original em alemão: “[...] die Arbeit nur ein Ausdruck der  
menschlichen Tätigkeit innerhalb der Entäußerung, der Lebensäußerung als Lebensentäußerung ist [...]”  
(MARX, 1968, p. 557). A correção foi necessária devido à tradução brasileira dos Manuscritos de 1844  
aqui utilizada normalmente cuidadosa – adotar neste passo “exteriorização da vida” como tradução  
de Lebensentäußerung, o que torna a frase de Marx incompreensível. Embora o núcleo desta última  
palavra Entäußerung em alguns contextos determinados seja de fato passível de ser traduzido por  
exteriorização, na passagem acima a ênfase de Marx recai claramente sobre a alienação resultante do  
processo. A este respeito, vale o cotejo com as pertinentes observações de Mônica Hallak (HALLAK,  
2018, pp. 64-7).  
15  
A ideologia alemã reitera o entendimento do trabalho como atividade alienada. Basta lembrar que  
quando Marx e Engels apresentam seu projeto político de uma revolução comunista, eles afirmam que  
esta última “volta-se contra a forma da atividade existente até então, suprime o trabalho e supera  
[aufhebt] a dominação de todas as classes ao superar as próprias classes” (MARX; ENGELS, 2007, p.  
42). A situação social almejada por este projeto é aquela onde os indivíduos alternam suas atividades  
produtivas, não ficando restritos apenas a uma delas.  
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ser vendidos no mercado. A própria força de trabalho ingressa no circuito das trocas,  
passa a ser objeto de uma negociação em que é vendida temporariamente pelo seu  
possuidor ao proprietário dos meios de produção. Esta é a alienação da força de  
trabalho (ou, simplesmente, alienação do trabalho, pois os Manuscritos de 44 ainda  
não fazem a importante distinção entre trabalho e força de trabalho, elaborada apenas  
posteriormente), processo através do qual o trabalho humano ingressa num circuito já  
não mais controlado pelo sujeito que trabalha, que se vê subordinado ao capital.  
Os referidos Manuscritos analisam pelo menos quatro níveis simultâneos de  
alienação ou de estranhamento. Em primeiro lugar, ocorre a subjugação do trabalhador  
pelo produto do seu próprio trabalho. O homem passa a ser dominado pelos objetos  
que ele criou; o que é bem atestado pela ofuscadora onipresença das mercadorias na  
sociedade burguesa, que eclipsa o trabalho vivo dos produtores, responsável por seu  
surgimento. Este é o fenômeno que Marcello Musto nomeia de modo preciso como  
alienação objetiva (MUSTO, 2021, p. 12), fundada no mundo da produção e  
determinante para a existência da alienação subjetiva16. Em segundo lugar, produz-se  
um estranhamento do homem diante de sua própria atividade, que é experimentada  
como mortificação, como coisa alheia a quem a exerce. Ou seja, ao invés de um ser  
que se produz mediante a efetivação de sua atividade hipótese fundamental na  
ontologia marxiana , o que passa a ocorrer é antes o esvaziamento, o encolhimento  
de um sujeito que, por uma série de injunções históricas, já não consegue manter uma  
relação afirmativa com sua própria atividade.  
Uma das razões para o estranhamento diante da atividade é a perda do seu  
caráter múltiplo. Na medida em que o homem é concebido por Marx como o portador  
de um conjunto diferenciado de forças essenciais, cada uma dessas forças (o olhar, o  
ouvir, o degustar etc., nos exemplos do texto) demanda uma atividade que a expresse.  
Por isso, é a multiplicidade e também a possibilidade de variação , o atributo que  
melhor possibilita a renovação do agir humano. Para haver uma efetiva apropriação  
da realidade humana, sua condição de multiplicidade deve ser satisfeita: “seu  
comportamento para com o objeto é o acionamento da efetividade humana (por isso  
ela é precisamente tão multíplice [vielfach] quanto multíplices são as determinações  
essenciais e atividades humanas)” (MARX, 2004, p. 108).  
16  
M. Musto chama atenção para o fato de que a ênfase interpretativa dos Manuscritos de 1844 por  
parte de autores como Erich Fromm recai unilateralmente sobre a alienação subjetiva, procedimento  
que finda por comprometer o entendimento dos esteios objetivos que a determinam. Este alerta vale  
também para toda uma tradição psicologizante sobre a alienação.  
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Ora, o trabalho alienado é precisamente o oposto disso tudo, ele se caracteriza  
pelo encolhimento drástico de uma atividade que é potencialmente plural. Sob a égide  
da divisão do trabalho, cada grupo de indivíduos, cada classe social, passa a interagir  
com um segmento muito limitado da realidade. Perdendo seus atributos de  
multiplicidade, o trabalho na sociedade burguesa se caracteriza pela repetição, pelo  
confinamento a uma rotina massacrante que esvazia seus agentes. É por isso que ele,  
o trabalho é, nas palavras do texto, a “abstração de qualquer outro ser” (MARX, 2004,  
p. 94); abstração tem aqui o sentido de separação real, pois aquele que cai na esfera  
do trabalho alienado está separado de todas as outras formas de existência humana.  
Premidos pelas necessidades cotidianas, homens e mulheres se veem obrigados a  
amputar inúmeras de suas potencialidades em favor de uma atividade repetitiva,  
unilateral, separada das demais (abstrata, neste sentido) e mediante a qual eles criam  
um mundo que lhes é hostil.  
Voltando agora aos níveis do estranhamento, o terceiro deles é o que passa a  
viger entre o trabalhador e o capitalista que rege sua atividade; é uma dominação que  
caracteriza esta relação social:  
Considere-se ainda a proposição colocada antes, de que a relação do  
homem consigo mesmo lhe é primeiramente objetiva, efetiva, pela sua  
relação com o outro homem. Se ele se relaciona, portanto, com o  
produto do seu trabalho, com o seu trabalho objetivado, enquanto  
objeto estranho, hostil, poderoso, independente dele, então se  
relaciona com ele de forma tal que um outro homem estranho [fremd]  
a ele, inimigo, poderoso, independente dele, é o senhor deste objeto.  
(MARX, 2004, pp. 86-7)  
A relação de um homem consigo mesmo expressa, portanto, também as  
relações que ele mantém com outros homens. De novo aqui, não cabe a ideia de um  
sujeito autônomo: mais preciso é discernir a intersubjetividade que lastreia as relações  
humanas. Os diferentes sujeitos encontram sua referência não só em sua atividade mas  
também nos outros homens. Quando estão mergulhados no estranhamento, quando  
não se reconhecem nem naquilo que fazem nem no transcurso deste fazer, vamos  
encontrar a contrapartida deste alheamento nas relações intersubjetivas prevalecentes.  
Isso nos leva um outro nível de estranhamento, o que se processa com relação ao ser  
genérico: ao invés de cada homem reconhecer a si e ao outro no seu pertencimento  
mútuo a um gênero, a um conjunto maior que lhes dá a possibilidade de uma existência  
consciente, o que predomina é o cultivo da vida individual, tomada como a finalidade  
principal da existência. No reino da guerra de todos contra todos, da escaramuça social  
generalizada, a vida genérica surge apenas como um meio contingente para o homem-  
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mônada, ser que gravita sobretudo na órbita de seus interesses privados.  
Seria este, em síntese, o conjunto de inversões desencadeadas pelo trabalho  
alienado: o produto passa a dominar seu produtor; a atividade vital, afirmação da  
existência, é experimentada como sua negação; o outro ser humano surge como um  
ser alheio e as relações intersubjetivas transcorrem sob o signo do estranhamento e  
da hostilidade; finalmente, a vida genérica passa a ser subordinada à vida individual.  
Tudo isso indica que, já num texto da juventude de Marx, encontramos uma teorização  
que captura o trabalho em sua ambivalência. De um lado, atividade que modifica  
incessantemente o perfil da realidade sensorial, responsável pela monumental  
transformação da natureza originária e também pela objetivação das capacidades  
humanas, por seu desdobramento no ato laboral. Por outro lado e simultaneamente,  
o trabalho faz isso sob a égide do estranhamento: a objetivação se dá sob a forma da  
alienação. As capacidades humanas são exteriorizadas e surgem à luz da efetividade:  
o desenvolvimento da ciência nos dá mostras inequívocas daquilo que os homens  
podem transformar do seu meio e de si mesmos. Mas a ambivalência do trabalho, sua  
contraditoriedade dialética, é que, mediante sua subordinação à lógica capitalista, as  
referidas capacidades efetivam-se apenas para um número muito restrito de  
indivíduos; para o restante da população elas surgem como um poder alheio, que nem  
de longe mantêm um vínculo afirmativo com seu trabalho cotidiano.  
Marx foi acusado por seus críticos de haver incorrido numa espécie de  
glorificação do trabalho erro de interpretação de Hannah Arendt que tristemente fez  
escola na literatura posterior , de haver ingenuamente suposto que, pelo desabrochar  
do ato laboral, seria possível chegar a algo semelhante a uma redenção da  
humanidade. Porém, quando se examina com atenção os textos de Marx, ele se  
apresenta como um crítico arguto do Arbeit, do trabalho realizado sob a pressão da  
necessidade. O que é valorizado pelo autor é a atividade [Tätigkeit] consciente, que  
permite a expansão da vontade e não renuncia à interação com segmentos mais  
diferenciados da realidade. É neste âmbito que se entendem as restrições do autor  
diante da visão parcial de Hegel e dos economistas:  
Hegel se coloca no ponto de vista dos modernos economistas  
nacionais. Ele apreende o trabalho como a essência, como a essência  
do homem que se confirma; ele vê somente o lado positivo do  
trabalho, não seu [lado] negativo. O trabalho é o vir-a-ser para si  
[Fürsichwerden] do homem no interior da alienação [Entäusserung] ou  
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Os 180 anos dos Manuscritos de 1844 de Marx  
como homem alienado [entäusserter]. (MARX, 2004, p. 124)17  
A distância que Marx estabelece em face aos seus contemporâneos propicia a  
ocasião adequada para o esclarecimento do modo de abordagem adotado no presente  
artigo. Propositalmente, alterou-se aqui a sequência categorial que é apresentada nos  
Manuscritos. O referido texto se abre com um debate acerca de determinadas  
categorias da Economia Política (como ganho do capital, renda da terra etc.); a partir  
de sua exposição, Marx elabora também uma crítica às deformações que tais categorias  
produzem no homem. Em contrapartida, optou-se aqui por pesquisar quais são os  
conceitos filosóficos subjacentes que norteiam a crítica marxiana. Começou-se com a  
análise do que é a atividade, categoria para a qual não é dedicada nenhuma seção dos  
Manuscritos (só garimpando bastante o texto, por assim dizer, é que o leitor se dá  
conta da sua decisiva importância), uma efetivação humana que transforma a realidade  
e o seu agente. Apenas depois disso é que se chegou ao trabalho estranhado,  
entendido como um modo parcializado da atividade humana. Esta alteração expositiva  
foi necessária para evidenciar que existem conceitos paradigmáticos organizando a  
argumentação dos Manuscritos de 44: se o trabalho alienado pode ser criticado, isso  
se deve à suposição da existência de um trabalho não-alienado, que fornece o  
parâmetro adequado para se cotejar o primeiro. Fique então registrada a presença de  
um subjacente enunciado paradigmático na formulação de 1844, que possivelmente  
será retificado no trajeto posterior de Marx, rumo a uma apreensão mais estritamente  
imanente de seu objeto18.  
Um materialismo que acolhe a subjetividade  
A possibilidade de gênese da subjetividade humana se situa precisamente no  
interior desta discussão: só quando articulada aos seus esteios ontológicos mais gerais  
tal gênese pode ser corretamente visualizada. Pois o fato é que o trabalho humano  
17  
Tradução corrigida de acordo com o original em alemão, pelos mesmos motivos apontados na nota  
15. “Die Arbeit ist das Fürsichwerden des Menschen innerhalb der Entäußerung oder als entäußerter  
Mensch” (MARX, 1968, p. 574). Dito de outro modo: Hegel só enxerga o lado positivo do trabalho, mas  
não o seu lado alienado [entäußerter]. Não caberia traduzir aqui entäußerter como exteriorizado, ainda  
que em outros contextos tal opção seja aceitável.  
18  
Não obstante as inegáveis conquistas dos Manuscritos de 44, eles ainda não alcançam o intento de  
uma crítica imanente tout court à economia política. Tal intento foi anunciado por Marx em várias ocasiões,  
como por exemplo numa carta a F. Lassalle de 1858. Nela podemos ler: “O trabalho que me ocupa  
atualmente é a crítica das categorias econômicas ou, if you like, uma exposição crítica do sistema da  
economia burguesa. É ao mesmo tempo uma exposição e, pela mesma razão, uma crítica do sistema.”  
(MARX, 2010, p. 270) Reunir num só movimento a exposição de um sistema de categorias e sua crítica  
(sem recorrer a conceitos normativos) é um procedimento complexo, só alcançado por Marx em sua  
maturidade. Mas esta ressalva não deve esvaziar a produtividade própria do texto de 1844.  
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produz, ao longo da história, um sujeito decupado, que consegue diferenciar-se dos  
laços comunitários predominantes em formações sociais mais antigas (tema enfatizado  
por Marx em escritos posteriores, como nos Grundrisse). Mas é de um sujeito  
encarnado que estamos tratando, que tem necessidades, desejos e carece de objetos  
reais para se produzir em sua individualidade; o surgimento desta última pressupõe  
que o estabelecimento de suas relações mundanas seja consciente. Quando tal não  
ocorre, o que vigora é: ou o enfraquecimento do sujeito em sua rede de relações (que  
ocorre quando a força da comunidade é por demais onipresente), ou sua regressão à  
“grosseira necessidade prática” (na predominância do trabalho alienado), mas não a  
sua emergência como agente consciente.  
É neste âmbito que cabe afirmar que os Manuscritos de 44 apresentam uma  
análise sobre a constituição da subjetividade, sobre a formação dos atributos  
especificamente humanos de homens e mulheres. Cabe aqui um esclarecimento  
terminológico, já que falar em constituição da subjetividade, no século XXI, gera  
ressonâncias teóricas distintas das que estamos tratando. É amplamente sabido que  
desde o início do século passado a psicanálise desenvolveu uma teorização consistente  
acerca da gênese e estruturação da subjetividade humana. Quando Freud apresentou  
suas sucessivas hipóteses acerca do funcionamento do aparelho psíquico, ele  
demonstrou persuasivamente como transcorre a constituição do sujeito psíquico,  
indicando sua divisão por meio do recalque primário, assim como a origem do  
inconsciente e a aquisição da linguagem. A exposição freudiana sobre o psiquismo  
humano deveria ser, aliás, um convite aos filósofos da consciência pura para retificar  
algumas das suposições alimentadas ao longo da história do pensamento. É difícil  
acreditar que ainda existam hoje, por exemplo, neokantianos que sustentem uma  
filosofia da vontade livre, mesmo após o impacto e as consequências da contribuição  
psicanalítica. Freud foi materialista o suficiente para sempre apontar para a presença  
estruturante da realidade na constituição do sujeito psíquico, presença claramente  
ilustrada em textos como A perda da realidade na neurose e na psicose, um exemplo  
entre muitos (FREUD, 2011).  
No entanto, a contribuição psicanalítica não será aqui discutida: ela  
ultrapassaria em muito os limites do debate em tela. Além disso, esta decisão se deve  
adicionalmente a uma avaliação que merece ser explicitada: se certos tópicos  
relacionados à constituição da subjetividade devem de fato dialogar com a teoria  
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psicanalítica19, isso não significa que só se seja possível falar de subjetividade  
recorrendo a Freud e a Lacan. Tudo dependerá do preciso escopo de uma dada  
investigação. Se tal afirmação pode parecer trivial, ela é hoje necessária devido ao  
dogmatismo de alguns setores da psicanálise, que presumem que sua disciplina  
autoriza a progressiva fagocitose, por assim dizer, de outros campos do conhecimento.  
Repetindo: o estatuto da subjetividade é uma área muito vasta que comporta várias  
abordagens. Discutiremos aqui principalmente um aspecto: as modificações da  
subjetividade humana mediante o trabalho e a atividade a superação/conservação  
[Aufhebung] das determinações naturais , bem como seu efeito de retroação sobre  
homens e mulheres no devir histórico. Vertente de análise que manteve sua  
integridade categorial mesmo após o advento da psicanálise (diferentemente do que  
ocorreu com a vontade livre kantiana).  
No que diz respeito a Marx, e por mais paradoxal que possa parecer, talvez seu  
pressuposto mais básico a este respeito seja aquele encontrado na Crítica da filosofia  
do direito de Hegel: “A subjetividade é uma determinação do sujeito” (MARX, 1983,  
p. 30). Formulação apenas aparentemente truística, mas que se tornou necessária  
diante da tácita pressuposição hegeliana de uma subjetividade pura, que finda por  
operar para além de seu suporte nos sujeitos humanos reais e dotados de uma  
corporeidade.  
Assim é que em seu sentido mais básico, a subjetividade tal como formulada  
por Marx se reporta a tudo aquilo que está locado no sujeito humano (suas forças  
essenciais ativas, seus sentimentos, suas paixões etc.), por contraste às condições  
externas de existência, objetivas, que precedem à entrada do(s) sujeito(s) na interação  
mundana. Ainda que saibamos que exterioridade e interioridade são conceitos que se  
interpenetram, colocar simplesmente um sinal de igual entre eles é procedimento  
problemático e distante do pensamento de Marx. Pois mesmo que seja característica  
de sua abordagem a ênfase que ela atribui ao primado da objetividade, das condições  
objetivas de existência com as quais cada sujeito tem que necessariamente lidar, isso  
não impede antes delineia melhor o contorno do estatuto histórico da  
subjetividade. É por aí que se entende a afirmação marxiana de uma determinação das  
condições econômicas, pressão ininterrupta que o mundo real com as suas  
necessidades exerce sobre o campo subjetivo em permanente mudança. Aliás, a crença  
19  
Diálogo atestado pelas contribuições de W. Benjamin, T. Adorno e, mais recentemente, F. Jameson,  
autores marxistas que incorporaram produtivamente categorias da psicanálise.  
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numa possível identidade entre interioridade e exterioridade, entre sujeito e objeto, é  
marca do hegelianismo20 e de suas ramificações, tendo recebido críticas de Marx que  
nela enxergou uma exaltação desmedida das capacidades subjetivas. Contra a ideia de  
uma subjetividade demiúrgica, cabe atestar sua dependência em face do objeto: só  
assim os diferentes sujeitos e isso vale também para as classes sociais têm  
condições de se reconhecer na sua inserção histórica real. Ouçamos um passo decisivo  
de Marx em A sagrada família, na sua severa crítica a Franz Szeliga:  
No senhor Szeliga também se mostra de um modo brilhante como a  
especulação de um lado cria seu objeto a priori, aparentemente livre  
e a partir de si mesma, mas de outro lado, precisamente ao querer  
eliminar de maneira sofista a dependência racional e natural que tem  
em relação ao objeto, demonstra como a especulação cai na servidão  
mais irracional e antinatural sob o jugo do objeto, cujas determinações  
mais casuais e individuais ela é obrigada a construir como se fossem  
absolutamente necessárias e gerais. (MARX; ENGELS, 2011, p. 90)  
Devido à sua cegueira com relação aos seus vínculos objetivos, a (pretensa)  
subjetividade autônoma acaba por sucumbir precisamente àquilo que ela não  
reconhece: sua determinação pelo mundo real. Já sabemos que a subjetividade em  
Marx abarca todas as forças essenciais humanas; mas é preciso reiterar que a  
formulação de 1844 não se limita a isso, pois até aqui estaríamos ainda num terreno  
próximo ao do sensorialismo feuerbachiano. O que os Manuscritos de 44 apresentam  
de novo é uma construção que evidencia que mesmo o domínio da subjetividade é  
inequivocamente ativo: longe de ser dado originariamente ao homem, ele se constitui  
pela via de um sistema complexo de mediações históricas:  
[é] apenas pela riqueza objetivamente desdobrada da essência  
humana que a riqueza da sensibilidade humana subjetiva, que um  
ouvido musical, um olho para a beleza da forma, em suma as fruições  
humanas todas se tornam sentidos capazes, sentidos que se  
confirmam como forças essenciais humanas, [...] A formação dos cinco  
sentidos é um trabalho de toda a história do mundo até aqui. (MARX,  
2004, p. 110)  
Trata-se então de uma subjetividade que se constituiu apenas ao longo da  
história: “para o ouvido não musical a mais bela música não tem nenhum sentido”  
(MARX, 2004, p. 110). Iniciamos este artigo comentando a dificuldade dos primeiros  
executores dos quartetos de cordas ditos intermediários de Beethoven: o exemplo não  
foi escolhido ao acaso. Tratavam-se de músicos profissionais, sendo que o primeiro  
20  
Mesmo reconhecendo as inegáveis contribuições de Hegel para uma concepção dialética, G. Lukács  
diverge vigorosamente da tese hegeliana do sujeito-objeto idêntico (LUKÁCS, 2012, pp. 204-12).  
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violino do grupo era Ignaz Schupanzigh, amigo de Beethoven que acompanhava bem  
de perto a produção do compositor. Mas mesmo para estes qualificados músicos a  
sonoridade produzida pelos novos quartetos gerava desconforto. Se adicionarmos a  
isso o fato de que a surdez de Beethoven já comprometia seu relacionamento com o  
mundo exterior, abrimos caminho para o reconhecimento do caráter ativo do aparato  
sensorial, que possibilitava que ele criasse suas composições em níveis  
progressivamente mais elaborados. Aqui, torna-se patente a pobreza das concepções  
da arte como apenas uma mimese fiel da realidade concepção contra a qual um G.  
Lukács tanto se bateu, diferenciando com vigor realismo de naturalismo, por exemplo.  
Este alargamento ativo das faculdades humanas originárias tem como um de  
seus resultados a possibilidade de formas de interação e captação da realidade  
sensível que simplesmente não existiam em outros períodos históricos. Os Manuscritos  
de 44 são pródigos em exemplos que visam atestar a emergência de uma apropriação  
singularizada das diferentes dimensões da realidade. Seja referindo-se à formação do  
olho estético, que consegue descortinar a beleza da forma, seja na observação de que  
o “homem faminto” desconhece a forma humana da comida (aguilhoado que está pela  
pressão da necessidade), seja no que diz respeito ao homem “cheio de preocupações”  
que não consegue aceder ao senso apropriado para um “o mais belo espetáculo”  
(MARX, 2004, p. 110), o que o texto busca tomar mais visível é a capacidade de gozo  
do sujeito historicamente constituída. O que hoje nomeamos como sensibilidade  
(utilizando a palavra agora no sentido de aptidão para o exercício de alguma atividade  
criativa) é o resultado de uma extensa cadeia de mediações simultaneamente objetivas  
e subjetivas que não se evidenciam para o observador desavisado. O sujeito dito  
moderno, que dispõe da capacidade de estabelecer uma relação afirmativa,  
interiorizada, com uma “bela música”, este sujeito que já se desprendeu da “carência  
prática” imediata (nos termos de 1844) só existe mediante um processo histórico que  
atualiza na efetividade os potenciais atributos humanos. E o fato que de que pode  
haver uma regressão destas capacidades pensemos nas teses de T. Adorno sobre a  
regressão da audição acarretada pela indústria cultural de forma alguma anula seu  
caráter histórico, apenas confirma-as em seu caráter construído e mediado.  
Estamos diante de uma retroação da atividade sobre o próprio sujeito que a  
exerce. Não é apenas a realidade exterior que se modifica: também o homem se  
diferencia de sua determinação natural mais arcaica. Anos mais tarde, quando da  
redação de O capital, Marx retornará a este tema: “Agindo sobre a natureza externa e  
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modificando-a por meio desse movimento, ele [o homem] modifica, ao mesmo tempo,  
sua própria natureza. Ele desenvolve as potências que nela jazem latentes e submete  
o jogo de suas forças a seu próprio domínio (MARX, 2013, p. 255)21. Temos aqui a  
gênese de um processo de subjetivação. E, adendo fundamental, tais modificações na  
subjetividade são perfeitamente passíveis de serem transmitidas para as gerações  
humanas posteriores. Diferentemente da evolução biológica em sentido estrito, onde  
a modificação ao longo da vida de um indivíduo de certos caracteres dificilmente é  
herdada por sua prole, as transformações culturais apresentam um caráter mais  
plástico e cumulativo. Atento a isso, um biólogo com conhecimento de marxismo como  
Stephen Jay Gould pôde escrever, com uma ponta de ironia, que “a evolução cultural  
humana, em forte oposição à nossa história biológica, é de caráter lamarckiano”  
(GOULD, 1990, p. 71).  
Retornando aos Manuscritos de 44, neles aprendemos que uma subjetividade  
se desenvolve quanto maior é também o campo das relações objetivas no qual ela é  
capaz de diferencialmente se afirmar. Prova adicional de que o devir da atividade não  
transforma apenas o mundo objetivo, ele também constitui uma nova subjetividade,  
que comporta os sentidos humanos modificados. Se começamos enfatizando o caráter  
de objetivação da atividade humana, vemos agora que ela também envolve uma  
subjetivação, um retroagir sobre si em seu transcurso. Tal é a emergência de uma  
natureza humana que de originária já não tem mais nada: trata-se do resultado do  
processo autorreflexivo que a atividade desencadeia. Tanto na interação com a música,  
como no espetáculo, ou mesmo no gosto com a própria alimentação, obtém-se um  
alargamento do campo de existência do sujeito quando ele, pela via da sucessiva  
exteriorização das suas forças essenciais, desprende-se do domínio da necessidade e  
consegue alcançar o específico desfrute daquele objeto.  
Torna-se então patente a relação entre a capacidade subjetiva e o objeto  
singular com o qual ela interage, até porque “o sentido de um objeto para mim (só  
tem sentido para um sentido que lhe corresponda) vai precisamente tão longe quanto  
vai o meu sentido” (MARX, 2004, p. 110). Esta observação muito geral ganha sua  
referência empírica quando Marx lembra que:  
Ao olho um objeto se torna diferente do que ao ouvido, e o objeto do  
olho é um outro que o do ouvido. A peculiaridade de cada força  
21  
Adicionalmente, há que ressaltar que O capital desenvolve de modo substantivo a importância e as  
consequências da teleologia (atividade orientada para fins) ao longo de um processo de trabalho. Tais  
considerações são ainda incipientes nos Manuscritos de 1844.  
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essencial é precisamente a sua essência peculiar, portanto também o  
modo peculiar da sua objetivação, do seu ser vivo objetivo-efetivo.  
(MARX, 2004, p. 110)  
Retornamos ao tema da multiplicidade, ao entendimento do homem como um  
conjunto múltiplo de forças, impulsos, desejos e capacidades singulares que  
demandam uma atividade polimorfa, não fixa, para que esta pluralidade possa se  
expressar. Só assim é possível o desenvolvimento de uma interação efetiva entre cada  
sentido humano e o objeto com o qual ele interage. Se o olho goza de forma distinta  
da do ouvido, se o tato estabelece uma relação objetal distinta da do paladar, tal  
ocorre porque a subjetividade humana encontra, afinal, sua necessária contrapartida  
no campo da diversidade objetiva real. Fora disso, ela é pura abstração, pura criação  
daqueles filósofos que acreditam na possibilidade de uma subjetividade desencarnada,  
“sem olhos, sem dentes, sem ouvidos, sem nada” (MARX, 2004, p. 135).  
O reconhecimento do potencial caráter múltiplo das capacidades humanas faz  
aparecer de outro modo a concepção do que seja a riqueza humana, tendo em vista  
que o “homem rico é simultaneamente o homem carente de uma totalidade da  
manifestação humana de vida” (MARX, 2004, pp. 112-3). Esta subjetividade pede,  
portanto, para se exteriorizar, para ver atualizadas suas diferentes capacidades.  
Exteriorização que é sentida como necessidade, como urgência da essência que  
demanda seu desdobramento como existência. É uma concepção afirmativa de  
subjetividade que é defendida por Marx, o que explica também sua repulsa à sociedade  
burguesa. Pois esta última, ao invés de propiciar as condições para a expansão do ser,  
ao invés de engendrar o “homem nesta total riqueza da sua essência” (MARX, 2004,  
p. 111) produz, ao contrário, indivíduos impedidos de uma exteriorização de vida  
humana. O trabalho alienado, forma degradada da atividade vital consciente, confina  
o indivíduo a uma interação com um número muito restrito de objetos; a rígida divisão  
do trabalho estanca de forma mortal o fluxo da atividade, o que era produção da vida  
põe-se agora como sua atrofia22.  
Este trabalho alienado e parcelado encontra seu corolário na propriedade  
privada. Originalmente um produto do trabalho humano, ela acaba se constituindo,  
devido à alienação da atividade, como uma entidade que subjuga os indivíduos que a  
22  
“Em que consiste, então, a exteriorização [Entäusserung] do trabalho? Primeiro, que o trabalho é  
externo [äusserlich] ao trabalhador, isto é, não pertence ao seu ser, que ele não se afirma, portanto, em  
seu trabalho, mas nega-se nele, que não se sente bem, mas infeliz, que não desenvolve nenhuma energia  
física e espiritual livre, mas mortifica sua physis e arruína o seu espírito.” (MARX, 2004, pp. 82-3)  
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criaram. E, ao vincular egoisticamente a coisa ao indivíduo, ficam dadas as condições  
para o surgimento de uma subjetividade que só consegue enxergar a interação com  
os objetos sob a forma da posse, do ter:  
A propriedade privada nos fez tão cretinos e unilaterais que um objeto  
somente é o nosso [objeto] se o temos, portanto, quando existe para  
nós como capital ou é por nós imediatamente possuído, comido,  
bebido, trazido em nosso corpo, habitado por nós etc., enfim, usado.  
[…] O lugar de todos os sentidos físicos e espirituais passou a ser  
ocupado, portanto, pelo simples estranhamento de todos esses  
sentidos, pelo sentido do ter. (MARX, 2004, p. 108)  
O ter utilitário, que reduz a interação humana com os objetos à sua simples  
posse, é duramente criticado por Marx, que enxerga nele a amputação de outras  
formas de interação com a realidade. Trabalho alienado, propriedade privada e  
utilitarismo tem seu representante mais visível no prestígio universal do dinheiro,  
mediador objetificado que tem o poder de comprar não só mercadorias, mas também  
serviços que representam capacidades humanas. Chegou-se à paradoxal situação em  
que mesmo aquele indivíduo particularmente desprovido de aptidões humanas pode  
ter acesso a várias delas mediante sua compra: “O que eu qua homem não consigo, o  
que, portanto, todas as minhas forças essenciais individuais não conseguem, consigo-  
o eu por intermédio do dinheiro” (MARX, 2004, p. 159). Se mesmo “um ser humano  
mau, sem honra, sem escrúpulos” pode receber a aprovação da sociedade, tal não se  
deve ao desenvolvimento de sua subjetividade, mas antes ao quantum de meio  
monetário que consegue acumular: venalidade geral do homem e do que é humano,  
rebaixamento das capacidades a objetos de uma barganha monetária, eis o quadro  
oferecido pela sociedade burguesa. Enquanto seus apologistas afirmam que ela  
promoveu a produção de um sujeito autônomo por oposição às relações de  
dependência pessoal vigentes na sociedade feudal Marx aponta para a estreiteza  
desta concepção, que glorifica as distorções do modo de vida burguês e apresenta-as  
como emancipação humana.  
Vemos então que, na elaboração teórica de 1844, é pela via de uma  
autoposição do homem no mundo sensível que a sua subjetividade se constitui.  
Sabemos que, na maturidade de Marx, esta análise se complexificará enormemente, a  
ponto dele escrever anos mais tarde “meu método analítico [...] não parte do homem,  
mas de períodos sociais economicamente dados” (MARX, 2017, p. 267). Contudo,  
suspendendo aqui provisoriamente tal consideração (até para podermos encetar uma  
relação produtiva com os Manuscritos de 44), levemos em conta o caráter polêmico  
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da tomada de posição de Marx em sua juventude. É contra as diferentes formas de  
idealismo, que ao fim e ao cabo expropriavam o sujeito de suas capacidades  
encarnadas (ao enfatizar no mundo sensorial a corporificação de uma entidade  
abstrata, a Ideia) que nosso autor vai sustentar que é sempre o homem o verdadeiro  
produtor de si mesmo e de sua realidade. Mas nenhum deles, nem o ser humano nem  
o mundo objetivo, comparece de forma estabilizada no cenário da história: é mesmo  
um partejamento que torna possível seu aparecer:  
Consequentemente, nem os objetos humanos são os objetos naturais  
assim como estes se oferecem imediatamente, nem o sentido humano,  
tal como é imediata e objetivamente, é sensibilidade humana,  
objetividade humana. A natureza não está, nem objetiva nem  
subjetivamente, imediatamente disponível ao ser humano de modo  
adequado. E como tudo o que é natural tem de começar, assim  
também o homem tem como seu ato de gênese a história [...]. (MARX,  
2004, p. 128)  
Simultaneamente ser natural e humano, o homem é natural naquele mencionado  
sentido de ser uma parte, um produto da natureza; humano porque, através de sua  
ativa automediação, distingue-se progressivamente de sua determinação originária e  
adquire características singularizadas que fundam a sua história. A contradição da  
época atual, nos termos de 1844, é que a forma hegemônica de automediação, o  
trabalho, criou as condições para a constituição de uma subjetividade da qual, por um  
lado, podem-se vislumbrar suas imensas potencialidades, mas que simultaneamente  
ameaça submergir a todo momento diante da expansão generalizada da alienação.  
Então, a afirmativa de que o trabalho produz o homem deve ser imediatamente  
articulada àquela outra que esclarece que isso é feito sob a forma do homem  
estranhado, que não consegue estabelecer uma relação afirmativa com sua própria  
atividade. A gigantesca transformação da natureza (que se corporifica na “indústria  
material, comum” (MARX, 2004, p. 111), imenso conjunto de artefatos, equipamentos  
e construções erigidos pela objetivação dos poderes sociais do trabalho) coexiste com  
sujeitos humanos que estão numa relação de alheamento face àquilo que eles mesmos  
criaram. A possibilidade de constituição de uma rica e elaborada subjetividade cuja  
veracidade é atestada pela existência de brilhantes individualidades que atuam em  
segmentos muito restritos da sociedade, notadamente nas ciências e nas artes –  
encontrou seu contraditório complemento na degradação das condições de vida,  
objetivas e subjetivas, da maioria da população.  
A sociedade burguesa é então apreendida em sua contraditoriedade: momento  
histórico de um desenvolvimento inédito das capacidades produtivas do ser humano,  
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ela é também o cenário de uma violenta expropriação. A duplicidade de atributos nela  
presentes fornece a ocasião para Marx defender seu projeto político: fim do trabalho  
alienado e da propriedade privada, entes interpostos entre o homem, sua atividade e  
seus semelhantes. Se é certo que os Manuscritos ainda não dispõem de uma teoria do  
valor limite bem real do texto , isso não deve nos impedir de reconhecer seus  
momentos mais fecundos, a serem incorporados no trajeto posterior de Marx23. Pois a  
crítica à propriedade privada não é só apenas às distorções econômicas mais visíveis  
que ela produz (sua enorme concentração nas mãos de alguns em flagrante contraste  
com a pauperização da maioria da população), mas comporta também uma outra  
dimensão fundamental. É a crítica a uma forma de sociabilidade que impede homens  
e mulheres de se autoproduzirem como tais, limitados que estão a um modo de  
efetivação da vida extremamente unilateral. Potencialmente, o homem é uma  
pluralidade de capacidades e de forças objetivas essenciais, mas a lógica capitalista  
restringe estas capacidades e prende cada indivíduo a apenas um predicado seu.  
Quanto ao modo próprio de a concepção liberal se opor a este contexto  
degradante, ele consiste em apresentar a promessa de uma emancipação humana pela  
via do progresso individual e meritocrático de cada um de seus membros. Subjacente  
a esta concepção, está uma ideia estreita de individualidade, que entende que sua  
meta consiste em lutar diuturnamente pela posse de dinheiro. A riqueza humana, nesta  
concepção, é algo que tem sua contrapartida no montante de dinheiro, bens e capital  
que cada indivíduo consegue acumular.  
Situando-se na outra extremidade do debate, Marx prefere demonstrar que a  
pobreza gerada pelo capitalismo pode ser investida de um novo significado: de sua  
negatividade é possível surgir uma contestação de fundo àquela sociedade. Desde  
1843 a classe trabalhadora oprimida é identificada por Marx como o sujeito social  
capaz de negar e subverter a estreita racionalidade burguesa. Os Manuscritos reiteram  
que a expropriação deve também ser vista como um vazio a partir do qual se pode  
arrancar significado:  
Não só a riqueza, também a pobreza do homem consegue na mesma  
medida -sob o pressuposto do socialismo - uma significação humana  
e, portanto, social. Ela é o elo passivo que deixa sentir ao homem a  
23  
A conferir a síntese particularmente feliz feita por José Paulo Netto em sua Apresentação ao texto:  
“Isso significa dizer que os Manuscritos perderam importância, substancialidade, atualidade? A resposta  
é um rotundo e categórico não. Os Manuscritos permanecem um documento que insistimos: tomado  
nos seus limites históricos e teóricos mantém intacta e integralmente a sua grandeza (a mesma palavra  
que Marx usou para caracterizar a Fenomenologia)” (NETTO, 2015, p. 103).  
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Os 180 anos dos Manuscritos de 1844 de Marx  
maior riqueza, o outro homem como necessidade. (MARX, 2004, p.  
113)  
Hegel como interlocutor, mas também como objeto de crítica  
Uma das seções de leitura mais estimulantes dos Manuscritos de 44 é aquela  
que ficou conhecida com o nome de “Crítica da dialética e da filosofia hegelianas em  
geral”. Nela, podemos encontrar uma explicitação bastante nítida da posição de Marx  
diante de Hegel, notadamente da Fenomenologia do Espírito. O tema merece ser aqui  
abordado, tendo em vista a existência de uma longa tradição na literatura marxista  
que busca encontrar no mestre de Jena as credenciais filosóficas mais duradouras para  
o pensamento de Marx. Na década de 2000, ficou conhecido o exemplo de Christopher  
Arthur que, em seu A nova dialética e O capital de Marx, supôs encontrar uma  
correspondência direta entre a Ciência da lógica de Hegel e O capital. Assim é que no  
Capítulo 5 do livro de Arthur somos informados que:  
[...] o movimento de troca de mercadorias pelo valor é paralelo à sua  
[de Hegel] “Doutrina do Ser”; a duplicação do dinheiro e das  
mercadorias é paralela à “Doutrina da Essência”; e o capital,  
postulando a sua atualização no trabalho e na indústria, como “forma  
absoluta”, reivindica todas as características do “Conceito” de Hegel.  
(ARTHUR, 2004, p. 79)  
No limite, segundo esta perspectiva, cada uma das três partes da Ciência da  
lógica respectivamente, a Doutrina do Ser, da Essência e do Conceito encontraria  
uma contrapartida na obra magna de Marx. Tal suposição de Arthur finda por visualizar  
a monumental pesquisa e crítica de Marx à economia política como sendo passível de  
uma assimilação às categorias hegelianas da Ciência da lógica. Hipótese problemática,  
que homogeneíza um vasto campo especializado do conhecimento para que ele seja  
enquadrado numa espécie de fôrma que já estaria previamente constituída nos escritos  
de Hegel. O fato deste último ter tido um interesse real pela economia política (Hegel  
foi um leitor de Adam Smith) não nos autoriza dar o passo seguinte que consiste em  
supor que suas categorias lógicas teriam o poder - demiúrgico? - de plenamente  
elucidar questões e momentos categoriais do modo de produção capitalista que só se  
desdobraram décadas após seu falecimento  
Já a década de 2010 presenciou uma radicalização deste Hegel revival. Agora,  
o filósofo alemão forneceria não só a chave explicativa mais duradoura para o  
pensamento de Marx como, além disso, situar-se-ia em alguns aspectos mais além da  
obra deste último. É o que sustenta o eminente pesquisador Michael Heinrich - autor  
de uma cuidadosa biografia em curso sobre Marx -, que protesta contra o que lhe  
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parece ser uma simplificação excessiva do pensamento de Hegel feita por Marx. Mais  
especificamente, Heinrich afirma que a categoria idealismo não é adequada para  
designar o pensamento do filósofo alemão.  
Não deveríamos categorizar tão prontamente a filosofia de Hegel  
como “idealismo”, pelo menos não com base na definição de  
“idealismo” que surgiu na segunda metade do século XIX e que é  
frequentemente projetada para o início do século XIX. Para Hegel,  
“idealismo” significava trabalho conceptual e não aquilo que o  
entendimento comum de hoje pensa que é: uma contrafilosofia ao  
materialismo. (WITTER, 2020)  
Para corroborar sua hipótese, Heinrich menciona que pesquisou em duas  
enciclopédias de Filosofia da década de 1840, e ambas qualificam explicitamente Kant  
e Fichte como idealistas, mas não Schelling e Hegel. Num outro momento de sua  
argumentação, Heinrich afirma que idealismo tem um sentido diferente do usual nos  
escritos de Hegel, e que a sua qualificação como tal por parte de Marx e Engels se  
deveria a um “déficit tanto da concepção marxiana quanto da engelsiana sobre Hegel”  
(HEINRICH, 2021, p. 19). Idealismo hegeliano, segundo a interpretação de Heinrich,  
seria uma projeção feita pelos fundadores do materialismo histórico sobre um  
pensamento anterior, projeção que simplifica e caricatura a fisionomia distintiva do  
hegelianismo.  
Com todo o respeito que um pesquisador da seriedade de Heinrich merece, é  
preciso dizer que esta sua incursão na história da filosofia área distinta da de sua  
especialização enreda-se numa falsa questão, e isso por mais de um motivo24. O  
primeiro deles é que, diferentemente do que o autor afirma, o contraste entre  
materialismo e idealismo não surgiu na segunda metade do século XIX. Os exemplos  
seriam vários. Já no início do século XVIII, podemos mencionar Gottfried Leibniz, autor  
bem familiarizado com a história da filosofia. Em 1702, na sua polêmica com Pierre  
Bayle, Leibniz escreve orgulhosamente sobre sua própria filosofia:  
Isso mostra que nossa visão combina o que há de bom nas hipóteses  
tanto de Epicuro como de Platão, tanto dos maiores materialistas  
como dos maiores idealistas, e que não há nada de surpreendente  
aqui, exceto a suprema perfeição do princípio governante que se  
revela agora em suas obras bem acima de tudo que nós tínhamos  
acreditado até o momento. (LEIBNIZ, 1989, p. 578)  
Ou seja, Leibniz se remete explicitamente a um contraste entre materialismo  
24  
Para aqueles que se interessem por uma crítica a M. Heinrich dentro de seu próprio campo de  
especialidade a teoria do valor marxiana remetemos ao livro de Fred Moseley: Marx’s theory of value  
in chapter 1 of Capital: a critique of Heinrich’s value-form interpretation (MOSELEY, 2023).  
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(por ele atribuído a Epicuro) e idealismo (representado pelo platonismo) já no século  
XVIII. Se examinarmos agora a contemporaneidade de Marx, na primeira metade do  
século XIX, podemos citar o exemplo de Ludwig Feuerbach que em 1841, em A  
essência do cristianismo (texto bem conhecido por Marx), afirma em termos explícitos  
e programáticos: “Eu me vinculo, em oposição direta à filosofia hegeliana, apenas ao  
realismo, ao materialismo no sentido acima indicado” (FEUERBACH, 1989, p. XIV).  
Estes simples exemplos bastariam para demonstrar que não se sustenta a  
afirmação de Heinrich de que a definição de idealismo como oposta ao materialismo  
“surgiu na segunda metade do século XIX”, na pena de Marx e Engels, e foi projetada  
sobre Hegel. Indo mais longe, diríamos que a datação precisa do surgimento da  
categoria idealismo no sentido mencionado não é na verdade a questão fundamental  
aqui. Mais importante do que isso é perceber o forte sentido autoral da tomada de  
posição materialista de Marx. Dito de outro modo: não importa tanto como os  
contemporâneos de Hegel o viam, mas sim como Marx o via: como um pensador  
próximo da teologia que se infiltra em momentos decisivos de sua filosofia , a forma  
clássica de idealismo. Tomadas de posição que nomeiam alguns interlocutores com  
categorias não-consensuais são encontráveis em vários momentos da história do  
pensamento. Basta lembrar a crítica de Espinosa a Descartes, ou a de Darwin a  
Lamarck. Examinemos isso mais de perto.  
Quando afirmamos que Marx identifica na filosofia de Hegel uma forma refinada  
de teologia, apenas sublinhamos a centralidade nos textos hegelianos da existência de  
um Deus uma entidade pensante , que comparece em seus textos também com o  
nome de Ideia, dispondo de uma existência prévia ao mundo material. Será este um  
juízo excessivamente severo por parte de Marx? A pesquisa textual em Hegel evidencia  
que não. Ouçamos uma passagem de A ciência da lógica, onde é apresentado o objeto  
do texto:  
Assim, a lógica deve ser entendida como o sistema da razão pura,  
como o domínio do pensamento puro. Este reino é a verdade revelada,  
a verdade como é em si e para si mesma. Portanto, pode-se dizer que  
esse conteúdo é a exposição de Deus como Ele é em sua essência  
eterna antes da criação da natureza e de um espírito finito. (HEGEL,  
2010, p. 29)  
Eis aqui a doutrina da criação divina enunciada e assumida com todas as letras  
por Hegel. É por esta razão que o filósofo defende a criação a partir do nada (HEGEL,  
2010, p. 61), tradicional crença da doutrina cristã que afirma que do nada pode advir  
o ser, avaliada por Hegel como a melhor resposta para o surgimento da Natureza e do  
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homem.  
Para o leitor do nosso século, pode gerar surpresa esta defesa tão aberta de  
uma doutrina da criação por parte de Hegel, pois já circulavam à sua época concepções  
que apontavam para um modo distinto de investigação. Mas tal surpresa diminui  
quando se leva em conta que o pensamento hegeliano lança raízes, assumidas por ele  
próprio, no luteranismo dentro do qual o filósofo fez seus estudos como seminarista.  
Assim, em suas Lições sobre a história da filosofia, ele afirma com convicção: “nós  
luteranos - eu sou luterano e continuarei assim - temos apenas esta fé original” (HEGEL,  
1995, p. 73).  
Longe de ser uma afirmação que se esgota em si mesma, ser um luterano  
envolve a aceitação de uma extensa série de pressupostos correlatos, dentre os quais  
o mais óbvio é a aceitação de um Deus voluntarioso que criou a Terra e os seres que  
nela vivem. Esta decidida assunção do luteranismo é também o que explica a  
necessidade do culto religioso, aparato institucional e de conduta assumido por Hegel  
como indispensável para o pleno exercício da 25. Seguramente, o pensamento de  
Hegel não deve ser reduzido apenas a uma teologia: ele produziu com brilho em  
inúmeras áreas: lógica, ontologia, estética, fenomenologia, antropologia, Direito etc.  
Sua obra veicula uma densa oferta de sentido, manancial que ainda hoje nos atinge e  
não foi exaurido. Contudo, para o específico tema aqui sob exame a categoria  
idealismo , sua proximidade com uma perspectiva religiosa é incontornável, e Marx  
incidiu fortemente sobre ela. Proximidade que, como vimos, o próprio Hegel não tinha  
problemas em admitir. É apenas esta a razão da ênfase do presente artigo no tema.  
Apenas a título de contraste: enquanto Hegel aproxima a filosofia da teologia,  
quase dois séculos antes, Baruch Espinosa fez o percurso argumentativo oposto. Pois  
um dos gestos filosóficos mais contundentes do Tratado teológico-político espinosano  
foi separar a filosofia da teologia, evidenciando que se trata de dois discursos  
qualitativamente diversos26. Ao seu modo próprio, Marx estava no rastro do Tratado  
teológico-político27 quando já no Prefáciodos Manuscritos de 44 polemizando  
25 Nas palavras de Charles Taylor: “É por isso que Hegel defende [...] a visão luterana da Eucaristia não  
apenas contra a interpretação católica, mas também contra a concepção da Igreja Reformada” (TAYLOR,  
1977, p. 489).  
26  
“[...] entre a fé, ou teologia, e a filosofia não existe nenhuma relação nem nenhuma afinidade”  
(ESPINOSA, 2003, p. 222).  
27  
Em 1841, o jovem Marx estudou e reescreveu parte do Tratado teológico-político, alterando partes  
da sequência argumentativa original. O resultado deste trabalho ficou conhecido com o nome de  
Caderno Espinosa (MARX, 2012).  
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com os jovens hegelianos de então, que sequer alcançavam a inegável grandeza de  
Hegel - refere-se asperamente à teologia como o “lado putrefato da filosofia” (MARX,  
2004, p. 21) do qual é preciso adquirir distância.  
Resta ver qual é, dentro da concepção hegeliana, o significado de idealismo.  
Sabemos que M. Heinrich enfatiza na categoria sobretudo sua referência ao trabalho  
conceitual filosófico. Ocorre que esta definição, por operar no interior do arcabouço  
conceitual de Hegel, demanda considerações adicionais. Primeiramente, ouçamos o  
próprio filósofo:  
A afirmação de que o finito é uma idealização define o idealismo. O  
idealismo da filosofia consiste apenas no reconhecimento de que o  
finito não é verdadeiramente um existente. Toda filosofia é  
essencialmente idealismo ou pelo menos tem o idealismo como  
princípio, e a questão então é apenas até que ponto este princípio é  
realizado. Isto se aplica tanto à filosofia quanto à religião, pois  
também a religião, não menos que a filosofia, não admitirá a finitude  
como um ser verdadeiro, um último, um absoluto, ou como algo não-  
posto, incriado, eterno. (HEGEL, 2010, p. 124)  
“Toda filosofia é essencialmente um idealismo”, escreve Hegel. Isso se dá por  
ela, a filosofia, não se contentar com o finito, buscando ultrapassá-lo em direção ao  
infinito. Ora, na medida em que avançamos no pensamento hegeliano, fica claro que  
ele articula a infinitude precisamente à Ideia, entendida como o mais genuíno objeto  
da filosofia (“exposição de Deus como Ele é em sua essência eterna antes da criação  
da natureza e de um espírito finito”, como visto). Já o finito é associado ao mundo  
sensorial, que nesta perspectiva é precisamente aquilo que deve ser ultrapassado.  
Hegel aceita a concepção de Schelling da natureza como inteligência petrificada.  
Petrificação, impotência, exterioridade: estas são algumas das características da  
Natureza para nosso filósofo. Por isso é que toda filosofia é para ele idealismo: ao  
invés de se contentar com o finito da Natureza, ela a ultrapassa e mostra seu  
desenvolvimento interno rumo ao divino.  
Em síntese, o que é preciso tornar aqui transparente é que quando Marx enuncia  
sua crítica a Hegel, ele o faz por assumir uma tomada de posição materialista que  
diverge, em profundidade: 1) da referida junção da filosofia com a teologia; 2) do  
rebaixamento da Natureza à condição de um mero predicado, finito, da Ideia. Nas  
palavras dos Manuscritos de 44, referindo-se à Fenomenologia do Espírito:  
este resultado, o sujeito que se sabe enquanto consciência-de-si  
absoluta, é, por isso, o Deus, o espírito absoluto, a ideia que se sabe  
e aciona. O homem efetivo e a natureza efetiva tornam-se meros  
predicados, símbolos deste homem não efetivo oculto, e desta  
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natureza inefetiva. Sujeito e predicado têm assim um para com o outro  
a relação de uma absoluta inversão, sujeito-objeto místico ou  
subjetividade que sobrepuja o objeto... (MARX, 2004, p. 133).  
A crítica de Marx tem como alvo a crença numa entidade abstrata, a Ideia, motor  
ativo do hegelianismo, que tem prioridade sobre os sujeitos humanos reais. Certo é  
que, como um bom dialético, Hegel captura o movimento de reversão das categorias  
ideais em materiais, mas isso transcorre dentro do referido arcabouço conceitual, onde  
“A natureza no tempo é o primeiro termo, mas o prius absoluto é a ideia, este prius  
absoluto é o termo último, o verdadeiro princípio, o Alfa e o Ômega” (HEGEL, 2002, §  
248, Ag, p. 96).  
Examinemos agora uma afirmação adicional de Michael Heinrich, quando ele  
sustenta que o contraste vigente na interpretação de Marx sobre a relação entre o  
idealismo e o materialismo se baseia “sobre uma metáfora geográfica. É como se você  
tivesse duas cidades, a cidade do idealismo e a cidade do materialismo, e viajasse de  
uma cidade para outra e perguntasse: até onde você chegou?” (ROSO, 2018)  
Esta é sem dúvida uma interpretação muito idiossincrática, para dizer o mínimo,  
acerca do materialismo e do idealismo como duas posições filosóficas distintas. Onde  
está a metáfora geográficana afirmação de que o ser material precede e é o  
pressuposto para o surgimento do ser ideal? Aqui não há, rigorosamente, metáfora  
geográfica alguma. O que existe é a afirmação da anterioridade da matéria sobre o  
pensamento; afirmação confirmada por quase dois séculos de pesquisa em ciências da  
vida. O pensamento não provém de Deus ou da Ideia: ele é sobretudo um produto  
tardio na evolução das espécies, está encarnado num cérebro que pertence  
inapelavelmente a um corpo material. Notemos, ainda, que enfrentar com seriedade  
este debate envolve em algum momento aprofundar questões referentes à ontologia  
material e social. Entretanto, este é precisamente o caminho que Heinrich recusa de  
modo explícito. Em suas palavras: “quando Marx fala de materialismo, seu objetivo é  
discutir o comunismo, e não a relação ontológica entre a mente e a matéria” (WITTER,  
2020). De novo aqui, uma interpretação extremamente discutível, até porque é  
perfeitamente possível discutir teoricamente a posição materialista sem fazer  
referência a um projeto comunista - e a história da filosofia apresenta pensadores que  
ilustram bem esta possibilidade. Em contrapartida, a relação entre a mente e a matéria  
é um tópico incontornável em qualquer debate sobre o materialismo. Já György Lukács  
havia alertado que a desqualificação sumária de questões ontológicas traço  
recorrente de nossa época - finda por interditar um extenso segmento do debate  
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filosófico (LUKÁCS, 2012, pp. 25-43).  
* * * *  
Quando visualizamos com maior nitidez o teor da crítica de Marx a Hegel, torna-  
se possível, aí sim, resgatar a grandeza de outras dimensões da filosofia do segundo  
pensador; tal possibilidade foi afirmada tanto nos Manuscritos de 44 como em  
momentos bem mais avançados da obra marxiana, como veremos a seguir. No que diz  
respeito aos Manuscritos de 44, há um elogio inequívoco:  
A grandeza da “Fenomenologia” hegeliana e de seu resultado final -  
a dialética, a negatividade enquanto princípio motor e gerador é  
que Hegel toma, por um lado, a autoprodução do homem como um  
processo, a objetivação [Vergegenständlichung] como desobjetivação  
[Entgegenständlichung], como exteriorização [Entäusserung] e  
suprassunção [Aufhebung] dessa exteriorização; é que compreende a  
essência do trabalho e concebe o homem objetivo, verdadeiro, porque  
homem efetivo, como o resultado de seu próprio trabalho. (MARX,  
2004, p. 123)  
A autogeração do homem como um processo, esta é uma conquista teórica  
hegeliana devidamente valorizada por Marx. Hegel soube captar a processualidade  
que é própria à constituição humana. Só por isso, só por ter fornecido os meios para  
se visualizar nossa espécie como o resultado de seu próprio trabalho, Hegel já teria  
garantido seu lugar como um dos expoentes da história da filosofia. A própria  
categoria de essência [wesen] se vê profundamente alterada, como mencionado em  
seção anterior deste artigo. Ao invés de ser pensada como um substrato atemporal, a  
essência passa a ser concebida como transformada e atravessada pelo decurso  
histórico. É a importância da mediação [Vermittelung] que reclama seus direitos  
também nos Manuscritos de 44: “Somente por meio da suprassunção desta mediação  
que é, porém, um pressuposto necessário - vem a ser o humanismo positivo, que  
positivamente parte de si mesmo” (MARX, 2004, p. 132)  
Neste sentido, se é verdade que Marx lança mão de aquisições de Feuerbach  
em sua polêmica com Hegel, seria errôneo postular uma identidade entre o primeiro e  
o segundo. Acabamos de ler: a mediação não foi recusada por Marx, diferentemente  
do que ocorria com o autor de A essência do cristianismo. Não é possível iniciar-se um  
trajeto filosófico a partir do positivo imediato, há que reconhecer as mediações  
históricas - com destaque para o trabalho humano - responsáveis pela configuração  
assumida pelo próprio mundo sensorial.  
Assim é que a concepção do que seja a atividade, a dialética da negatividade,  
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a “objetivação como alienação” sofre a influência de Hegel, bem como o entendimento  
do caráter processual do ser, sua transitoriedade. Contudo, enquanto na  
Fenomenologia do Espírito o responsável pelo engendramento de uma subjetividade  
singularizada era antes de tudo o trabalho intelectual, realizado pela consciência que  
reflexiona seus pressupostos, já em Marx trata-se de um trabalho que interage com  
objetos reais, e não apenas com objetos do pensamento. Este resgate da  
sensorialidade desempenha um papel crucial no entendimento marxiano dos sujeitos  
humanos. Em tal revalorização da sensorialidade sem dúvida existe a marca de L.  
Feuerbach, reconduzindo a análise ao campo da objetividade, e apontando para a  
origem terrena do pensamento. Porém, Feuerbach faz isso pagando o alto custo de  
mutilar a própria compreensão acerca da atividade, e é precisamente esta  
compreensão que os Manuscritos de 44 pretendem formular, realizando uma original  
síntese entre aquisições conceituais distintas de Hegel e Feuerbach. Pronunciamentos  
posteriores de Marx dão conta de que, em sua maturidade, o influxo de Feuerbach em  
seu pensamento pouco deixou marcas, ao passo que Hegel permaneceu como um  
interlocutor bem mais duradouro.  
Na verdade, nem é aqui o interesse primordial identificar “o que é de Hegel” ou  
“o que é de Feuerbach” no Marx de 1844. Mais produtivo é reconhecer a torção que  
ele imprimiu em suas fontes, gerando um enunciado novo, com feição própria.  
Aprofundando a questão, é correto dizer que, “de Hegel a Marx”, não foi apenas o  
campo teórico que mudou: a realidade histórica era outra. Além da possibilidade de  
uma crítica categorial, havia a própria realidade viva agindo na formulação da teoria.  
A sociedade burguesa que Hegel havia estudado ao início do século XIX acabou  
manifestando seus conteúdos mais contraditórios e explosivos. Em termos  
propriamente marxianos, o circuito do valor alcançou patamares mais elevados bem  
como a luta de classes a ele associada , possibilitando explicações que melhor  
espelhavam a realidade como contradição processual.  
Ainda em relação à Fenomenologia do Espírito é preciso dizer que ela possui  
uma dimensão subterrânea, por assim dizer, que merece ser escavada para trazer à  
luz seus conteúdos mais inovadores:  
A “Fenomenologia” é, por isso, a crítica oculta [verborgene], em si  
mesma ainda obscura e mistificadora; mas na medida em que ela  
retém [hält fest] o estranhamento do homem ainda que também  
este último apareça apenas na figura do espírito , encontram-se nela  
ocultos todos os elementos da crítica, muitas vezes preparados e  
elaborados de modo que suplantam largamente o ponto de vista  
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hegeliano. (MARX, 2004, p 122)  
A referência a suplantar “largamente o ponto de vista hegeliano” dá conta da  
acuidade de Marx em discernir, dentro do próprio hegelianismo, elementos que o  
ultrapassam. Na sequência da passagem, encontraremos o reconhecimento textual de  
que as figuras da consciência tal como elaboradas por Hegel (“consciência infeliz”,  
“consciência honesta” etc.) conseguem capturar traços relevantes do estranhamento,  
ainda que no interior do idealismo hegeliano28.  
Por fim, aqueles que acreditam numa relação de completa exclusão entre o  
jovem Marx e o Marx da maturidade se surpreenderão com o reaparecimento de temas  
da juventude, muitas vezes de forma quase literal, na obra da maturidade. No  
Posfácioà edição alemã de O capital, reencontraremos o mesmo movimento duplo:  
o reconhecimento dos limites de Hegel, mas também de sua grandeza. E mais: a  
incorporação de categorias de origem hegeliana sempre passa por uma reelaboração  
do próprio Marx, onde sua autoria vai se afirmando de forma cada vez mais nítida.  
A mistificação que a dialética sofre nas mãos de Hegel não impede em  
absoluto que ele tenha sido o primeiro a expor, de modo amplo e  
consciente, suas formas gerais de movimento. Nele, ela se encontra  
de cabeça para baixo. É preciso desvirá-la, a fim de descobrir o cerne  
racional dentro do invólucro místico. (MARX, 2013, p. 91)  
Chama a atenção a recorrência nos textos marxianos do significante “místico”  
[mystische] e de seus derivados [Mystifikation] para designar a filosofia de Hegel:  
amálgama da filosofia com a teologia muito precocemente recusado por Marx. No  
nosso século XXI, que nos apresenta o modo de produção capitalista em sua face mais  
mortífera, pode ser um procedimento tentador inflar a importância de Hegel como  
pensador e afirmar que ele foi mal compreendido por Marx. Contudo, um exame textual  
deste último nos mostra que foi precisamente por ter bem entendido os limites do  
hegelianismo que Marx conseguiu alcançar seu campo próprio de expressão.  
Categorias dos Manuscritos de 44 nas obras posteriores de Marx  
Ao longo deste artigo, apontamos para as conquistas conceituais dos  
Manuscritos de 1844, mas também para alguns de seus limites. Quanto a estes  
últimos, eles poderiam ser sintetizados como: um conhecimento ainda muito incipiente  
das categorias da economia política por parte de Marx; consequentemente, a ausência  
28 Outras vertentes do pensamento hegeliano recepcionadas positivamente por Marx foram abordadas  
em meu artigo: “Hegel, Espinosa e o marxismo: para além de dicotomias” (MARTINS, 2020, pp. 2946).  
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de uma teoria do valor, cuja pesquisa consumirá literalmente décadas da vida do autor;  
a utilização abundante de uma categoria como “o homem”, que pode ser criticada por  
veicular uma concepção essencialista (embora o próprio texto ofereça elementos para  
ultrapassar-se esta interpretação). Relacionada a esta última característica, está aquilo  
que um autor como G. Márkus nomeou como o individualismo metodológico presente  
nos Manuscritos de 44 (MÁRKUS, 1974, p. 39)29: a suposição de que é possível  
derivar-se o conjunto das relações sociais (propriedade privada, estado, religião etc.)  
a partir da objetivação de o homem.Sabemos que os textos da maturidade de Marx  
como que invertem este percurso argumentativo. Mas em 1844, estamos distantes da  
formulação marxiana da maturidade que afirma: “meu método analítico [...] não parte  
do homem, mas de períodos sociais economicamente dados” (MARX, 2017, p. 267)  
Mencione-se ainda, no Manuscritos, uma invocação ao mundo sensorial como  
fundamento adequado para o conhecimento científico: “A sensibilidade (vide  
Feuerbach) tem de ser a base de toda ciência” (MARX, 2004, p. 112)30. Uma  
formulação como esta, na maturidade de Marx, necessitaria de uma série de  
qualificações. Mantido o reconhecimento do concreto como “o ponto de partida  
efetivo” (MARX, 2011b, p. 54) – nas palavras da célebre Introdução aos Grundrisse ,  
todo um denso debate se fez necessário sobre o papel das abstrações razoáveis na  
elaboração do conhecimento. Apenas como exemplo: uma categoria como o mais valor  
não é detectável mesmo mediante uma apurada inspeção do mundo sensorial; ela  
necessita de abstrações para poder ser demonstrada.  
Registrados esses limites, ainda assim o texto de 1844 consolida e desenvolve  
aquisições que se revelarão duradouras. Talvez a mais evidente seja a espessura  
teórica e filosófica da Entfremdung, categoria que costuma ser traduzida por  
estranhamento ou alienação. Ao longo de sua obra, Marx prossegue explorando as  
diferentes dimensões do estranhamento: com relação ao produto do trabalho, à  
própria atividade vital, ao outro ser humano, à espécie como um todo. Na sua  
maturidade, Marx oferecerá uma radiografia mais precisa do capital como realidade  
29  
Infelizmente, não foi bom o devir filosófico do próprio G. Márkus: após um início promissor, migrou  
progressivamente para posições cada vez mais distantes do marxismo.  
30  
Sinnlichkeit pode ser traduzido também como “sensorialidade”, “mundo sensorial”, como já  
mencionado. Incidentalmente, notemos que devido à concepção dialética de Marx não é possível traçar  
uma linha divisória definitiva (anseio presente em algumas traduções) entre as diferentes categorias  
engendradas pelo desdobramento da argumentação. Neste específico aspecto, também em Marx vemos  
operar - a seu modo próprio - o que Hegel nomeava como Umschlagen, o reverter, o revirar recíproco  
de categorias distintas. Aqui, a distância em relação ao cartesianismo é imensa.  
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Os 180 anos dos Manuscritos de 1844 de Marx  
estranhada, que adquire um automatismo peculiar. Citemos uma passagem mais  
extensa de O capital, em seu Capítulo XXI, “Reprodução simples”; nela veremos  
enunciado, mais uma vez, o tema do estranhamento:  
Como antes de entrar no processo seu próprio trabalho já está  
alienado dele [ihm selbst entfremdet], apropriado pelo capitalista e  
incorporado ao capital, esse trabalho se objetiva continuamente, no  
decorrer do processo, em produto alheio. Sendo processo de  
produção e, ao mesmo tempo, processo de consumo da força de  
trabalho pelo capitalista, o produto do trabalhador transforma-se  
continuamente não só em mercadoria, mas em capital, em valor que  
suga a força criadora de valor, em meios de subsistência que compram  
pessoas, em meios de produção que se utilizam dos produtores. Por  
conseguinte, o próprio trabalhador produz constantemente a riqueza  
objetiva como capital, como poder que lhe é estranho, que o domina  
e explora[...]. (MARX, 2013, p. 645-6)  
Qualquer leitor desprovido de preconceitos vê-se obrigado a reconhecer nesta  
análise da maturidade a retomada do tema do estranhamento, que já havia merecido  
a atenção de Marx pelo menos desde 1843/1844. É por esta razão que a afirmação  
de um corte epistemológico entre o jovem e o velho Marx concepção tão apreciada  
por pesquisadores de formação althusseriana revela-se manifestamente precária para  
nomear a complexificação adquirida por Marx ao longo de seu trajeto. A noção de  
“corte” reifica e congela a produção da juventude de Marx, impedindo o discernimento  
da produtividade existente em algumas de suas categorias.  
No que diz respeito a um dos temas examinados mais de perto neste artigo, a  
formação de uma subjetividade humana, é de se notar também a persistência da crítica  
de Marx às consequências dos imperativos de produtividade capitalista vinculados à  
divisão do trabalho. Imperativos que fixam cada indivíduo a um ramo muito unilateral  
da produção, impedindo a exteriorização da pluralidade de suas forças essenciais. Tal  
crítica de Marx à unilateralidade do desenvolvimento humano na sociedade capitalista  
prosseguirá firme durante a redação de O capital. Em seu Capítulo XII, intitulado  
“Divisão do trabalho e manufatura”, é enunciada uma divergência de fundo quanto às  
deformações trazidas pela manufatura em seus trabalhadores:  
Ela aleija o trabalhador, converte-o numa aberração, promovendo  
artificialmente sua habilidade detalhista por meio da repressão de um  
mundo de impulsos e capacidades produtivas, do mesmo modo como,  
nos estados de La Plata, um animal inteiro é abatido apenas para a  
retirada da pele ou do sebo. (MARX, 2013, p. 434)  
O substrato filosófico destas contundentes palavras de Marx é precisamente  
sua concepção das capacidades humanas como sendo potencialmente plurais –  
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conforme enfatizado anteriormente , necessitando de um conjunto variado de objetos  
para poderem ser exercidas. Sempre que se confina um indivíduo a um ramo unilateral  
da produção, está-se amputando um conjunto de outras capacidades suas. Marx  
manteve viva sua sensibilidade para esta deformação e, também em O capital, recupera  
depoimentos de trabalhadores estadunidenses que conseguiam circular entre  
diferentes atividades num país que, no século XIX, não havia ainda cristalizado em  
definitivo as ramificações da divisão do trabalho. Ouçamos o depoimento de um deles:  
Jamais eu teria acreditado que seria capaz de exercer todos os ofícios  
que pratiquei na Califórnia. Estava convencido de que, salvo a  
tipografia, eu não servia para nada [...]. Certa vez, em meio a esse  
mundo de aventureiros, que trocam mais facilmente de profissão do  
que de camisa, agi e juro que assim o foi! como os outros. Como  
a mineração não se mostrou suficientemente rentável, abandonei-a e  
me dirigi à cidade, onde trabalhei sucessivamente como tipógrafo,  
telhador, fundidor de chumbo etc. Depois de ter tido essa experiência  
de ser apto para todo tipo de trabalho, sinto-me menos molusco e  
mais homem. (MARX, 2013, p. 558, n. 308)  
Se sentir “menos como um molusco e mais como um homem” deixa entrever as  
possibilidades plurais da atividade humana, quando ela ainda não ingressou  
plenamente no circuito do trabalho alienado. Apenas para evitar mal entendidos: o  
projeto político de Marx não era, por óbvio, a instauração na Europa do capitalismo  
norte-americano, mas sim de uma sociedade socialista. Aqui, o contraste foi feito  
apenas para evidenciar diferenças temporais no desenvolvimento do modo de  
produção capitalista. Pois o estranhamento do trabalho é, há mais de um século,  
fenômeno gritante também nos Estados Unidos.  
Razões como estas evidenciam que um conhecimento seguro dos Manuscritos  
de 44 se somará ao de O capital e de outros textos para um melhor entendimento  
da extensão e da ramificação da crítica de Marx à sociedade capitalista. Crítica que  
ultrapassa a denúncia da concentração da riqueza desta última certamente uma  
aberração a ser cotidianamente combatida , atingindo também os fundamentos  
mesmo da produção da vida e de subjetividades no mundo contemporâneo. Certo é  
que o conhecimento da obra de Marx não é um fim em si mesmo: ele deve ser  
continuamente cotejado com a situação contemporânea dos séculos XX e XXI. Nas  
palavras de Vitor Sartori:  
A atitude diante do capitalismo de determinada época depende da  
apreensão de sua particularidade, bem como da diferença específica  
existente entre as categorias econômicas de determinado momento  
diante daquelas das análises de Marx e dos clássicos do marxismo [...].  
(SARTORI, 2022, p. 341)  
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Os 180 anos dos Manuscritos de 1844 de Marx  
Com efeito, há todo um trabalho a ser cotidianamente realizado de atualização  
do legado marxiano para a nossa época, sem o qual estaríamos interditando a  
possibilidade de uma compreensão adequada da contemporaneidade em que vivemos.  
Dito isso, e retornando ainda uma vez à pertinência da crítica de Marx sobre a  
alienação do trabalho, sabemos que a partir da terça parte do século XX surgiram  
teorias que prognosticavam um crescente declínio do uso da força de trabalho  
humana31. Mesmo com diferenças significativas, partilhavam da ideia de que a  
automação crescente dispensaria cada vez mais o seu uso. O fascínio promovido pela  
revolução eletrônica teve sua contrapartida cultural na produção de filmes onde é  
recorrente o tema de robôs que produzem outros robôs, tornando acessória a  
presença humana. Mesmo alguns teóricos ligados ao marxismo endossaram a avaliação  
de que se caminhava para um declínio inexorável da utilização da força de trabalho. O  
grupo alemão Krisis, que teve em Robert Kurz um de seus participantes de maior  
projeção, usou palavras provocativas para referir-se a tal suposto declínio: “A venda  
da mercadoria força de trabalho será no século XXI tão promissora quanto a venda de  
carruagens de correio no século XX” (GRUPO KRISIS, 1999).  
Forçoso é reconhecer que o transcurso histórico não confirmou tal previsão.  
Longe disso. O que temos no século XXI é uma configuração histórica portadora de  
um desenvolvimento tecnológico inaudito, convivendo com multidões de  
trabalhadores precarizados e mal remunerados. Ao invés do fim da sociedade do  
trabalho, o que vigora é uma expansão da jornada de trabalho mesmo sobre aqueles  
períodos que tradicionalmente se constituíam como tempo livre: fins de semana,  
feriados, turnos da noite. Isso para não mencionarmos aqueles que mergulham no  
desemprego puro e simples, constituindo o que alguns cientistas sociais designam  
com o incômodo nome de refugo humano: são os sobrantes de uma sociedade que  
não encontram condições para viver e exercer suas potencialidades de vida.  
As considerações sobre a dura atualidade do trabalho estranhado fazem pensar  
que o retorno a certos textos fundadores de Marx aliado à sua atualização nos  
permitem examinar a gênese de uma configuração sócio-histórica que hoje atinge seu  
paroxismo. Pois o fato é que em 1844, aos 25 anos de idade e ainda muito distante  
de suas grandes obras da maturidade , o jovem Marx num primeiro contato com a  
Economia Política dispôs-se a revisar sua herança filosófica para melhor visualizar a  
31 Em 1844, Marx não havia ainda formulado a importante distinção entre trabalho e força de trabalho,  
característica de sua maturidade.  
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hidra que se formava diante de si. O leitor contemporâneo que percorrer, sem  
preconceitos, estes densos Manuscritos de 1844, mesmo com seus limites reais,  
poderá presenciar ali, no nascedouro, a força de um pensamento que se ergue. Será  
excessivo afirmar que este encontro pavimentado por Marx entre a Filosofia e a  
Economia Política mudou parte da história do pensamento?  
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Como citar:  
MARTINS, Maurício Vieira. Os 180 anos dos Manuscritos de 1844 de Marx:  
materialismo, subjetividade e o debate com Hegel. Verinotio, Rio das Ostras, v. 29,  
n. 2, pp. 24-67; jul.-dez., 2024.  
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