O capital atrófico: da via colonial à mundialização
amplamente esta questão, demonstrando as interligações entre o modo de objetivação
do capitalismo brasileiro, o caráter autocrático do estado, em suas diversas formas, e
o politicismo. Este, "forma natural de procedimento" da burguesia brasileira, passa a
ser utilizado conscientemente, a partir de 64, como estratégia política.
Autocracia e politicismo, longe de serem contingentes ou restritos a um
momento histórico singular, são determinados pela atrofia histórica e estrutural do
capital e da burguesia de via colonial, retardatária, conciliadora e subordinada,
economicamente liberal mas sem aspirações democráticas. Estreiteza econômica e
consequentemente política que lhe inviabilizam o exercício da hegemonia sob forma
democrática — que exigiria a integração e participação de todas as categorias sociais
— e deixam-lhe apenas duas alternativas para sua dominação: a "truculência de classe
manifesta" — o bonapartismo, expressão armada do politicismo —, ou a "imposição
de classe velada ou semivelada" — a autocracia institucionalizada, expressão jurídica
do politicismo. A alternância entre estes dois pólos pode ser observada tanto na última
ditadura militar e sua posterior "abertura", quanto na sucessão do Estado Novo pela
assim chamada "redemocratização" de 1945/46.
O desvendamento das bases sociais do estado brasileiro reconfigura totalmente
a questão da democracia, iluminando suas condições de possibilidade, as quais
apontam para outro sujeito histórico — o trabalho, ao invés do capital — e, portanto,
para outro conteúdo, não limitado as franquias institucionais, embora sem as
desprezar. Elucidando a fonte efetiva dos males sociais — a sociedade civil, na
particularidade histórica de sua objetivação, recusa o seccionamento, característico da
concepção liberal, entre as "partes" componentes da existência humana, e abre
caminho para a crítica radical da política, concomitantemente à crítica radical do capital
em suas diversas entificações, inclusive aquela derivada das tentativas frustradas de
transição socialista5. Em outros termos, essa abordagem substitui a perspectiva
quimérica, hoje dominante, do aperfeiçoamento do estado e da domesticação do
capital pela da superação do capital e da política, com vistas à emancipação humana.
5
Não por acaso Chasin publica, em 1983, ano do centenário da morte de Marx, Da Razão do Mundo
ao Mundo Sem Razão (Revista Ensaio n° 11/12. São Paulo, Ensaio, 1983), primeiro trabalho em que
alcança a determinação das formas societárias pós-capitalistas como formas que. abolindo a
propriedade e os proprietários privados, não atingem, entretanto, a apropriação e gestão sociais dos
meios de existência, mantendo o capital em uma configuração inusitada: o capital coletivo/não social,
gerido, embora não apropriado, pelo estado - razão da permanência e ampliação deste parasita que
sufoca o corpo social. O mesmo tema será retomado, com amplos desdobramentos, em A Sucessão na
Crise e a Crise na Esquerda, incluído neste volume.
Verinotio
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 60-100 – jan.-jun., 2025 | 69
nova fase